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A Autoridade Nacional de Proteção Civil escolheu a empresa de Vítor Tito — o publicitário que ajudou António Costa na campanha das legislativas — para fazer a campanha nacional de sensibilização para limpeza das matas. Valor: 83.655 euros. O concurso em causa está envolto numa nebulosa que o organismo público se recusa a esclarecer.
Vamos por partes: a lei, no artigo 112.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos, obriga a que sejam consultadas três entidades. A ANPC garantiu ao Observador que, no cumprimento da lei, foram ouvidas mais duas entidades num regime de consulta prévia e até revelou o nome das empresas convidadas além da BBZ de Tito: a Generator e a Media Gate. Ainda segundo a ANPC, das três entidades, “apenas a BBZ — Publicidade e Marketing, S.A. apresentou proposta dentro do prazo estabelecido para o efeito”.
No entanto, a diretora da Media Gate, Isabel Pinto, garantiu ao Observador que a empresa nunca foi contactada pela ANPC para fazer esta campanha. Questionada pelo Observador para esclarecer esta situação, a ANPC simplesmente não respondeu.
O caderno de encargos exigia que a entidade adjudicada concebesse uma “campanha publicitária, a nível nacional, para limpeza do mato até 15 de março, no âmbito da Prevenção de Incêndios Florestais e maquetização de todos os suportes (spot para televisão e rádio; anúncios para imprensa, multibanco, folhetos, cartazes, email e banner para websites)”. A ANPC optou por dar o prazo mínimo permitido por lei para as entidades apresentarem propostas: 72 horas.
Se a Media Gate diz que nem recebeu o convite, já a Generator, através do sócio Luís Rosendo, explica ao Observador que recebeu o convite no dia 2 de fevereiro de 2018, mas optou por não apresentar a proposta uma vez que a empresa não tinha “capacidade para dar uma resposta capaz na fase de execução da proposta, caso o trabalho nos viesse a ser adjudicado”. Vítor Tito, diretor-geral da BBZ, também recebeu o convite a 2 de fevereiro e garante que apresentou a sua proposta até 5 fevereiro. O contrato acabou por ser assinado a 9 de fevereiro, pelo então presidente da ANPC, Carlos Mourato Nunes.
A ANPC não esclareceu ao Observador a razão de ter convidado a BBZ para este concurso. Já o empresário Vítor Tito explicou, em resposta enviada por escrito ao Observador, que a autoridade reconhece à empresa “competência pela vasta experiência da BBZ e pelos resultados obtidos neste tipo de comunicação de prevenção dos comportamentos de risco de incêndios florestais, que se concretizou no trabalho que é publico, em articulação, durante alguns anos, com vários ministérios e entidades de governos liderados por diferentes partidos políticos PS, PSD e CDS”. Como se verá mais à frente, Tito tem razão. Fez trabalhos para vários governos, incluindo alguns liderados pelo PSD. No entanto, a esmagadora maioria de adjudicações diretas feitas à empresa de Vítor Tito nos últimos anos foram efetuadas por entidades (autarquias, empresas municipais e organismos) lideradas por socialistas.
Reportagem. António Costa: 6 minutos e 47 segundos a limpar floresta
Convite fechado já tinha rendido 300 mil euros para campanha sobre incêndios
Esta não é a primeira vez que Tito está associado a concursos ligados aos incêndios que têm características excecionais. A 10 de julho de 2017, já após os incêndios de Pedrógão Grande, o Ministério da Administração Interna fez um convite reservado a um único candidato a apoiar a realização de ações de comunicação e sensibilização para a prevenção de incêndios florestais. De acordo com o semanário Expresso (edição fechada, sem link disponível), estavam em causa 300 mil euros de subsídios a fundo perdido a um único beneficiário, a ECO — a Associação de Empresas contra os Fogos.
Ora, a ECO é uma associação sem fins lucrativos criada em 2015 por Francisco Murteira Nabo (antigo ministro de António Guterres) e a sociedade de publicidade e marketing BBZ, de Vítor Tito. Na história da associação descrita no site, a primeira frase refere logo a influência do atual primeiro-ministro na criação desta entidade: “O Movimento ECO – Empresas contra os Fogos, lançado em 2007 e apoiado pelo então ministro da Administração Interna Dr. António Costa, é hoje uma das maiores iniciativas de responsabilidade social coletiva em Portugal e um desígnio nacional na prevenção dos incêndios florestais.”
O Expresso questionou na altura o MAI sobre de quem era a responsabilidade da campanha e a razão de haver um convite fechado à associação ECO em detrimento de um concurso aberto. Isto porque, segundo a regra de atribuição de fundos comunitários, só é “admitida a apresentação por convite em casos excecionais”. Antes disso, o MAI tinha apoiado publicamente a campanha de comunicação criada pela ECO, onde participaram várias figuras públicas como o cantor Tony Carreira. Nas gravações do spot chegou, inclusive, a ser confirmada a presença do então secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, como na altura noticiou o Observador.
São famosos e têm uma mensagem: “Portugal Sem Fogos Depende de Todos”
O próprio convite do Portugal 2020, na altura citado pelo Expresso, referia um protocolo de colaboração entre a associação ECO e o MAI, através da Autoridade Nacional de Proteção Civil. Já o POSEUR — Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos, respondeu na altura ao semanário que a associação ECO é “a única entidade que, ao longo dos últimos dez anos, com carácter de continuidade e abrangência nacional, realizou ações de sensibilização no âmbito da defesa da floresta contra incêndios, monitorizando e avaliando o impacto das mesmas” e que “a apresentação de candidatura ao POSEUR para a realização das ações de sensibilização exige que a associação realize procedimentos de contratação pública de acordo com a legislação em vigor, pelo que fica acautelado o princípio da transparência e a ausência de qualquer benefício económico para a associação e entidades que a constituem”. Ou seja: a associação ECO não poderia adjudicar nenhum serviço às empresas que fazem parte da associação.
A ligação a Costa e os polémicos cartazes das legislativas
O PS foi acusado, durante a campanha das legislativas, de inventar histórias de eleitores e de colocá-las em cartazes das legislativas. A notícia do Observador provocou mesmo a queda do então diretor de campanha, Ascenso Simões, e foi um rude golpe na campanha de António Costa. Havia de tudo: desde uma desempregada que, afinal, tinha emprego até a um emigrante que, afinal, nunca tinha saído do país. A autoria da ideia chegou a ser atribuída ao especialista em marketing, Edson Athayde, mas fontes da direção do PS explicaram na altura ao Diário de Notícias, de 8 de agosto de 2015, que o responsável da ideia era o publicitário portuense Vítor Tito.
“Esta história não é minha”. PS acusado de fabricar histórias dos cartazes
Ao Observador, Vítor Tito garantia na altura que não tinha nenhuma ligação aos cartazes e que nunca a BBZ tinha faturado um cêntimo a partidos políticos. Isto porque a mesma notícia do Diário de Notícias lembrava que Tito tinha ajudado António Costa nas campanhas autárquicas em Lisboa. Uma notícia do Público citava uma fonte da concelhia do PS/Lisboa que garantia que não era a empresa, mas sim o publicitário a colaborar: “O Tito, não a empresa dele, tem realizado algumas colaborações, de há alguns anos para cá, com António Costa.”
O mistério adensa-se. Tito diz que também não fez cartazes do PS
Na mesma altura, também o Observador noticiou as ligações de Vítor Tito à câmara de Lisboa e a forma como lucrou com vários contratos durante a presidência de António Costa. A empresa de publicidade de Tito obteve, entre 2008 e 2014, contratos na ordem dos 836 mil euros com a autarquia lisboeta quando Costa era presidente, o que significou mais de metade da faturação nesses anos da sua empresa em contratos com entidades públicas.
Vitor Tito fez 16 contratos com a Câmara de Lisboa com Costa como presidente
Vítor Tito diz, na resposta que enviou recentemente ao Observador, que estes foram “concursos públicos ganhos, entre muitos outros perdidos com total transparência e rigor e conduzidos pelos serviços da Câmara Municipal de Lisboa”. No site Base.gov é, no entanto, possível verificar que se trata de ajustes diretos.
Na verdade Vítor Tito e António Costa já se conhecem há anos. Na página da BBZ, constam campanhas com o Ministério da Justiça entre 1999 e 2002, na altura em que o ministro da Justiça era o agora primeiro-ministro. Sobre essa ligação, Tito explica ao Observador que “a escolha foi dos serviços do ministério que tinham a cargo este projeto e que conduziram o processo concursal”. E admite que, na altura, Costa terá estado envolvido na conceção dessas campanhas: “Sim, terei falado com o senhor ministro, que na altura não conhecia. É normal nas campanhas feitas para ministérios, que envolvem assuntos de políticas públicas, que o ministro da tutela se envolva no conteúdo da comunicação a veicular”.
Vítor Tito acrescenta, no entanto, que “a BBZ está no mercado há mais de 20 anos e já concebeu centenas de campanhas para fundamentalmente [um] vasto número de empresas e entidades privadas e pontualmente públicas, incluindo para ministérios de vários governos do PS e do PSD/CDS”.
A publicitação de contratos nos últimos anos demonstra que a relação com o setor público não é tão rara quanto Tito sugere. Os serviços prestados “pontualmente” significaram cerca de 3,5 milhões de euros (incluindo IVA) nos últimos dez anos. E a larga maioria desses contratos foram adjudicados por entidades lideradas por socialistas. A câmara municipal de Lisboa (principalmente com António Costa) tem sido o melhor cliente público da BBZ de Tito. De longe.
Maior parte dos 3,5 milhões adjudicados a Tito com ligações ao PS
A administração pública já fez 3,5 milhões de euros em contratos (2,89 milhões, se excluído o IVA) com a BBZ de Tito. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) é, claramente, o melhor cliente. Só no tempo em que era liderada por António Costa, a câmara de Lisboa adjudicou 17 contratos no valor de 1.079.130 euros à BBZ (o que significa 30% dos contratos públicos feitos nos últimos nove anos pela BBZ).
Se ao tempo de António Costa se juntar os dois contratos que a BBZ já fez com a CML de Medina (no valor de 123.984 euros) e ainda os 86.100 feitos com a Gebalis, também liderada pelo dirigente concelhio do PS Pedro Pinto Jesus, sobe para 1.289.214 euros o valor total de contratos atribuídos pela CML (incluindo um contrato da empresa municipal que gere os bairros municipais). Ou seja: 36,8 % do valor conseguido pela BBZ em contratos públicos nos últimos nove anos (os únicos em que a publicitação é apresentada pelo site Base.gov) foi em adjudicações feitas pela CML.
Excluindo a ANPC, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e a Autoridade Nacional de Florestas, a BBZ, em quatro anos e meio de Governo de Passos Coelho, conseguiu apenas 21.525 euros em contratos com agências governamentais ou entidades que dependiam do Governo (neste caso, a Direção-Geral da Administração Interna).
Nos últimos dois anos e meio, com o Governo de António Costa, esse número subiu para 231.720 euros em contratos. A estes juntam-se, também nos últimos dois anos e meio, mais 246.184 euros em entidades tuteladas pelo Governo Regional dos Açores (também liderada pelo PS). No tempo de José Sócrates (2009 – maio de 2011), a BBZ conseguiu 380.048 euros com entidades tuteladas pelo Governo.
Nos últimos anos destaca-se também a ligação a Gaia (que não existia no tempo de Luís Filipe Menezes). Desde que o socialista Eduardo Vítor lidera a autarquia, Tito já viu serem adjudicados à BBZ 210.317 euros em contratos com a autarquia e a empresa municipal de Águas de Gaia.
Questionado pelo Observador sobre este facto, Vítor Tito diz que não tem nada a ver com o facto de a câmara ser socialista, mas que “há apenas o reconhecimento pela atual câmara de que a nossa agência é melhor para alguns dos trabalhos que pretendem fazer servindo certamente de referência, por exemplo, dos que desenvolvemos para a Câmara Municipal do Porto na altura liderada pelo Dr. Rui Rio”.
O exemplo da câmara de Rio tem, no entanto, de ser visto em perspetiva. Desde 2009, a BBZ de Tito trabalhou com quatro autarquias (segundo os contratos no site Base.gov): Lisboa (PS), S. João da Madeira (PS), Vila Nova de Gaia (PS) e Porto (PSD, liderada de Rui Rio). No entanto a diferença é clara:
- Câmara Municipal de Lisboa (PS): 1.079.130 euros (17 contratos)
- Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (PS): 210.317 euros (6 contratos)
- Câmara Municipal de S. João da Madeira (PS): 59.032 euros (um contrato)
- Câmara Municipal do Porto (PSD): 20.983 euros (três contratos)
Vítor Tito tem trabalhado, de facto, com a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) e com a Autoridade Nacional de Proteção Civil/Autoridade Nacional das Florestas de forma contínua desde 2009. Se, durante o Governo de Sócrates, a ANSR contratualizou com a BBZ de Tito 81.524 euros, no tempo de Passos voltou a contratualizar 36.900 euros. É já no tempo da governação de Costa que há um aumento significativo: 223.327 euros.
No tempo de Sócrates, a BBZ teve contratos de 90.774 euros com a Autoridade Nacional de Florestas e, neste caso, até subiu no tempo de Passos para 99.397 euros. Ainda assim, excluindo estas agências e entidades cuja liderança é dividida por mais do que um partido (como a Comissão Nacional de Eleições e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa), a maioria dos contratos de Tito foram com entidades lideradas ou tuteladas por socialistas.
Basta juntar os 1.558.563 euros em contratos com as três autarquias socialistas a 246.184 euros das entidades que dependem do Governo regional açoriano (PS), com os 231.720 euros conseguidos com entidades tuteladas pelo Governo de Costa e os 380.048 euros com entidades tuteladas pelo Governo de Sócrates para se chegar aos 2.416.515 euros em contratos. Basta esta soma para os contratos com entidades ligadas ao PS significarem quase 70% de toda a contratação pública de Tito nos últimos nove anos.
Tito pediu certidão da Selminho de Moreira
Vítor Tito também tem colaborado nos últimos anos com Manuel Pizarro, tendo-o feito, segundo noticiaram o DN e o Observador em 2014, na campanha das autárquicas de 2013, quando o médico se candidatou à Câmara do Porto. Ainda antes da campanha de 2017, o publicitário voltou a ver-se envolvido numa polémica relacionada com partidos. Em novembro de 2016, o Expresso noticiou que tinha sido a BBZ a pedir uma certidão da Selminho — Imobiliária Lda (propriedade de Rui Moreira e da família) que acabou por circular em emails anónimos enviados a vereadores e funcionários da câmara do Porto.
Segundo o semanário, a cópia tinha sido solicitada pela “BBZ — Publicidade e Marketing” a 21 de junho de 2016 na Conservatória do Registo Comercial do Porto. Ao Expresso, Tito acabou por justificar em novembro desse ano que pediu a certidão por “questões da empresa”. O publicitário negava, no entanto, ter qualquer responsabilidade nos emails anónimos: “Esta pretensa ligação aos e-mails anónimos que circulam na Câmara é absurda”.
Houve duas vagas com centenas de emails, onde Rui Moreira era acusado de ser “hipócrita” e era atacado por “comprar o pior que os militantes dos partidos podem ter… dando-lhes lugares”. Já depois deste caso, Rui Moreira manteve o acordo com o PS para as autárquicas de 2017, mas este acabou por se desfazer após uma entrevista de Ana Catarina Mendes ao Observador.
Ana Catarina Mendes: a vitória de Rui Moreira no Porto “será uma vitória do PS”
Nota da redação: o Observador republicou um direito de resposta relativo a este artigo por deliberação do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.