Há uma crise diplomática no Golfo Pérsico que está a deixar o Qatar isolado pelos países vizinhos. Enquanto isso, Portugal vive um namoro, sobretudo económico, com o país que está no centro da polémica. Há um mês, o primeiro-ministro António Costa esteve no país a tentar captar investimento e, dentro de um mês, será a vez do emir Sheikh Tamim bin Hamad al Thani, líder do Qatar, visitar Portugal, nos dias 4 e 5 de julho.
Os contactos, contudo, vão manter-se bem ativos até lá. Ainda neste mês de Junho, uma pequena e discreta missão do Fundo Soberano do Qatar — o Qatar Investment Authority –, estará em Portugal a avaliar várias opções de investimento, entre reuniões e visitas com várias entidades, para que possam ser anunciadas na visita de Estado. A relação está, por isso, longe de ser complicada.
Até à tarde desta terça-feira, a visita do emir do Qatar continuava na agenda, de acordo com o Governo português — isto apesar de o momento ser delicado para o país do Médio Oriente, a braços com o corte de relações anunciado pela Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Bahrein (que são também os países que fazem fronteira com o Qatar) e o Egipto.
Na origem desta decisão está o alegado apoio financeiro do país a grupos terroristas, incluindo o Estado Islâmico, e declarações de apoio ao Irão por parte do líder do Qatar — que o Governo fez questão de desmentir oficialmente. A posição do Governo português relativamente a este conflito diplomático ficou nos mínimos, com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, a declarar simplesmente que “haver cortes de relação entre países é sempre um elemento perturbador“.
António Costa esteve no país que vai acolher o Mundial de Futebol de 2022 no início de maio, numa visita exploratória em que ficou desde logo acordado que o chefe de Estado do Qatar viria a Portugal em julho. Antes disso, na última semana de junho, chega a missão do fundo soberano, apurou o Observador: a equipa, que não deverá envolver mais do que três elementos, vai dar especial atenção à área do turismo e da promoção imobiliária. Mais tarde, com o emir, virá também uma comitiva de empresas privadas, pelo que as áreas de investimento podem ir além daquelas em que o Estado se tem mostrado interessado nos contactos com Portugal.
O que o Qatar já tem em Portugal
Para já, os investimentos qatari no mercado português estão numa fase incipiente, mas marcam presença em setores estratégicos, como é o caso da energia. O seu principal investimento nesta área é uma participação qualificada de 2,27% na EDP – Energias de Portugal, posição que adquiriu em 2011. Na altura, a Qatar Holdings — que é detida pelo fundo soberano do país, o Qatar Investment Authority — assumiu o controlo de 2,01%, num investimento avaliado então em 159 milhões de euros. Essa participação foi entretanto reforçada e, aos valores da cotação no fecho desta terça-feira, está avaliada em 262,24 milhões de euros.
A entrada no capital da EDP em 2011 coincidiu com um aumento dos contactos empresariais, mas também no campo político. Em Dezembro desse ano, a estratégia de diplomacia económica do então ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, levou-o ao Qatar — um ano depois, foi a vez de gestores do fundo soberano visitarem Portugal com potenciais investimentos na banca e no turismo na agenda.
Resultado disso ou não, o certo é que as opções dos investidores qataris passaram a incluir mais projetos portugueses. Exemplo disso é o investimento na francesa Vinci, empresa de gestão aeroportuária em que o fundo soberano controla 4,01% (uma participação avaliada em 1,8 mil milhões de euros), e que passou a controlar a ANA – Aeroportos de Portugal nos recentes processos de privatização.
Outras áreas na mira dos investimentos do Qatar são o turismo e a promoção imobiliária. A marca W, do grupo Marriott, em parceria com o grupo Nozul Hotels, subsidiária do Jaidah Group, também do Qatar, vai abrir a sua terceira unidade na Europa: um hotel a inaugurar em Albufeira no próximo ano. Estes dois setores, sabe o Observador, têm sido bastante valorizados nos contactos recentes entre os dois países e é provável que sejam fechados novos investimentos e anunciados novos projetos nas próximas visitas.
Portugal é, aliás, um dos mercados no portefólio de investimento do fundo soberano do Qatar, o Qatar Investment Authority. Formalmente criado em 2005 para gerir os recursos financeiros gerados pela atividade de gás e petróleo, o fundo é liderado pelo sheik Abdullah bin Hamad bin Khalifa Al Thani e detém uma carteira de investimentos no mundo inteiro avaliada em perto de 300 mil milhões de euros. Como descreve a Bloomberg num artigo recente, “o Qatar é pequenino e pode ter tantos habitantes como Houston, mas o seu fundo soberano é um dos mais ricos do mundo”.
Os investimentos feitos por este fundo incluem grandes multinacionais, como é o caso da Volkswagen, onde são o terceiro maior acionista, depois da própria família Porsche (que ainda controla o grupo automóvel) e o Estado da Baixa Saxónia. O portefólio reúne ainda participações em empresas energéticas, como a petrolífera Shell ou a elétrica HK Eletric, de Hong Kong, o grupo Dufry, que gere lojas duty free em 63 aeroportos, de Istambul a Bali, bancos como o Santander Brasil, Barclays e Credit Suisse, ou ainda a marca de joalharia Tiffany, entre muitos outros investimentos de relevo.
Foi ainda bastante mediático o negócio em que o fundo soberano investiu 622 milhões de dólares no Empire State Realty Trust, que controla e gere o simbólico arranha-céus de Nova York e outras propriedades na cidade, como um condomínio de luxo em Manhattan. No imobiliário, um dos grandes focos do dinheiro qatari, são ainda os donos do edifício mais alto da Europa, em Londres: o Shard.
O que está em causa na crise diplomática com o Qatar? Cinco perguntas e respostas
Namoro entre Doha e Lisboa
Em Doha, António Costa não esteve mais de 24 horas, mas chegou para ter encontros com as mais altas autoridades do país e correr as capelinhas todas que podem trazer mais-valias em potenciais negócio, como é o caso da câmara de comércio. Consigo foi também o secretário de Estado para a Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, e também Luís Castro Henriques, o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). Os contactos foram sobretudo exploratórios, com Portugal a procurar atrair o interesse de um país que tem no petróleo e no gás natural os pilares da sua economia e Costa veio otimista.
Na altura, o primeiro-ministro português afirmou que “as reuniões, que foram sobretudo políticas, visaram preparar essa visita do emir a Portugal e sinalizar quais são as áreas de cooperação económica e de oportunidades de investimento que existem. Foi muito interessante ver o grande interesse que o Qatar tem neste momento em investir em Portugal”. Citado pela Lusa, Costa deixou ainda claras as expectativas que tem em relação à visita de julho: “Estamos a trabalhar para que a visita do emir em julho possa já ser coroada com a concretização de várias destas perspetivas”.
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Países que cortaram relações com o Qatar:
- Arábia Saudita
- Emirados Árabes Unidos
- Bahrein
- Egipto
- Maldivas
- Iémen
- Líbia
De acordo com informação recolhida pela AICEP, a agência que promove o investimento em Portugal, em 2015, 82,5% das exportações do Qatar envolviam combustíveis e óleos minerais, sendo os seus três principais clientes o Japão (com uma quota de mercado acima dos 20%), a Coreia do Sul e a Índia. Os Emirados Árabes Unidos, agora em conflito diplomático com o país, aparecem como o quinto principal destino. Mas este é o terceiro maior fornecedor do Qatar, o que mostra bem a dimensão das consequências que podem vir do bloqueio aéreo e marítimo imposto pelos Emirados ao país. Em 2015, no top dos produtos mais importados pelo Qatar estavam as máquinas, veículos automóveis e equipamentos elétricos — a dependência externa do país, em termos comerciais, é grande, com o saldo da balança comercial negativo (-4,5% do PIB).
Já com Portugal, a relação comercial é muito diversificada, pelo menos no que toca aos produtos que exporta para este país de apenas 2,3 milhões de habitantes. Porque, quanto a importações, a necessidade do Qatar concentra-se sobretudo nos plásticos e nas borrachas e, em menor quantidade, nos químicos e nas máquinas e aparelhos elétricos. A Portugal compra minerais (sobretudo pedra para construções, ladrilhos, granitos e mármores), madeiras e cortiça (móveis e cortiça aglomerada), mas também máquinas e vestuário.
Do lado português, o investimento das empresas no Qatar tem uma expressão mínima. Empresas na área da construção, engenharia e infraestruturas — caso da MSF Engenharia ou dos grupos Casais e Painhas –, e das marcas de vestuário Zippy e Giovanni Galli, são alguns exemplos dessa presença portuguesa naquele mercado do Médio Oriente.
O esforço de aproximação ao país pode vir a consubstanciar-se, entre outras coisas, na criação de um voo direto Lisboa-Doha, da Qatar Airways, a partir de 2018, com o país do Médio Oriente a poder usar Portugal como um trampolim para aceder mais facilmente a outros países europeus e também ao lado de lá do Atlântico. No país, já houve uma empresa, a Oryx, que confiou a um português a gestão desportiva do clube em que investiu vários milhões de euros (entre os 50 milhões de compra mais a assunção de uma dívida entre os 15 e os 20 milhões): Antero Henrique é diretor desportivo do Paris Saint-Germain.