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Rui Bento não fecha a porta a parcerias entre a Uber e os taxistas – caso a proposta de regulamentação do Governo sobre os veículos descaracterizados avance -, mas, antes, testa em Lisboa aquele que é considerado o serviço mais polémico da tecnológica, o UberPool. De 4 a 13 de novembro, os utilizadores lisboetas vão poder usufruir de um serviço que reduz em 25% o custo das viagens que efetuarem através da plataforma, com uma contrapartida: estarem disponíveis para partilhar o carro com outros utilizadores e fazer eventuais desvios ao percurso inicial.
O objetivo do projeto-piloto de 10 dias é ajudar a cidade a ter uma mobilidade mais fluida na semana em que decorre a Web Summit, a conferência de empreendedorismo e tecnologia que vai trazer 50 mil pessoas a Lisboa, explicou o diretor-geral da Uber, em Portugal, ao Observador. Ao contrário do que se verifica nalguns países que permitem esta opção, o serviço lisboeta vai ser prestado pelas empresas parceiras e motoristas que estão ao volante dos outros serviços da app, o UberX e o UberBlack. A ideia é que, mais tarde, a opção se torne permanente em Lisboa.
Questionado sobre se a iniciativa, lançada em plena guerra com taxistas, pode ser entendida como uma provocação – porque vai permitir transportar ainda mais pessoas, em menos carros -, Rui Bento diz que não. Ao Observador, explica que existem várias opções que permitem que os taxistas sejam incluídos nos serviços da tecnológica e que não fecha a porta a nenhuma. Se o Governo quiser táxis descaracterizados ao serviço da Uber, aceita. Em relação ao limite de carros que possam circular nas estradas, que é a grande exigência dos taxistas, diz que o contingente é uma “ferramenta antiga” que não resolve modelos novos.
“Não temos problemas em trabalhar com taxistas”
Lançam este serviço em plena ressaca da manifestação dos taxistas. Pode ser entendido como uma provocação?
Não, de todo. Já demos este passo em diversas cidades em todo o mundo. É uma direção que achamos que é importante para a mobilidade nas cidades: torná-la mais partilhada, mais económica, contribuir de alguma forma para que os congestionamentos de tráfego com que Lisboa e as grandes cidades do mundo lidam sejam mais reduzidos, é um dos nossos objetivos. Achamos que com esta oferta conseguimos ajudar Lisboa a ter viagens mais fluidas.
Se a UberPool permite que sejam transportadas ainda mais pessoas, em menos carros, na visão dos taxistas, isto pode ser entendido como a Uber estar a tirar-lhes ainda mais mercado.
Eu acho que isto pode ser entendido como uma forma de garantir que mais pessoas conseguem ter acesso a uma oportunidade de mobilidade mais económica. E como uma forma de garantir que as mesmas viagens necessitam de menos carros nas estradas. O objetivo final e último é tornar a mobilidade mais fluida em Lisboa, não é, de todo, fazer mais ou menos concorrência com este ou aquele operador.
Não têm medo que os ânimos fiquem ainda mais exaltados?
Não. O que eu acho que é importante, mesmo no tema dos táxis, é que os táxis também tenham ao seu dispor ferramentas tecnológicas que lhes permitam competir e servir melhor os utilizadores. E, portanto, esta é uma opção de mobilidade que nós estamos a testar, em que o objetivo é o de servir melhor a mobilidade de Lisboa. Mas é salutar e importante que outros operadores também procurem servir melhor a mobilidade das cidades portuguesas.
O ambiente ficou violento na manifestação do mês passado. Quando têm a iniciativa de lançar mais um serviço, em plena guerra aberta com os taxistas, numa altura como a Web Summit, preparam-se para quê?
Preparamo-nos para uma mobilidade que vai ser muito complicada nessa semana e não faltarão pessoas a quererem ser transportadas, seja de Uber, seja de táxi, seja de metro ou autocarro. O que queremos fazer é contribuir para que a mobilidade seja mais fluida. Não temos qualquer outro intuito.
Um dos pontos negociados entre o Governo e os taxistas foi o facto de poder haver um número de táxis que possam ser descaracterizados, para estarem ao serviço de plataformas como a Uber. O que acha desta ideia?
É importante que os vários operadores tenham ao seu dispor ferramentas tecnológicas para servir melhor as pessoas. Isso pode passar por várias soluções: táxis que utilizam plataformas que ligam pessoas a táxis (e que já existem e operam em Portugal), por taxistas que descaracterizam veículos e começam a operar como UberX ou UberBlack, que também já acontece em algumas regulações, ou até por prestarem serviços como o UberTáxi, que liga pessoas a táxis descaracterizados. Há várias opções e não fechamos a porta a nenhuma delas. O que é realmente importante é que os táxis também possam ter acesso a ferramentas tecnológicas.
Não teriam problemas, então, em trabalhar com taxistas em veículos descaracterizados?
Não. A Uber é, sobretudo, uma plataforma que é inclusiva. E que procura proporcionar a melhor experiência de viagem aos utilizadores. Naturalmente que existirão excelentes profissionais no setor do táxi. Porque não? Não teríamos nada contra em trabalhar em parceria com eles.
Mas isto não foi suficiente. Os taxistas querem um limite ao número de carros destas plataformas a circular nas estradas. Acha que esta ideia do contingente pode avançar?
O que me parece é que se está a tentar usar uma ferramenta antiga para resolver e enquadrar um modelo novo. Ou seja, a regulação do táxi tem as suas bases regulatórias assentes há várias décadas. Falo de princípios como o da contingentação, como os limites geográficos das cidades. E que foram criados por bons motivos, mas que não encaixam em novas alternativas de mobilidade, que são baseadas em smartphones. Faz pouco sentido aplicar regras que foram criadas há várias décadas, quando não havia estas tecnologias, a serviços que funcionam de forma diferente.
O ministro disse que seria impossível ceder no contingente, porque seria uma medida inconstitucional. Mas admitindo esta hipótese, o que é que a Uber fará?
Eu prefiro não especular sobre resultados e decisões futuras. A nossa posição é muito clara: vemos a contingentação como um instrumento antigo, que foi aplicado ao setor do táxi por uma razão muito específica. As cidades têm praças de táxis e espaços públicos limitados e é natural que os carros que ocupem esses espaços públicos sejam também limitados, para as dimensionar. O que não se aplica a veículos descaracterizados, que circulam quando estão afetos a um pedido de viagem. Não me parece que essa ferramenta traga algum valor à mobilidade, quando não há nenhum problema que visa resolver.
Uma das questões que também foi levantada foi a disparidade de horas de formação que a regulamentação prevê para taxistas e motoristas de plataformas como a Uber. Qual é a solução ideal para resolver isto?
Não sei o que será ideal. Vejo a formação como um meio e não como um fim – um meio para garantir que a qualidade de serviço é melhor e que as viagens são mais seguras. É por isso que ela existe. As ferramentas tecnológicas têm vários outros instrumentos que permitem que isso aconteça – as avaliações no final da viagem, a rastreabilidade e transparência das viagens, etc. Existem várias formas de garantir viagens mais seguras e com maior qualidade de serviço para utilizadores. Não somos, de todo, contra a formação. Esperamos é que seja uma formação que, de facto, traga valor e que beneficie e chegue ao objetivo último da maior segurança e qualidade.
Mas como é que a formação, para chegar a esse objetivo último, poderia ser feita? Prestada por entidades diferentes, por mais horas, outro tipo de avaliação?
Acho que esta é, na verdade, uma oportunidade muito boa para se pensar numa estrutura de formação que realmente faça sentido e que acrescente valor. Eu percebo que se fale muito de paridade ou disparidade das horas propostas pelo Governo, mas não me parece que aplicar a formação que existe no táxi, sem pensar mais sobre ela diretamente nestas novas plataformas, seja a solução. Acho que é uma oportunidade para se repensar e estruturar uma formação que permita atingir esses objetivos.
“Concorrência entre Uber e táxis não é desleal hoje, nem com a nova regulamentação”
O Presidente da República promulgou a alteração ao decreto-lei que aperta as coimas sobre táxis que circulem sem licença ou alvará. Coimas que também se aplicam a atividades que recorram a plataformas eletrónicas.
O que acontece é que esta lei incide muito especificamente sobre o serviço de transporte em táxi. O que a Uber e os parceiros fazem não é um serviço em táxi. Tal como não havia nenhuma infração da lei do táxi, porque os parceiros da Uber não prestavam nessa qualidade um serviço de táxi antes, também não prestam agora. Só porque as coimas foram alteradas.
A expressão que consta no decreto-lei é: “aplicável igualmente à prática de angariação, com recurso a sistemas de comunicações eletrónicas, de serviços para viaturas sem alvará”. E isto refere-se a viaturas sem alvará, não especifica se são táxis.
Isto está, ainda assim, enquadrado no setor do táxi. E os nossos parceiros não prestam, nessa qualidade, um serviço de táxi. E não são, nem pretendem ser, operadores de táxi. São outro tipo de operadores, como os de Turismo, aluguer de veículo com motorista, que já operavam antes de a Uber chegar ao mercado e que continuam a operar. Que não foram táxis e continuam a não ser táxis.
Para ficar claro, vocês não entendem que estas coimas incidam sobre a operação da Uber em Portugal?
Não entendemos que estas coimas sejam aplicáveis aos parceiros da Uber em Portugal. Nem à Uber.
Esta alteração, aprovada pelos partidos de esquerda, aconteceu no momento em que o Ministério do Ambiente está a tentar regulamentar a Uber, dando aqui sinais de alguma discrepância. Tem receio que isto afete o que já foi proposto até aqui?
Parecem-me questões e temas diferentes. Não consigo identificar um denominador comum entre as duas coisas. Parece-me que o Governo está a dar um passo importante e, aliás, parece-me que o Governo tem um papel muito importante neste passo que está a dar, que é o de enquadrar e regular as novas atividades e modelos de negócio. E parece-me que é isso que está a fazer. E esperamos que seja dado esse passo e seja criado um quadro regulatório moderno e inclusivo de novas tecnologias.
Na regulamentação que foi proposta pelo Governo, que lacunas existem?
Sem falar em pontos concretos do diploma, o que me parece é que quando falamos em serviços de mobilidade ligados a plataformas como a Uber e quando falamos de serviços de táxi, falamos de serviços que têm semelhanças – consigo usar tanto um Uber como um táxi para ir de casa ao restaurante -, mas que também têm diferenças. Eu consigo chamar um táxi na rua e, para chamar um Uber, tenho de utilizar a aplicação. Dito isto, parece-me que é expectável que os dois diplomas – o do transporte em veículos descaracterizados e a lei do táxi – tenham semelhanças e tenham diferenças. É importante que essas diferenças respeitem um princípio de sã concorrência e que protejam o interesse do utilizador.
Com esta regulamentação, a concorrência entre táxis e Uber não é desleal?
A concorrência não é desleal hoje. E com esta regulação continua a não ser desleal. Continua a ser concorrência, continua a ser a criação de um ecossistema de mobilidade com várias opções para quem transporta e para quem é transportado e que, espero, que seja benéfico para o futuro da mobilidade em Portugal.
Estava à espera que houvesse uma proposta de regulamentação tão rápida da parte do Governo?
Sinceramente, é difícil ter uma noção do tempo. Da nossa experiência, de mais de 400 cidades no mundo, lidamos com vários quadros regulatórios diferentes em que os vários Governos lidam com inovações como a Uber a ritmos diferentes. Não tínhamos uma expectativa muito fixa sobre os próximos passos para a mobilidade nas cidades portuguesas, mas desde o primeiro dia em que estamos em Portugal que temos procurado ter um diálogo muito aberto, informativo, mas também consistente com o legislador e regulador, precisamente para que houvesse esse passo.
Na altura da primeira entrevista, ainda não tinha saído a decisão do Tribunal da Relação, que veio dar razão à Uber. Esta decisão foi importante para a proposta de regulamentação?
Não sei, estamos a falar de dois poderes diferentes, de uma tema legislativo e de um tema jurídico. Não consigo identificar uma relação entre ambos.
Mais de 2.500 motoristas ao volante da Uber em Portugal
Em relação ao mercado português, quantos carros estão a operar? Quantas viagens são feitas?
Posso dizer que é uma operação que tem crescido ao longo do tempo, porque encontra muita adesão de pessoas que querem viajar nas cidades portuguesas: Lisboa, Porto e região do Algarve. Nos últimos 30 dias, contamos com uma comunidade de centenas de parceiros, que têm ao seu serviço mais de 2.500 motoristas a transportar pessoas nestas três regiões. Isto mostra que a Uber veio dar reposta e trazer um serviço que era necessário, porque está a encontrar procura.
Quantos utilizadores novos registou a Uber só no dia da manifestação (visto que foi aplicação líder na App Store)?
Não sei dizer o número exato, mas sim, tivemos um pico de novos utilizadores nesse dia em particular e em toda a semana.
O serviço dos vossos motoristas é avaliado pelos utilizadores. Quais têm sido as principais queixas das pessoas?
Eu diria que, enfim, depende muitos dos utilizadores – há aqueles que se queixam porque não tinham a rádio preferida ligada ao motorista que se pode ter enganado em determinado percurso. E que aí compete à Uber fazer um ajuste de viagem, para que o utilizador não saia prejudicado. Mas mais do que queixas, o feedback tem sido muito positivo e a avaliação tem sido alta, tendo em conta o panorama internacional.
Com tantos projetos-piloto, acha que os carros autónomos podem ser uma realidade em breve?
É difícil prever, nós temos um piloto nos EUA, mas é um projeto-piloto de uma tecnologia que ainda tem muitos passos para dar até ser uma tecnologia madura. Mesmo este carro sem condutor tem um condutor, porque há momentos na viagem em que é preciso a intervenção humana. É difícil prever o ritmo com que esta inovação vai acontecer.
Acha possível um teste piloto destes em Lisboa?
Nesta etapa, é muito especulativo falar sobre isso. Gostava de dizer que sim, mas é muito especulativo.
O Secretário de Estado José Mendes, segundo noticiou o Público, teve de ver a sua segurança reforçada por causa de ameaças de taxistas. A sua vida mudou de alguma forma desde que tudo isto começou?
Não, de todo. Aliás, quando me foram buscar eu estava no Princípe Real à espera de um Uber, como faço em qualquer outro ponto de cidade. Não mudou absolutamente nada. Nem vivo de forma diferente em Lisboa.
Mas já foi ameaçado?
Não.
“UberPool vai ter os mesmos padrões de segurança e qualidade”
Em relação ao UberPool, porquê um produto novo agora?
É uma alternativa que disponibilizamos que permite juntar pessoas no mesmo trajeto. O que nós vemos nas principais cidades em que operamos, incluindo Lisboa, é que sempre que uma pessoa viaja de A para B, há normalmente outras pessoas a viajarem na mesma direção, ao mesmo tempo. O que cria um potencial muito interessante para juntar essas pessoas no mesmo carro e termos, por um lado, menos carros a transportar mais pessoas, e viagens mais baratas para os utilizadores.
Para que as viagens sejam mais baratas, quais são as contrapartidas?
É a disponibilidade para partilhar a viagem com alguém que vá no mesmo sentido que o teu. Quando fazes uma viagem de UberX, sabes que vais do ponto A ao ponto B, quando fazes uma viagem de UberPool, poderás ter de parar no meio para ir buscar outro passageiro, como aconteceu agora. E fazer desvios ao longo do percurso.
Noutras cidades, este serviço é prestado por cidadãos comuns nos seus carros pessoais. Em Lisboa, é isso que vai acontecer?
Não, não. Os parceiros são os mesmos de hoje, só que, em vez de fazerem só serviços Uber Black, Green e UberX, também fazem UberPool. Mas são os mesmos parceiros e os mesmos motoristas e os mesmos carros.
Porquê uma iniciativa de apenas 10 dias?
Porque a UberPool é uma alternativa de viagem que funciona muito bem nas grandes cidades onde estamos. Precisamente porque é nessas cidades em que ao mesmo tempo há muitas viagens sobreponíveis, ou seja, é muito fácil partilhar percursos porque há muita gente a viajar na mesma altura e no mesmo sentido. Em Lisboa, vamos fazer um teste numa altura em que achamos que a mobilidade vai ser desafiante e vamos procurar torná-la um bocadinho mais fácil, mais partilhada e mais económica.
Essa altura é a Web Summit?
Coincide com a Web Summit sim, porque é uma altura em que vem muita gente para a cidade de Lisboa, a cidade vai estar muito cheia, vai haver muitas deslocações, é uma altura que não é de férias, pelo que vai haver muitos portugueses a fazerem deslocações normais. Antecipamos que a mobilidade esteja mais congestionada.
É um teste piloto, mas as previsões são para que se torne uma opção real e permanente em Lisboa?
Sim, as previsões são essas. O que nós vamos procurar extrair deste teste é precisamente isso: vamos procurar perceber como é que o serviço funciona em Portugal, qual é a adesão dos utilizadores e, com base nessas conclusões, determinar os próximos passos.
E não tem receio que, quando as pessoas ouvirem “UberPool”, associem o serviço às notícias da violação da jovem na Índia ou de outros incidentes nos EUA?
Não. O feedback dos portugueses tem sido muito positivo ao UberX e a minha expectativa é que tenham uma experiência ainda mais positiva com o UberPool, porque vão ter a possibilidade de partilhar viagens com quem está a circular na mesma direção, mesmo que não conheçam essa pessoa.
Então, os utilizadores podem ficar descansados em relação aos motoristas e veículos que vão ser utilizados?
Sim, os mesmos padrões de segurança e qualidade de serviço mantêm-se para o UberPool. E os parceiros e motoristas que trabalham hoje ligados à Uber, e fazem viagens UberX e UberBlack, serão os que farão viagens UberPool.