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À procura de uma vaga de fundo. É esse o caminho que Ségolène Royal, ex-ministra, antiga primeira-dama e candidata a presidência francesa em 2007, está a fazer — e que teve Portugal como mais recente pit stop nesta recolha de apoios para voltar a tentar chegar ao Eliseu. A própria assumiu há apenas dois dias na televisão francesa que está a ponderar uma candidatura para 2022, contra Emmanuel Macron, Marine Le Pen e sabe-se lá que outros putativos candidatos, como Éric Zemmour.
Numa curta entrevista ao Observador, questionada sobre esse ponto, Royal não recua. “Estou a refletir com a minha equipa. Relançámos o Desirs d’Avenir e queremos transformá-lo num partido político e fazer alianças”, diz, referindo-se ao think tank que criou e que está agora a tentar transformar abertamente em catch-all party, um partido que se assume como sendo nem de esquerda nem de direita e que se vira essencialmente para o eleitorado mais jovem. “Vamos ver o que acontece, mas sim”.
Convidada para participar na conferência The Future of Politics, organizada pela Advanced Leadership Foundation, Royal vinha “apenas” para fazer um discurso sob o mote “Como irão as alterações climáticas transformar a política contemporânea?”. Mas o arranque da sua participação não deixou margens para dúvidas de que a francesa procurava algo mais.
Antes de Ségolène subir ao palco, foi exibido um vídeo com uma música inspiradora, onde se sucediam imagens da antiga ministra com vários líderes mundiais, a participar em múltiplas iniciativas como a Cimeira do Clima, de que foi presidente (COP21), e até a ser elogiada por Leonardo DiCaprio. A mensagem era clara: olhem para Ségolène Royal, porque esta é uma marca que tem força.
Ségolène Royal está na corrida e já não tem vergonha em assumi-lo. A ex-ministra socialista está habituada às derrotas: em 2007, perdeu a corrida presidencial para Nicolas Sarkozy; em 2011, foi derrotada nas primárias socialistas pelo ex-marido, François Hollande; em 2020, foi despedida do cargo de embaixadora para o Ártico por Macron; e, no passado domingo, perdeu a eleição para o Senado pelo círculo eleitoral no estrangeiro.
Desta vez, culpa o Partido Socialista Francês (PSF) pela sua derrota nas senatoriais, acusando-o de “sectarismo” por não ter sido a escolhida como candidata do partido à eleição do Senado: “Acho que a minha liberdade os incomoda, mas a liberdade de expressão numa organização política é necessária”, disse na passada terça-feira.
E segue em frente com o desejo de ser candidata à presidência de França. Com ou sem o apoio do PSF (que decidiu lançar a presidente da Câmara de Paris Anne Hidalgo) e independentemente do que dizem as sondagens (tem o mesmo nível de apoio que o impopular Hollande), Royal está pronta para tentar uma vez mais.
O ambiente como trunfo e a guerra aberta a Macron
A passagem por Portugal serviu, como todas as que faz agora, para tentar ganhar gás na corrida ao Eliseu. O gancho era o ambiente e Royal, que para além de presidente da COP21 foi ministra com esta pasta nos governos de Manuel Valls e Bernard Cazeneuve, sabe como capitalizar ao máximo o tema. Trouxe imagens de satélite para animar a apresentação, citou Greta Thunberg (“A conversa sobre o ambiente é só blá, blá, blá”), dirigiu-se claramente “à nova geração”. “O espírito de solidariedade e fraternidade da vossa parte é essencial”, disse ainda antes da conversa com o Observador, dirigindo-se aos estudantes da Nova SBE que estavam presentes na plateia.
Esta é a praia de Ségolène, que o deixa claro no site do seu think-tank tornado partido: o logotipo do Désirs d’Avenir (que agora se chama Désirs de France) é nada mais nada menos do que uma Marianne, símbolo da Reública Francesa, sobre um planeta verde. O ambiente é um tema fulcral para Royal, que tenta passar a perna aos ecologistas franceses e navegar a onda Verde da Europa.
E puxa dos galões que tem nesta área. “Vou dar-lhe um exemplo que ilustra bem a dimensão geoestratégia das alterações climáticas: o Ártico”, afirma ao Observador, referindo-se a um tema que domina, ou não tivesse sido embaixadora francesa para a região. “Os EUA, a Rússia e a China estão numa competição na Rota do Norte para controlar o Ártico. E isso está ligado ao clima. Porquê? Porque com o derreter do gelo tornou-se possível atravessar o Ártico e encontrar novos recursos, como o petróleo, e a criação de uma nova rota marítima”.
A sua experiência como embaixadora para o Ártico (2017-2020) ficou, contudo, marcada mais pelas tensões da política interna francesa do que pelo contributo para o tema — um sinal de que Ségolène não se consegue afastar muito do Eliseu. Ao longo do seu mandato, atacou repetidas vezes o Presidente Emmanuel Macron, acusando-o de estar demasiado ligado “ao mundo globalizado dos negócios” e criticando-o por uma reforma das pensões “brutal”. Macron não gostou. “Ségolène Royal tem de escolher: ou quer continuar como embaixadora e aí tem um dever de discrição, ou quer manter a sua liberdade de expressão”, declarou a ministra do Ambiente, Élisabeth Borne. Pouco depois, Royal era afastada do cargo e aberto um inquérito por suspeitas de má gestão de fundos públicos — uma acusação que a própria diz ser uma “tentativa de por em causa a sua honra”.
Estava aberta a guerra entre Royal e Macron. A antiga primeira-dama não se tem cansado de atacar o Presidente, como nas medidas de combate à pandemia de Covid-19. E foca-se repetidamente na ideia de que ela própria seria uma melhor alternativa, vivendo em permanente campanha eleitoral: “Comigo, a crise dos Coletes Amarelos tinha acabado em 24 horas”, chegou a dizer.
Um piscar de olho aos jovens e outro à “França esquecida”
A partir de Lisboa, Ségolène Royal explica ao Observador por que razão crê que uma política tão ambientalista como ela seria uma opção muito melhor para resolver uma crise como a dos Gilets Jaunes — que, recorde-se, começaram inicialmente por protestar contra o aumento do imposto sobre os combustíveis. “Não podemos aumentar os impostos por causa da ecologia, se não criamos um problema social”, afirma, dando como exemplo a taxa sobre o carbono da Comissão Europeia, que continua a subir.
“Sempre disse que, se fosse eu, retirava o imposto sobre o combustível [que Macron impôs]. Porque ele pune o baixo salário, a pequena reforma. O que se passa hoje em dia é muito perigoso. Ainda no outro dia estive na TV em França e falei numa bomba social ao retardador. Conheço bem este tema, fui ministra da Energia e sei que para as pessoas o que importa é quando recebem a fatura”, acrescenta, dizendo que tem especial preocupação com os desempregados e os que têm baixos rendimentos. “É absolutamente fulcral aplicar uma taxa social da eletricidade e diminuir os impostos”, diz, dando o exemplo de que os impostos deveriam ser menores para quem opta por carros elétricos.
É o programa eleitoral de Ségolène Royal, que começa a desenhar-se: política ecologista, combinada com defesa do Estado social, que tenta apelar por um lado aos mais jovens e, por outro, aos eleitores da “França esquecida” que engrossaram as fileiras dos Gillets e insuflaram o voto da extrema-direita nas últimas presidenciais. “Temos poucas vozes como ela na esquerda. Ela pode oferecer uma terceira proposta política, a qual não é exclusiva dos ecologistas”, resumiu Luc Carvounas, presidente da Câmara de Alfortville e um dos membros da entourage de Ségolène, que tem tentado promover a sua candidatura presidencial. As declarações foram feitas num artigo publicado no Le Monde em janeiro de 2020, onde já eram muito claras as linhas traçadas por Ségolène e o seu desejo de voltar a tentar o Eliseu: “Este é o tempo das mulheres. Neste governo todos me atacam, isso deve ser bom sinal, não?”, dizia.
Quase dois anos depois, tudo está praticamente na mesma para Ségolène. Na curta conversa com o Observador, a antiga ministra não deixou de sublinhar também o facto de que poderia vir ser a primeira mulher Presidente na História de França: “Há espaço para uma terceira via, sem dúvida. E para uma mulher”. E não pode essa mulher ser outra, como Marine Le Pen, que em 2017 disputou a segunda volta das presidenciais contra Macron? Ségolène Royal solta uma risada: “Não. Este não será o tempo de Marine Le Pen”, responde, antes de se levantar e pôr fim à curta entrevista de cinco minutos. A pressa é muita: há que preparar a próxima paragem da tour Eliseu 2022.