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Longe dos escândalos que marcaram a família real há mais de 10 anos, Carl Gustaf da Suécia completou na sexta-feira 75 anos. Talvez para assinalar o marco, o monarca há mais tempo no trono na história do país escandinavo, quase a cumprir 50 anos de reinado, deu uma entrevista recente, em formato podcast, onde conta como é duro lidar com a pressão de cargos públicos e como sente falta do anonimato e preza o contacto com a natureza. “Dá muito trabalho, consome. Mas não sou o único. Todos os dirigentes e políticos devem sentir o mesmo”, reflete, para depois deixar claro que adora o que faz, um trabalho que o obriga a aprender coisas novas de uma forma constante e para o qual estava destinado desde nascença — um trabalho do qual não abdicou nem mesmo depois de estrelar um escândalo sexual que impactou a realeza sueca.
Na conversa com o jornalista Kristoffer Triumf para o meio Värvet, o monarca não passou ao lado da pandemia e disse que 2020 foi “o ano mais tranquilo da história” em termos de afazeres, um período durante o qual teve tempo para pensar no que já fez e no que falta fazer. Mas esse não foi o único tema atual que trouxe para cima da mesa, ao lembrar o príncipe Filipe, que morreu a 9 de abril aos 99 anos, com quem tentou ter um último encontro — a crise sanitária roubou-lhe a oportunidade de trocar umas últimas palavras com o tão estimado duque. O rei da Suécia admite até que gostava de ter estado no funeral: assistiu, como muitos outros, à distância, e considerou-o um evento bonito. “Tínhamos estado em contacto todo o ano e queríamos ver-nos. Sentíamos que a idade estava a pesar sobre nós e temíamos que isso acontecesse.”
A relação com Filipe era próxima até porque a segunda mulher do rei da Suécia, avô do atual monarca, era tia do duque de Edimburgo. A primeira vez que Carl Gustaf viu o primo foi na década de 60 do século XX, quando foi ao Reino Unido para se encontrar com a família real britânica. Desde aí, esteve com Filipe diversas vezes, mas foram as primeiras impressões que mais o marcaram. Em entrevista, recorda o primo como uma pessoa amigável e brincalhona, e lembra a paixão de ambos pela vela, recordando a vez que foi velejar com o duque e os seus filhos, Carlos e Ana.
Mas nem só reflexões se faz a rara entrevista que durou cerca de 1h30, com Carl Gustav a trazer à tona da água um episódio insólito passado na ilha desabitada de Gotska Sandön, no Mar Báltico, onde certo dia se deitou na praia para descansar. “Foi maravilhoso ter a oportunidade de me deitar numa praia tão incrível. Mas depois apareceram uns turistas e perguntaram se podiam tirar uma fotografia minha. Senti-me como uma foca”. A essa constatação juntam-se outras: o monarca tem medo de alturas, um gosto particular por batatas fritas com sabor a trufas e uma devoção por carros de luxo, o que já o levou a colecionar modelos exclusivos como um Mustang Shelby ou um Porsche 911 Targa.
A morte prematura do pai e a coroação aos 27 anos
A casa real sueca tem estado na ordem do dia. Em dezembro, foi o próprio rei quem admitiu perante a nação que o modelo sueco de combate à pandemia de Covid-19 tinha “falhado” e, já em fevereiro, era notícia que a família do monarca ia ser representada no pequeno ecrã, com a aposta numa série ao estilo “The Crown”. Apesar de ainda não haver título, a série será composta por seis episódios, com a estação emissora, TV4, a ter na mira várias temporadas. Olhando mais fundo para a história da realeza, material de trabalho não haverá de faltar, a começar pelo facto de Carl Gustaf ter-se tornado, aos 27 anos, num dos monarcas mais jovens da história. Ainda não tinha um ano de vida e já era o sucessor do rei, seu avô, depois de o pai morrer num acidente de aviação na Dinamarca. O monarca é o mais novo de cinco crianças, embora o único filho.
Foi em setembro de 1973 que, após a morte do avô, ascendeu ao trono. Três anos depois casava com Silvia Sommerlath, que chegou a trabalhar como comissária de bordo e que Carl Gustaf conheceu durante os Jogos Olímpicos de Munique de 1972, edição que ficaria marcada pelo ataque terrorista do grupo Setembro Negro. Na noite anterior ao casamento, em 1976, o grupo ABBA atuou em homenagem ao casal e, já no dia seguinte, Silvia tornou-se na primeira rainha sueca a ter tido previamente uma carreira profissional.
Segundo o Eonline, a popularidade do rei demorou algum tempo a assentar, mesmo após o grande casamento. Terá sido quando vários suecos perderam a vida em dezembro de 2004, na sequência do tsunami na Tailândia, que ele ascendeu a uma figura unificadora, numa altura em que falou mais abertamente sobre a morte do próprio pai num discurso que ganhou a atenção do povo.
Silvia, a rainha consorte, nasceu na cidade alemã de Heidelberg, na Alemanha, filha de Walther Sommerlath, homem de negócios e presidente de uma empresa brasileira controlada pela metalúrgica sueca Uddeholm. Já a mãe, Alice Soares de Toledo (Alice Sommerlath, após o casamento, em 1925), era brasileira, pertencente a uma família aristocrata de São Paulo. Silvia era plebeia, um exemplo que Victoria, a atual princesa herdeira, terá querido seguir — não só casou no mesmo dia que os pais, a 19 de junho, como escolheu para noivo o ex-personal trainer que a terá salvado da anorexia — em novembro de 1997, o palácio confirmou que a princesa sofria de anorexia, com Victoria a interromper os estudos universitários e a procurar ajuda nos EUA.
Victoria conheceu Daniel Westling, quatro anos mais velho do que ela, em 2001. Na altura ele era professor de ginástica particular e proprietário de uma academia em Estocolmo — foi a irmã da princesa quem a aconselhou a fazer desporto para melhorar a saúde. O namoro e consequente casamento teve de enfrentar preocupações alheias, sobretudo do pai e soberano — curiosamente, Daniel nasceu no mesmo dia em que Carl Gustaf foi coroado rei, a 15 de setembro de 1973. A resistência de Carl Gustaf em relação a Daniel foi admitida pela própria princesa herdeira em 2009, quando Victoria esclareceu numa biografia que os pais estavam preocupados com a relação porque queriam garantir que Daniel estava ciente das responsabilidades que eram esperadas dele: “Eles queriam garantir que eu teria o melhor apoio possível para o meu trabalho agora e no futuro”.
As infidelidades e as orgias que mancharam o rei “digno”
Em 2002, o jornal sueco Arbetaren afirmou que o pai da rainha consorte se teria juntado ao NSDAP/AO, braço internacional do partido nazi, enquanto residia na América da Sul nos anos 30 do século passado, como já antes contou o Observador. Em 2010, 20 anos após a morte de Walther Sommerlath, os rumores em torno das ligações do pai de Silvia a Hitler reacenderam-se, desta vez com um documentário exibido pela estação televisiva sueca TV4.
O ano de 2010 foi, de facto, difícil para a família real sueca — uma espécie de “annus horribilis”, diria a monarca Isabel II —, sobretudo após a publicação de uma biografia não autorizada (“O monarca reticente”, em tradução livre) que deu palco a episódios fora do casamento protagonizados pelo monarca, os quais incluíam não só infidelidades no sentido mais tradicional, mas também idas a clubes de striptease e ainda orgias em massa. O livro alega ainda que o monarca teve uma relação de um ano com a cantora e ex-modelo sueca Camilla Henemark — os autores defendem que o rei “se apaixonou como um adolescente” e que a rainha sabia do affair, embora não pudesse fazer nada. Em boa verdade, os media suecos abordavam a possibilidade de um divórcio desde os anos 90, lembra a Vanitatis.
O escândalo fez com que vários elementos da media internacional acampassem às portas do Palácio de Drottningholm, perto de Estocolmo, e que o povo sueco ficasse escandalizado com um rei que até, então, era “discreto” e “digno”, escreve o The Telegraph. As revelações feitas no livro apontavam para a preferência por casas noturnas de má fama, geridas por mafiosos, mas não só: nas suas páginas estavam relatos de orgias selvagens movidas a álcool e festas em jacuzzi na companhia de modelos nuas. “Clubes de striptease, clubes ilegais, senhoras alugadas que ficam nuas sob os seus casacos de pele. As mulheres eram simplesmente sobremesas, usadas como doces para serem servidos com o café”, chegou a escrever a jornalista Katrine Kielos no diário sueco Aftonbladet. Entre as alegações estava também o uso da polícia estatal para esconder provas.
Os autores do livro — Thomas Sjöberg, Tove Meyer e Deanne Rauscher — passaram dois anos a vasculhar a vida do rei, a tentar descobrir a verdade por trás dos zunzuns que corriam no palácio. “Ele tinha apenas 27 anos quando assumiu o cargo, no meio dos anos de solteiro, com raparigas, bebidas e ‘os rapazes'”, chegaram a dizer ao jornal britânico já citado. Sobre as polémicas, o rei fez a seguinte declaração pública: “Falei com a minha família e com a rainha e optámos por virar a página e seguir em frente porque, pelo que entendi, são coisas que aconteceram há muito tempo”.
Os 75 anos de um rei que não se quer reformar
No ano anterior ao escândalo que minou a imagem do rei com a publicação do livro acima referido, cerca de 50% dos suecos diziam ter muita confiança na família real, um número que em apenas 12 meses caiu a pique para 15%, segundo o meio espanhol Vanitatis. Coube à princesa Victoria dar um passo em frente e tentar restituir a boa fama da casa real, a qual é uma vez mais ameaçada com a criação da série que se debruçará sobre a vida do monarca e sua família.
Mas apesar do embate sofrido em 2010, com uma sucessão de escândalos a assombrarem a casal real sueca, o rei parece ter recuperado a sua popularidade e não mostra quaisquer sinais de abdicação em favor da filha mais velha — em 1980 a lei de sucessão ao trono mudou, permitindo que a coroa passasse para o filho mais velho independentemente do género. “Já passei a idade da reforma há muito tempo, mas não me reformei“, diz na entrevista de cariz pessoal no podcast Värvet. O rei, que tem fama de ser arrogante e mulherengo, aproxima-se a passo galopante dos 50 anos de reinado e, talvez por isso, procure passar uma mensagem diferente, mais pessoal.
A chegada aos 75 anos foi assinalada por uma pequena receção na qual participaram alguns membros do governo. Segundo o espanhol OkDiario, que cita fontes oficiais, contou ainda com salvas de canhões em sua homenagem e um pequeno cortejo no palácio real — desde o início que estava cancelada a gala com membros de outras casas reais, embora o rei tenha optado por uma pequena festa privada apenas com a família.