A Convenção do Bloco de Esquerda teve, pela primeira vez, razões de queixa de algo vermelho (o jogo do Benfica), que reduziu o espaço mediático bloquista e foi o responsável pela criação do prémio ‘Deus castiga’. Ainda com referências religiosas, o prémio ‘Santa Paciência’ foi para José Gusmão, que teve de controlar, a partir da Mesa da Convenção, as conversas paralelas que iam prejudicando o discurso dos oradores. Já Catarina Martins teve direito ao prémio Cavaco pela forma como elogiou a sucessora e o desconhecido-marketeiro que escolheu o slogan viu ser-lhe atribuído o prémio Passos. O rigor dos horários, a poupança de Pedro Nuno Santos e a boa vida ao jeito de Slow J também tiveram direito a prémio. Eis os prémios da XIII Convenção do BE, os Blocos de Ouro.
Prémio ‘Deus castiga’
A esmagadora maioria dos militantes do Bloco são ateus ou agnósticos, embora também haja nas fileiras bloquistas crentes (é o caso de José Manuel Pureza). A premissa punitivo-religiosa de que ‘Deus Castiga’ podia ser uma explicação exótica para a má-sorte bloquista. Isto porque é habitual o Bloco de Esquerda ter de partilhar o palco mediático com outros grandes eventos. Em 2014, a convenção coincidiu com a detenção de José Sócrates; em 2016, a convenção coincidiu com o Portugal-Croácia a contar para as meias-finais do Euro 2016; em 2018, o antigo presidente do Sporting Bruno de Carvalho foi detido no segundo dia de convenção e um avião ainda sobrevoaria os céus de Lisboa desgovernado; agora, em 2022, a convenção coincidiu com a vitória do campeonato por parte do Benfica. Tudo isto limitou o espaço mediático que o Bloco de Esquerda teve em jornais, rádios e televisões. Ou foi intervenção divina ou é, mesmo, preciso ter azar.
Prémio ‘Santa Paciência’
Não é fácil segurar centenas de “aderentes” durante um dia inteiro dentro de um pavilhão. Mais difícil é quando a sucessão de Catarina Martins estava mais do que assegurada, quando a oposição interna está reduzida a mínimos, quando não há qualquer eleição legislativa no horizonte e, mais relevante ainda, quando todas as atenções estavam voltadas para a vitória do Benfica. Durante largas horas, enquanto os oradores iam desfilando ao longo do palco, eram perfeitamente visíveis as clareiras nas mesas reservadas aos congressistas e pequenos e grandes grupos a conversar animadamente. O burburinho era tão evidente que José Gusmão, presidente da mesa da Convenção, foi obrigado a pedir várias vezes que as conversas paralelas terminassem porque estavam a prejudicar os oradores. Pontos para o esforço de Gusmão, que teve a paciência que os aderentes não tiveram: a de ouvir e respeitar a reunião magna do Bloco.
Prémio ‘Passos’
Não se sabe quem é o Luís Paixão Martins do Bloco (supõe-se que é um coletivo de marqueteiros), mas a escolha para slogan pode, no mínimo, levantar suspeitas nas hostes bloquistas. A letras bem garrafais no cenário do palco foi exibido o slogan da XIII Convenção: “Levar o País a Sério”. A frase não só não é nova, como foi mesmo o último slogan utilizado por um dos belzebus na crença bloquista: em 2017, Pedro Passos Coelho teve como slogan do PSD “Levar Portugal a Sério”. Qualquer semelhança é uma curiosa coincidência.
Prémio ‘Cavaco’
Decorria a XIII Convenção do Bloco de Esquerda e alguns influentes sociais-democratas iam enviando mensagens para os jornalistas divertidíssimos que estavam com o facto de os bloquistas terem decidido repetir o slogan de Pedro Passos Coelho. Mas não foi só isso que repetiram. Como iam lembrando esses mesmos sociais-democratas, Catarina Martins deu uma entrevista na véspera da reunião magna onde dizia o seguinte: “Mariana Mortágua está muito mais preparada do que eu estava”. Ora, a propósito de Luís Montenegro, Aníbal Cavaco Silva dissera o exatamente o mesmo, palavra por palavra, dias antes, na conferência autárquica do PSD. Outra curiosa coincidência, certamente. Além de terem elegido o mesmo adversário comum – António Costa –, parece que há muito mais a unir Bloco e PSD.
Prémio Poupa+
As grandes distribuidoras são sempre diabolizadas pelo Bloco e esta Convenção não foi diferente. Mas os tempos estão difíceis para todos e os métodos de incentivo à poupança das grandes superfícies, via acumulação de pontos, acaba por servir todos os propósitos, até os políticos. O Bloco saiu do Casal Vistoso em guerra com o PS de Costa, mas a acumular pontos para o PS que vier a seguir. Se esse futuro for com Pedro Nuno Santos, o caminho fica limpo. Mesmo que o homem da esquerda socialista que se posiciona para o pós-costismo esteja no epicentro da crise política, espoletada pela TAP, e que esse mesmo tema tivesse sido recorrente nas intervenções bloquistas, Pedro Nuno passou incólume. Dias antes da Convenção, até teve um dos pais fundadores do partido, Francisco Louçã, a protegê-lo de Costa. Poupar agora, para gastar mais tarde.
Prémio ‘Slow J’
O partido que já foi dos grandes intelectuais de esquerda, tem agora como grande ideólogo João Batista Coelho, nome de batismo do rapper ‘Slow J’, autor da música “Vida Boa”. Versa assim: “Não quero uma boa vida, eu quero uma vida boa / Nada do que que a minha sina diz foi escrito à toa / Não quero uma boa vida, eu quero uma vida boa / Uma vida boa, uma vida boa”. Ora, a luta pela “vida boa” é precisamente o mote da ação política de Mariana Mortágua e foi repetido como uma espécie de mantra ao longo dos três dias de convenção bloquista. Ainda assim, a ideia não convenceu toda a gente. “Queremos uma vida boa? O Papa Francisco não diria de outra forma. Mas isto não é uma igreja; é um partido político”, lamentou o crítico interno Carlos Matias. Mas se serviu para criar um single de sucesso pode ser que sirva também para ganhar uns pózinhos nas eleições.
Prémio suíço
É tão raro que tem direito a prémio e é tão certo que parece um relógio suíço. As reuniões magnas têm quase por regra a existência de atrasos (umas mais, outras menos), mas verdade é que a XIII Convenção do Bloco de Esquerda cumpriu quase escrupulosamente os horários. E até os poucos atrasos foram previamente avisados (e cumpridos). O fim do campeonato nacional de futebol e os festejos que se vieram a confirmar ser em Lisboa deram um empurrão e o rigoroso trabalho da mesa com os tempos também contribuiu e muito: nem o fundador, Francisco Louçã, teve direito a uma abébia.