O fim do Silicon Valley Bank (SVB) acelerou-se em dias, mas a história que lhe deu origem já se ia desenhando há mais tempo, desde que a Reserva Federal (Fed), à semelhança de outros bancos centrais, enveredou pela política de aumento das taxas de juro. O SVB, um banco particularmente importante para as tecnológicas e startups da Califórnia, não resistiu e colapsou na passada sexta-feira, depois de uma autêntica corrida aos depósitos. Tesouro recusa que esteja a ser ponderado um resgate à instituição.
Foi o maior colapso de uma instituição financeira na história dos EUA desde a crise financeira de 2008, escrevem o Politico e a Reuters. Fundado em 1983, o SVB contava até ao início do seu fim com uma carteira de clientes invejável na indústria tecnológica de Silicon Valley, guardando dinheiro de metade das startups norte-americanas com investidores de capitais de risco.
Entre 2018 e 2021, os depósitos mais do que triplicaram e, no final do ano passado, tinha 209 mil milhões de dólares em ativos e cerca de 175 mil milhões de dólares em depósitos. Mas várias forças ditaram o seu fim. Desde logo, a política de subida das taxas de juro para conter a inflação, que causou danos que viriam a revelar-se irreparáveis.
Quando as taxas começaram a subir no ano passado, os custos dos empréstimos subiram, abalando muitas empresas tecnológicas que tinham depósitos no SVB. Como explica o Politico, os investidores de capital de risco tornaram-se mais cautelosos nos seus financiamentos e as empresas começaram a recorrer aos depósitos para se manterem à tona. Como resultado, os depósitos no SVB estavam a cair de forma constante nos últimos meses.
O aumento das taxas de juro também levou a que as obrigações que o banco comprou com o dinheiro dos depositantes — quando as taxas de juro eram baixas, quase nulas — fossem desvalorizando, pelo que vendê-las traria perdas para o banco. O resultado foi um ciclo vicioso: quando muitos clientes querem retirar os depósitos do banco, este pode ter de vender títulos para pagar; só que estes títulos estavam a ser vendidos abaixo do preço de compra.
Como o fim se precipitou em 48 horas
Na quarta-feira, segundo explica a Reuters, o SVB anunciou um aumento de capital com a emissão de 1,75 mil milhões de dólares de ações para reforçar o balanço, informando que precisava de fundos próprios para cobrir um buraco de 1,8 mil milhões de dólares gerado pela venda com menos-valias de 21 mil milhões de dólares de títulos de dívida.
O resultado foi o pânico gerado entre as principais capitais de risco que terão, segundo a CNN, aconselhado as suas empresas a retirar dinheiro do banco, o que provocou uma corrida aos depósitos. A negociação das ações do SVB em bolsa viria mesmo a ser suspensa na sexta-feira de manhã. Os reguladores da Califórnia, o Departamento de Proteção Financeira e Inovação da Califórnia, intervieram e fecharam o banco, nomeando a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) gestora liquidatária da instituição.
Este sábado, a Reuters escreve que o fim do SVB também foi acelerado pela revisão em baixa da notação de crédito pela Moody’s. Segundo a agência de notícias, em meados da semana passada, a Moody’s Investors Service Inc informou o SVB Financial Group, a empresa-mãe do Silicon Vally Bank, de que se preparava para baixar a notação de crédito. E isso “iniciou o processo em direção ao colapso espetacular de sexta-feira”.
A Reuters conta mesmo que, preocupado com a possibilidade de a redução da notação pôr em causa a confiança dos investidores e clientes no SVB, o CEO do banco, Greg Becker, pediu conselhos aos especialistas do Goldman Sachs e voou para Nova Iorque para reuniões com a Moody’s e outras agências de rating. O SVB trabalhou num plano para reforçar o balanço que passava pela colocação de 2,25 milhões de dólares em novas ações, sendo que desses 500 milhões seriam comprados pela capital de risco General Atlantic.
O plano traçado não teve, porém, sucesso, uma vez que não conseguiu acalmar investidores e clientes nem evitar uma corrida aos depósitos. Quarta-feira, a Moody’s baixou a notação em um nível e o valor das ações afundou 60%.
Os jornais norte-americanos escrevem que este é o maior colapso de um banco desde a crise financeira de 2008, depois da falência do Washington Mutual Bank, que foi encerrado com 307 mil milhões de dólares em ativos e 188 mil milhões em depósitos, de acordo com dados do FDIC.
Horas antes de os reguladores terem tomado controlo do banco, na sexta-feira, os trabalhadores da instituição receberam o bónus anual referente a 2022, segundo a CNBC. Os pagamentos — que costumam acontecer na segunda sexta-feira de março, como voltou a acontecer agora —, já tinham sido processados dias antes do colapso. De acordo com a CNBC, que cita o site Glassdoor, vão desde 12.000 dólares até 140.000.
Quem vai receber o quê?
O FDIC já veio assegurar que todos terão acesso aos depósitos garantidos até segunda-feira de manhã. Já os depositantes não segurados vão receber um “dividendo antecipado na próxima semana”, que poderá ser complementado com pagamentos adicionais à medida que o liquidatário venda os ativos do SVB. Também vão receber certificados de liquidação no valor restante dos seus fundos não segurados.
Segundo o The Guardian, o banco não teria um diretor de controlo de risco (“chief risk officer”) nos meses que antecederam o colapso, mesmo apesar de mais de 90% dos seus depósitos não estarem garantidos. O seguro padrão do FDIC cobre até 250 mil dólares por depositante, banco e categoria de titularidade de conta.
“Toda a gente em Wall Street sabia que a campanha de aumento das taxas de juro pela Fed acabaria eventualmente por partir alguma coisa. E neste momento está a derrubar os bancos pequenos”, disse Ed Moya, analista de mercado da Oanda, citada pela CNN.
A queda do SVB aconteceu poucas horas depois da Silvergate Capital, empresa mãe do banco de criptos Silvergate Bank, ter anunciado o fim das operações.
Risco de contágio deverá ser contido
Apesar do pânico que se gerou em Wall Street, analistas ouvidos por vários meios de comunicação norte-americanos consideram improvável que o colapso do SVB provoque um efeito dominó, como aconteceu com o Lehman Brothers na crise financeira de 2008.
“Os bancos que agora estão em apuros são demasiado pequenos para serem uma ameaça significativa para o sistema mais amplo”, defende Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s, à CNN. Porém, admite que os bancos mais pequenos, sobretudo os ligados a setores com problemas de liquidez, como o tecnológico, possam estar numa situação mais vulnerável, num contexto em que o aumento das taxas de juro não mostra sinais de abrandar, e em que os depósitos continuam a encolher.
Janet Yellen, secretária de Estado do Tesouro, já veio dizer que está a acompanhar a situação de perto e deixou uma mensagem de tranquilidade: “O sistema bancário mantém-se resiliente e os reguladores têm ferramentas eficazes para responder a este tipo de situação”, sublinhou, em comunicado.
Já este domingo, Yellen assegurou, à CBS, que não haverá nenhum resgate público ao SVB, mas acrescentou que a administração Biden está a trabalhar de perto com os reguladores para ajudar os depositantes afetados pela queda do banco. Yellen diz ainda que a situação não se compara com a crise financeira de 2008, que teve repercussões à escala mundial.
O The Guardian lembra que oito anos antes da queda, o presidente do banco pressionou o Congresso dos EUA para reduzir o escrutínio à sua instituição, argumentando com o “perfil de baixo risco das atividades e modelo de negócio”. Três anos mais tarde, depois de ter gasto mais de meio milhão de dólares em lobbying federal, os legisladores fizeram-lhe a vontade.
Artigo atualizado este domingo com declarações recentes de Janet Yellen, que recusou um resgate ao banco