“É um destruidor da paz.” A China não tem poupado críticas ao candidato presidencial de Taiwan, Lai Ching-te, vice-presidente do Partido Democrático Progressista, que defende a independência de Pequim e uma aproximação ao Ocidente. As autoridades chinesas têm apelado a que os cidadãos de Taiwan façam a “escolha certa” nas eleições marcadas para este sábado e votem em alguém que queira manter a cordialidade nas relações entre os dois territórios, ou, caso contrário, existirá um “perigo sério”. Mas as ameaças chinesas não têm surtido efeito: Lai Ching-te é o favorito para vencer as presidenciais, segundo mostram as sondagens.
“Sou um trabalhador pragmático em busca da independência de Taiwan”, costuma dizer Lai Ching-te, um antigo médico que estudou nos Estados Unidos da América (EUA), mais concretamente na prestigiada Universidade de Harvard. Os planos de autonomia da ilha não significam, porém, que vá fechar a porta a China. Pelo contrário, vai procurar interagir com Pequim, mas sempre tendo como base os “princípios da igualdade e dignidade”. “A paz é preciosa e a guerra não tem vencedores”, diz o candidato.
Contudo, o antigo médico, que se tornou especialista ao longo da sua carreira em lesões na medula espinhal, não tem ilusões. Sabe que, se vencer, as hipóteses de uma reunificação forçada por parte da China aumentam. E isso seria o início de guerra. “Por muito que aspiremos à paz, nós não temos ilusões”, reconhece Lai Ching-te. Assim, o candidato presidencial tem como objetivo aumentar as capacidades militares de Taiwan — e conta com os Estados Unidos para isso.
Lai Ching-te já tem um plano pronto para suster as ameaças chinesas: “Vamos fortalecer a capacidade de dissuasão de defesa de Taiwan, robustecer as capacidades no que diz respeito à segurança económica, fortalecer as parcerias com as democracias em todo o mundo e manter uma liderança estável e com princípios”. Será, de resto, uma espécie de continuidade com as políticas seguidas por Tsai Ing-wen, a atual Presidente, que abandonou a liderança do Partido Democrático Progressista por conta dos maus resultados obtidos nas eleições locais de 2022.
Estas eleições acontecem num momento em que a China tem endurecido cada vez mais o discurso contra a autonomia de Taiwan. Aliás, um documento publicado pelo Departamento de Defesa norte-americano denuncia que o Presidente chinês, Xi Jinping, tem um plano para “reunificar à força” o território até 2030, isto se não existir uma unificação pacífica até lá. Ora, este processo torna-se improvável se Lai Ching-te chegar a Presidente.
Num contexto internacional cada vez mais incerto, a China não esconde que quer voltar a colocar Taiwan sob o controlo do Partido Comunista. Porém, as sondagens mostram que essa não é a vontade da maioria da população. E outros países, principalmente os Estados Unidos, estão muito atentos ao que se passa e prometem reagir, caso o regime chinês invadir a ilha.
Os resultados, divulgados este sábado à noite em Taipei (sábado de manhã em Lisboa), estão, assim, a ser acompanhados de perto por vários países. As urnas abrem às 8h da manhã (00h em Lisboa) e fecham às 16h (8h em Lisboa).
O candidato pró-independência, o candidato preferido por Pequim e o joker
Lai Ching-te. O candidato pró-independência
A ideia de um candidato pró-independência colide com a imagem de Lai Ching-te, ou William Lai, como também é conhecido. O antigo médico assume um estilo simpático e gentil nas ruas e a falar em público. Daí que até queira que Taiwan seja “amigo da China”. “Não queremos ser inimigos. Nós podemos ser amigos. Nós adoraríamos ver que a China a apreciar democracia e liberdade, tal como nós”, afirmou o político que vai à frente nas sondagens com cerca de 35% dos votos, citado pela BBC.
Apesar das palavras simpáticas, Lai Ching-te quer manter a autonomia de Taiwan face ao regime chinês. E até já gracejou, numa visita aos Estados Unidos em julho (que irritou a China), que gostava de ser o primeiro Presidente de Taiwan “a entrar na Casa Branca”, o que — a acontecer — seria encarada como uma afronta diplomática de Washington a Pequim.
Nascido em 1959 numa aldeia no nordeste de Taiwan, Lai Ching-te estudou Medicina, apesar das suas origens humildes. O pai, mineiro de profissão, morreu quando ele era criança, o que obrigou a mãe a sustentar uma família de sete sozinha. As recordações da infância fazem com que tenha ganhado “simpatia por pessoas com poucos rendimentos e minorias”. Após ter concluído o ensino obrigatório, o homem de agora 64 anos estudou para ser médico. Nos anos 90, aproximou-se da política e, desde aí, assumiu vários cargos.
Candidata-se agora ao mais alto cargo no sistema político da Taiwan, apesar de a China o considerar um “extremista” e um “obstinado pela independência”. Porém, Pequim olha ainda mais com apreensão para o braço direito de Lai Ching-te: Hsiao Bi-khim, que espera tornar-se vice-presidente. À mulher de 52 anos, as autoridades chinesas apelidam-na de “fanática separatista de Taiwan”, sendo que já a impediram de entrar na China continental por duas vezes.
A história de vida e os cargos que Hsiao Bi-khim desempenhou ajudam a explicar a animosidade chinesa. A candidata a vice-presidente nasceu no Japão, estudou nos Estados Unidos e foi a representante de Taiwan em Washington nos três últimos anos. Amante de gatos, a antiga diplomata, que voltou a Taiwan após ter vivido nos EUA, quer adotar um posicionamento daquele animal na cena internacional. “Os gatos são muitos mais amáveis do que os lobos”, afirmou à revista The Economist, numa alusão ao estilo de “lobo solitário” que a China segue na comunidade internacional. “Em diplomacia, é tudo sobre fazer amigos. É tudo sobre tornamo-nos amáveis.”
Hou Yu-ih, o candidato preferido de Pequim
O candidato que representa o principal partido da oposição, o Kuomintang — ou Partido Nacionalista Chinês —, tem uma estratégia a que chamou “3D” e consiste em três ideias chaves na relação que quer manter com a China. Hou Yu-ih, o atual líder da região da Nova Taipei (a capital), almeja prosseguir uma política baseada na dissuasão, no diálogo e na desescalada das tensões. Como tal, o objetivo é manter uma relação cordial com Pequim, diminuindo as tensões, o que, na opinião daquele responsável político, melhora a segurança da região.
Embora seja visto por alguém próximo de Pequim, Hou Yu-ih rejeita essa tese. O autarca garantiu que não vai alterar o estatuto político de Taiwan — e descartou avançar para uma unificação. O político do Kuomintang prefere manter o statu quo, ao mesmo tempo que mantém os canais de comunicação abertos com a China continental. “Eu acredito fortemente no sistema democrático e livre de Taiwan”, afirmou, atacando Lai Ching-te por querer trazer instabilidade à região por conta das suas vontades independentistas. “Quando o estreito de Taiwan estiver seguro, o mundo está seguro.”
Segundo os discursos públicos de Hou Yu-ih, que reúne cerca de 30% dos votos nas sondagens, também está previsto algum investimento nas Forças Armadas, de forma a poder responder a um possível ataque de Pequim. Não obstante, a sua posição, escreve a BBC, não é clara para os eleitores, uma vez que é abertamente contra a independência de Taiwan, o que confunde parte do eleitorado. Muitos temem que o candidato do Kuomintang se alie ao regime chinês caso haja uma possível invasão — e que não defenda a autonomia da região.
Ainda assim, a promessa é clara. Numa conferência de imprensa, o candidato do Kuomintang disse que a aposta na Defesa é essencial, mandando uma mensagem para as tropas chinesas. “Nós temos deixar que elas saibam que terão de acarretar com o custo da guerra”, sublinhou. Em larga medida, este discurso contraria, como nota o South China Morning Post, o que defende a base eleitoral do partido, de certo modo fiel ao regime chinês e avessa a qualquer possibilidade de conflito.
Apesar de existirem estas incoerências, certo é que a imagem de Hou Yu-ih é bastante apreciada pela população. Nascido em 1957 em Puzi, no oeste de Taiwan, os seus pais dedicavam-se à suinicultura. Não seguiu as suas pisadas e o candidato começou por ingressar na polícia até chegar a autarca da maior cidade de Taiwan. A imagem cândida e de confiança que transmite é um dos seus pontos fortes, descrevendo-se como alguém “humilde, diligente e honesto”.
No cargo de vice-presidente, está a concorrer o comentador político Jaw Shaw-kong, defensor da reunificação de Taiwan com a China continental, ainda que já tenha frisado que não é uma política que vá ser seguida se Hou Yu-ih chegar a Presidente. É descrito como alguém com carisma, experiente nas lides políticas, mas com um passador recheado de escândalos.
Tendo em conta este contexto, não é de estranhar que esta seja a “escolha certa” que os líderes chineses apelam a que os cidadãos de Taiwan tomem. Mesmo assim, Hou Yu-ih tem-se desdobrado os esforços em tentar descolar a imagem de amigo da China e de favor da reunificação, moderando o discurso naqueles tópicos.
Ko Wen-je, o joker
Tal como Lai Ching-te, Ko Wen-je licenciou-se em Medicina, tendo sido cirurgião praticamente a vida toda. Até agora, que enfrenta um dos maiores desafios da vida, mesmo que também seja um novato no mundo da política. E isso traz uma certa frescura à imagem do líder Partido Popular de Taiwan, cativando o eleitorado mais jovem. As suas táticas eleitorais também ajudam nisso: por exemplo, aposta num estilo descontraído e muito menos sério do que os adversários.
Ko Wen-je admite que concorre às eleições presidenciais como uma “terceira escolha” de pessoas que não gostam particularmente da mensagem independentista do Partido Democrático Progressista, nem do estilo conformista e associado à China do Kuomintang, angariando neste momento cerca de 22% das intenções de voto nas sondagens. É assim alguém que apostará, ao ganhar as eleições, numa política mista, olhando para Pequim com desconfiança, mas evitando tensões.
O candidato do Partido Popular de Taiwan já deu a entender que, no seio da comunidade internacional, vai dar-se bem com os Estados Unidos e com a China. “Vamos definitivamente manter uma relação sólida entre Taiwan e os Estados Unidos e, nessa base, estamos abertos a estabelecer comunicações com a China“, disse o candidato, que frisou que a ilha deve ter “capacidade” para se proteger. “Se chegarmos a um confronto militar, Taiwan não vai estar à altura do continente […]. No entanto, Taiwan deve deixar bem claro à China que, se decidir entrar num conflito, vai ter de pagar um preço elevado.”.
Ko Wen-je nasceu em 1959 na cidade de Hsinchu no seio de uma família modesta. O seu pai tinha um sonho: que se tornasse médico. O agora político acabou por o realizar, tendo inclusivamente sido oficial médico das forças armadas. Entrou na política em 2014 pela porta grande, tornando-se autarca da cidade de Taipei.
Para assumir o cargo de vice-presidente, Ko Wen-je escolheu a deputada Cynthia Wu, uma das herdeiras da Shin Kong Group, um dos maiores grupos empresariais de Taiwan. A mulher de 45 anos estudou nos Estados Unidos, viveu depois em Londres e desempenha agora o cargo de CEO do ramo filantrópico da empresa familiar.