Os Black Mamba foram os escolhidos para representar Portugal na Eurovisão, com a canção “Love is on my Side”. Esta quinta-feira, Marco Pombinho, Tatanka, Guilherme Salgueiro e Rui Pedro Pity entram em ação e tentam um lugar na final. Apesar de todas as restrições impostas pela organização — porque “todos os olhos estão virados para Roterdão”, dizem-nos — a banda, em conversa com o Observador, está, sobretudo, virada para o futuro. “Toda esta cena à volta da vitória deu-nos motivação para nos juntarmos e voltarmos a escrever música nova. Se não tivéssemos ganhado, no dia a seguir estaríamos a voltar às nossas vidas normais”, revela Tatanka.
Confessam que a vitória no Festival da Canção e a atenção mediática que se seguiu, foi “uma bênção”, mas que a experiência tem também sido agridoce. As medidas de prevenção causadas pela pandemia fazem com que exista pouco contacto com o público e com os países adversários. Há uma sensação “de voltar à estrada depois de um ano de folga”, mas sem “a adrenalina de subir ao palco”.
Quanto ao que podem ou não fazer na Holanda, os dias resumem-se a ensaios, entrevistas, trabalhar no videoclip do novo single “Crazy Nando (a ser lançado sexta-feira, dia 21 de maio). Se são “apanhados” numa esplanada, podem ser desqualificados. E momentos para relaxar? Poucos. Fizeram umas quantas visitas ao Porto de Roterdão ou à praia local, mas nada mais. Resta-lhes o vinho chileno e a camaradagem. E vá, tentar voltar no próximo domingo com o caneco só conseguido por Salvador Sobral num festival que nasceu em 1956.
[“Love is on my Side”, ao vivo na final do Festival da Canção que os Black Mamba venceram:]
Foi difícil conseguir falar com vocês, o que se compreende. Têm sido dias agitados? Estão nervosos?
Não…
Ora bem. Mas a pouco tempo de atuarem na Eurovisão, como é que se sentem? Não são novatos com grandes públicos, mas este é um evento diferente..
Marco Pombinho: Os nervos que temos são os de estarmos a representar uma escolha de um público português que nos fez vencedores do Festival da Canção. É a única ansiedade que podemos ter. A responsabilidade…
Estão na Holanda há pouco mais de uma semana, pouco contacto com o público, deduzo que tenham de estar fechados muito tempo. A Eurovisão está com um protocolo apertadíssimo.
Miguel Casais: Temos tentado aproveitar isto da melhor forma porque vamos lançar um single novo no dia 21 de maio [esta sexta-feira], logo a seguir à nossa meia-final,chamado “Crazy Nando”. E como não podemos sair do hotel, estamos a filmar aqui o videoclip com o Arlindo Camacho como realizador. Andamos por aqui entretidos, têm sido umas risadas valentes.
Como é que se filma num espaço tão pequeno?
Tatanka: Recorremos a um orçamento de 75 euros mais IVA, o que está em vigor na Holanda…
Rui Pedro Pity: E depois é a capacidade de cada um de nós no acting.
Mas um orçamento tão baixo serviu para pagar o quê?
Rui Pedro Pity: Quando vires vais perceber o tamanho da produção. A magnitude da coisa.
Li várias notícias que davam conta de que Portugal marcou pontos no staging nesta edição da Eurovisão.
Tatanka: O staging começou num brainstorming entre nós e a delegação da RTP, ainda em Lisboa. Debatemos as ideias que queríamos sobre os LEDs, planos de câmara com o Daniel Mota, a iluminação. E depois a Gravity acabou por agarrar nas nossas ideias e fez um trabalho espetacular que tem sido elogiado aqui e na imprensa internacional. Acabou por fazer crescer bastante a canção e suscitou mais interesse de quem segue a Eurovisão. Esperamos que surpreenda.
Em relação aos outros países, mesmo com as restrições, conseguiram conhecer alguém? Ou só se fala de Covid-19?
Tatanka: Não nos cruzamos muito com as outras bandas, a organização está muito bem feita e são rigorosos. Ensaios todos separados, acabamos por ter pouco contacto com os outros artistas. Não sei como será nas performances ao vivo, talvez aí tenhamos oportunidade de nos misturarmos mais. Quase não falamos com ninguém, a não ser um “I love you, you love me too”…
Então estão juntos durante 24 horas por dia. Não se fartaram já uns dos outros?
Tatanka: Está tudo a correr bem. Este videoclip é cómico, a música também. Ficamos menos aborrecidos ao olharmos para as imagens que fazemos. Temos tido muitas revelações interiores durante este processo todo. Quando acabámos o Festival da Canção, estávamos parados há um ano, já quase nos tínhamos esquecido da vida de músicos. Depois, normalmente as entrevistas não são tantas, mesmo quando lançamos álbuns. Nunca tínhamos tido tantas entrevistas, e agora são para o mundo inteiro. Vimo-nos num cenário que nunca tínhamos experimentado, ter conferências de imprensa como treinadores de futebol, montes de jornalistas de todas as nacionalidades à frente.
Isso é entusiasmante ou torna-se, a certa altura, cansativo?
Tatanka: Ao fim da oitava entrevista começa a ser, sim, mas é como cantar esta música cem vezes, também o é. Cantar ao vivo na meia-final, depois esperamos que seja na final, é outra experiência. Mas cantá-la aqui no hotel, por exemplo, a malta fica um pouco fatigada. Mas voltando às revelações. Nas conferências, há momentos que metem qualquer um desconfortável, sentimo-nos peixes fora de água. E agora descobrimos o nosso acting, está a ser um espetáculo. Estamo-nos a revelar todos excelentes atores, dignos de Palmas de Ouro e Ursos de Berlim, por exemplo.
Rui Pedro Pity: E de novelas mexicanas.
Preferiam fazer uma portuguesa ou mexicana?
Tatanka: Não temos preferências. Somos pau para toda a obra.
Peguemos nessas revelações. O Salvador Sobral falou disso quando ganhou a Eurovisão, sobre um artista ficar conhecido só por causa de uma canção. Ficar conotado só a um momento. Isso para vocês tem importância? Tendo em conta que têm tantos anos de carreira…
Miguel Casais: É claro que se passássemos à final seria fantástico, a exposição que teríamos seria incrível, porque há uma maior audiência. São centenas de milhões de espectadores. A uma banda como nós isso interessa. Temos um objetivo desde o início que é a internacionalização. Quando consegues ter um público de 200 e tal milhões a coisa torna-se cada vez mais séria. Não podemos ficar indiferentes a isso. Mesmo para Portugal, enquanto representantes de um país, é algo que nos deixa orgulhosos. É um palco diferente da semi-final para a final.
A vitória no Festival da Canção, serviu como uma espécie de vacina no meio da pandemia?
Tatanka: Sim. Mudou muita coisa. Não estávamos à espera de, de um dia para o outro, nos vermos nesta azáfama de concertos e de entrevistas, toda a gente a perguntar, tudo interessado subitamente, porque estávamos parados há um ano. Isto foi uma bênção que veio dos céus. Toda esta cena à volta da vitória deu-nos motivação para nos juntarmos e voltarmos a escrever música nova. Se não tivéssemos ganhado, no dia a seguir estaríamos a voltar às nossas vidas normais, à espera que isto abrisse, que os concertos voltassem.
Quisemos logo imprimir este estado de graça que estamos a viver. Acho que na “Crazy Nando” vai sentir-se esse estado em que gravámos e nos encontramos. E já temos uma data de ideias, músicas quase acabadas, coisas que farão parte de um álbum em que a ideia surgiu quando fomos em tournée em 2018 por Londres, Cambridge e acabou em Amesterdão. Por isso é que se vai chamar “Last Night in Amsterdam”.
Portanto, já estão a orientar a vida para a frente. Além de dar concertos, o que vos apetece mais voltar a fazer?
Pombinho: Além de tocar, queremos voltar a ver concertos, ver os colegas, pessoas a tocar.
Guilherme Salgueiro: Ir para a estrada, estar nesse ambiente. Agora, aqui, é quase como se estivéssemos na estrada. Estamos sempre juntos, mas não há aquela adrenalina de ir para palco.
Tatanka: Para mim vai ser não estar sempre com medo das pessoas, de poder abraçar um irmão sem estar com medo, sem virar a cara para o lado. É disso que tenho mais saudades. Ver uma pessoa de quem gostas e estar com medo dela para mim é muito difícil.
E esse medo vai ficando preso nas nossas cabeças. Essa sensação de estar na estrada mas com restrições, quase que parece que estão no mesmo país.
Rui Pedro Pity: É isso, não dá para sair. Já fomos conhecer o Porto de Roterdão, o maior da Europa. E esta terça-feira fomos dar uma volta onde nasceu o gin tónico. Depois seguimos para a praia daqui. E pronto, tirando estas voltinhas, estar fechado aqui ou num hotel em Queluz de Baixo, é igual.
Está tudo fechado?
Guilherme Salgueiro: Está como Portugal. Estão mais brandos nas medidas. Não é obrigatório andar de máscara na rua. As esplanadas estão cheias.
Rui Pedro Pity: E isso ainda é pior: não podemos sair à rua porque a malta aqui não se cuida muito.
Então não podem sair do hotel, estar num café.
Marco Pombinho: Não, não. Tivemos uma reunião com o chefe de segurança que nos disse: “Os olhos do mundo estão virados para a Eurovisão”. Não se pode vacilar, vão ser inflexíveis. Se houver selfies na rua, qualquer coisa, há desqualificações.
Guilherme Salgueiro: Querem fazer do evento um exemplo, de que é possível fazer isto em segurança.
Tatanka: É um statement. Não tem só a ver com a Eurovisão. Está relacionado com o futuro dos músicos, de se poder voltar lentamente à normalidade. De teres as pessoas mais juntas a ver concertos. Não diz só respeito à Eurovisão.
Acabam por ser cobaias, mas percebem que isso é importante.
[todos] Exatamente.
Quando regressam?
Guilherme Salgueiro: A final é sábado, nós vamos no domingo.
Rui Pedro Pity: Vamos de qualquer forma no domingo.
E vão acompanhar tudo no hotel ou há um espaço especial?
Guilherme Salgueiro: Quase tudo no hotel sim.
Tatanka: Quando for a nossa vez, temos de ver em direto lá, claro.
Além do videoclip, deduzo que não estejam sempre a trabalhar. O que é que fazem para se distraírem? Jogar às cartas…
Rui Pedro Pity: Trouxemos o estúdio para aqui. Além disso, mandamos umas grandes risadas a falar de temas muito interessantes.
Miguel Casais: O estúdio já teve uma baixa, entretanto.
Tatanka: Já é meio estúdio,
Então o que é que aconteceu?
Miguel Casais: Um computador levou com um copo de vinho.
Rui Pedro Pity: Isso é outra companhia. Vamos tendo uns vinhos, fazendo umas degustações.
Fazem provas de vinhos? Quem é o especialista?
Rui Pedro Pity: É o Miguel.
Guilherme Salgueiro: Também só há um vinho para provar…
Só um? Não é bem uma degustação, então.
Tatanka: Em equipa que ganha não se mexe.
Vinho português?
[todos]: É chileno!
Recomendam?
Rui Pedro Pity: Se estiverem na Holanda, recomendamos claro.
Tatanka: E não dá muita cabeça no dia a seguir…
Há algum assunto do dia que tem saltado à vista para grandes discussões?
Tatanka: Temos estado preocupados com o conflito entre Israel e Palestina. São cenas que ninguém gosta de ver. Nos tempos livres, fora dos ensaios e das entrevistas, dedicamo-nos ao videoclip. É gravar e editar em tempo recorde. E a fazer o press-release. E também um pouco de FaceTime. Temos tempo e vontade. Tivemos um ano de folga. É preciso meter o trabalho em dia. Não nos podemos queixar.
Uma última pergunta: ninguém está satisfeito com o estado da cultura em Portugal, que ficou pior por causa da pandemia. Mas os eventos-piloto correram bem, o verão está cada vez mais perto. Há eventos como o dos festejos do Sporting que podem provar, acidentalmente, que é possível organizar espetáculos maiores com muito mais segurança. Que pensam sobre isto?
Rui Pedro Pity: Mais importante do que os festivais grandes, são as festas das aldeias. Pouco se fala nisso. São elas que alimentam a indústria de música ao vivo.
Tatanka: São o grosso de uma tournée.
Rui Pedro Pity: Essas é que me dão pena não haver. Nem é tanto o nosso caso, mas temos amigos que vivem principalmente disso. Das bandas de baile até à música pop, todos vivem disso.
Tatanka: Veio à superfície o que é a desunião dos artistas em geral. Está muito frágil. A não profissionalização, não há sindicatos nem nada do género. É um meio precário. Os artistas deviam unir-se. Espero que tudo se torne mais sindicalizado, mais profissional. Toda a gente sabe que houve quem precisasse da ajuda da União Audiovisual. Pessoal sem nada para comer. É o mais degradante a que um ser humano pode chegar. Precisamos de estabilidade, temos de tomar conta desta gente enquanto Estado, porque o Estado somos nós todos. Para que isto não volte a acontecer. Mesmo em períodos normais, temos o verão, depois é como uma formiga, indo amealhando, e no inverno é ai, ai, ai, ai… em França penso que há um cálculo que se faz enquanto exerces a tua arte, onde depois é distribuído um valor mensal. É um bom exemplo para adotar em Portugal. Andamos sempre aflitos.