Índice
Índice
Jorge Nuno Pinto da Costa, de 82 anos, tem uma história de vida que se confunde com o FC Porto. O FC Porto, com mais de um século de existência, tem uma história de vida que se confunde com Jorge Nuno Pinto da Costa. Ainda os votos eram contados este domingo no interior do Dragão Arena e já alguns elementos da claque Super Dragões faziam a festa mais do que anunciada com uma imagem do líder que entrou no clube em 1961 e chegou a número 1 em 1982 na zona dos camarotes do estádio. Ao lado, uma frase “É eterno”. E assim segue para o 15.º mandato como presidente.
Agora, e pela primeira vez, teve dois adversários na corrida, José Fernando Rio e Nuno Lobo. Talvez por isso, Pinto da Costa esteve mais ativo do que nunca no interior ou nas imediações do recinto, onde tão depressa falava com os órgãos de comunicação social como tirava fotografias com sócios e ouvia pequenas claques de anónimos que se formavam de forma espontânea para cantar o nome do seu líder, muitos o único líder que alguma vez conheceram no clube. A adesão às urnas, massiva ao ponto de tornar este sufrágio o segundo maior de sempre apenas superado pelo de 1988 (8.480 sócios passaram pelo recinto entre sábado e domingo, mesmo em tempo de pandemia), provou a vitalidade de um clube que teve às vezes mais de meia hora na fila associados com 45 ou 50 anos de filiação e que nunca antes tinham votado. Em paralelo, mostrou que todos percebem os desafios que se seguem a breve e médio prazo, do regresso às vitórias no futebol ao saneamento das finanças, passando pela luta nos centros de decisão do futebol.
Pinto da Costa está ciente disso e sabe que existem obstáculos maiores do que aqueles que teve na maioria dos anos em que esteve no topo do clube. E certo é também que irá juntar mais quatro anos aos 38 que já passou à frente do FC Porto. 38 anos, que equivalem a 458 meses. 458 meses que correspondem a 13.925 dias. Foi nesse período que fez história no FC Porto, passando dos 12 para os 72 títulos (entre eles sete internacionais) no futebol. Que fez história no futebol português, ao colocar o clube com mais títulos conquistados nesse período do que os rivais. Que fez história no futebol mundial, ao superar as três décadas e meia de Santiago Bernabéu na liderança do Real. Como “Largos dias têm 100 anos”, este é um dicionário que explica alguns segredos da sua longevidade.
Apito Dourado
Pinto da Costa já enfrentou alguns processos na Justiça mas o Apito Dourado acabou por ser aquele que mais marcou as quase quatro décadas na liderança do FC Porto, naquele que foi um dos maiores casos de sempre do futebol português. De acordo com a acusação, e a através de escutas telefónicas que visavam entre outros líderes o número 1 portista, havia indícios de corrupção desportiva ativa e, depois de uma primeira condenação feita pela Comissão de Disciplina da Liga, clube e presidente seriam ilibados pelo Conselho de Justiça da Federação e pelos próprios tribunais civis, num processo que arrastou ao longo de anos a fio.
Em causa estavam os jogos do FC Porto com Estrela da Amadora e Beira-Mar, relativos à época 2003/04, quando os dragões foram campeões nacionais e europeus com José Mourinho. Num processo ziguezagueante, que teve pelo meio uma suposta confissão do árbitro Jacinto Paixão e o livro de uma ex-companheira do líder portista, Carolina Salgado, tudo acabou por ser arquivado, não se comprovando também que a ida do árbitro Augusto Duarte a casa de Pinto da Costa estivesse relacionado com o futebol. Também o processo Apito Final, instaurado pelo Comité Disciplinar da Liga de forma paralela e não criminal, condenou Pinto da Costa a dois anos de suspensão e o FC Porto à perda de seis pontos na classificação de 2007/08 (que ganhou com larga vantagem em relação ao Sporting) com multa de 150 mil euros mas a decisão dos tribunais cíveis, que consideraram as escutas feitas como ilegais, levou a que o órgão tivesse de voltar atrás e declarar o caso como “não provado”.
Bibota
Quando Pinto da Costa se candidatou ao FC Porto pela primeira vez, em 1982, não tinha propriamente grandes promessas eleitorais mas as quatro que apresentava eram ambiciosas: rebaixar o Estádio das Antas para aumentar a capacidade do recinto em mais 20 mil lugares, contratar José Maria Pedroto mais uma vez para o clube, criar uma grande revista dos azuis e brancos (a Dragões) e recuperar Fernando Gomes, que tinha sido vendido em 1980 ao Sp. Gijón pouco depois da saída de Pinto da Costa do futebol portista em litígio com o então presidente Américo de Sá.
O novo presidente dos azuis e brancos deslocou-se a Espanha para apresentar a proposta para trazer de volta para Portugal o jogador, que entretanto tivera um problema no tendão de Aquiles: 20 mil contos a pagar em fases diferentes por prestações mais um jogo de apresentação nas Antas selariam o acordo. No entanto, os prazos de pagamento nunca mais eram divulgados e o negócio começava a ficar em dúvida, até porque Gomes brilhara entretanto numa partida particular pelos espanhóis. Chegou a resposta: os 20 mil contos teriam de ser a pronto. Final da conversa? Nem por isso: depois de uma conversa com o Banco Português do Atlântico, foi feito um empréstimo com um aval de Manuel Francisco de Couto, das Indústrias Couto. O avançado voltou mesmo e, entre todos os títulos coletivos, nacionais e internacionais, ganhou duas Botas de Ouro e foi seis vezes o melhor marcador do Campeonato. Saiu no início dos anos 90, em litígio com técnicos, mudou-se para o Sporting mas regressaria ao clube, primeiro nas Relações Internacionais, depois no scouting. Agora vai integrar a Direção como vice-presidente.
Câmara do Porto
Alfredo Coelho de Magalhães e Paulo Vallada foram os dois primeiros presidentes da Câmara Municipal do Porto, Fernando Cabral ocupava o cargo na altura em que o FC Porto teve os seus primeiros sucessos internacionais do futebol (entre 1987 e 1988), Fernando Gomes liderou a autarquia ao longo dos anos 90 (de 1990 a 1999). Foi com o agora administrador da SAD dos azuis e brancos que a relação entre clube e Câmara se tornou mais forte e assumida, com um envolvimento grande da cidade na vida quotidiana dos dragões que teve depois o seu prolongamento com Nuno Cardoso. Houve polémicas com alguns apoios para o estádio, a sede e o pavilhão e as relações demasiado próximas.
Em 2002, com Rui Rio, que quebrou 12 anos de vigência socialista na câmara portuense, tudo mudou: o agora líder do PSD tornou-se um dos grandes “inimigos” de Pinto da Costa, que destacou sempre que o FC Porto era “a única equipa que ganha títulos internacionais e que não é recebida nos Paços do Concelho da sua própria cidade”, numa crítica a alguém a quem não reconhece obra. De facto, Rio não recebeu o FC Porto na varanda dos Aliados depois de se tornar pela segunda vez campeão europeu em 2004. Em 2015, já depois de sair da Câmara, Rui Rio chegou a ser barrada no Dragão Caixa (hoje Dragão Arena), numa conferência que assinalava o 15.º aniversário da SIC e que teve de passar para a Alfândega do Porto.
Com Rui Moreira, desde 2013, a situação “normalizou”, tornou-se próxima como antes e até os jovens da Youth League que fizeram história ao ganhar em 2019 pela primeira vez no futebol português foram recebidos nos Paços do Concelho pelo líder autárquico. Moreira foi agora o cabeça de lista ao Conselho Superior de Pinto da Costa, que disse numa entrevista que se o presidente da câmara tivesse sido candidato à liderança do clube ele não teria avançado.
Desporto Adaptado
Entre 1961 e 1976, ano em que chegou ao departamento de futebol dos azuis e brancos, Pinto da Costa passou por algumas modalidades do clube: começou por liderar apenas a secção de patinagem, passou no ano seguinte para o hóquei em patins, acumulou depois com o hóquei em campo e com o boxe, esteve quatro anos na década de 70 com o pelouro de todas as amadoras no elenco de Pinto de Magalhães.
Além destas, teve sempre particular atenção a outras como bilhar (que se tornou campeão europeu), basquetebol (que chegou a extinguir o departamento sénior mas que regressou e com o mesmo treinador, Moncho López) ou andebol (que quebrou um longo jejum de 31 anos sem vencer o Campeonato e que hoje é campeão e faz história na Liga dos Campeões). No entanto, existe um outro departamento que continua a ser a “menina dos olhos” do líder azul e branco: o Desporto Adaptado, que tem cada vez mais atletas e que já rendeu centenas de títulos ao clube.
Estádio
Cesário Bonito, que liderou o FC Porto, teve como uma das primeiras grandes ações à frente do FC Porto (numa das três passagens pelo cargo em outras tantas décadas diferentes) a preferência pelo terreno das Antas para a construção do novo estádio do clube. Também aqui há um ponto de contacto entre o presidente dos dragões tantas vezes elogiado pelo atual líder e Pinto da Costa. Logo no primeiro mandato, defendia o rebaixamento das bancadas do recinto para aumentar a capacidade em mais 20 mil espectadores. Os restantes colegas de Direção torciam o nariz. Ou, como o próprio referiu, “diziam que era maluco”. Só Óscar Cruz, vice ligado à construção civil, seguiu a ideia.
No final de 1986, aquela que foi a primeira grande obra a nível de infraestruturas nas últimas quatro décadas ficou terminada, sendo que nessa altura os mesmos que se mostravam céticos perceberam o que estava em causa e assumiram que tinha sido uma intervenção importante. Entretanto, obras de melhoramento no Campo da Constituição à parte, nasceram outras que hoje se destacam: o Estádio do Dragão, o Dragão Arena e o Centro de Treinos do Olival.
Futre
A transferência do avançado para o FC Porto foi o primeiro exemplo prático do que seria a vigência de Pinto da Costa nos dragões (uma vigência que chegou a ameaçar terminar no final dos anos 80 por já ter ganho tudo, mas que ainda hoje se mantém neste que será agora o 15.º mandato). Rebobinemos o filme: após a final da Taça dos Vencedores das Taças com a Juventus e a fase final do Europeu de 1984 em que Portugal ficou em terceiro, João Rocha desviou os médios portistas Sousa e Jaime Pacheco para Alvalade. Os jogadores alegaram “falta de condições psicológicas” (sim, nessa altura era possível) e saíram. Uns dias depois, o “troco” foi dado e com uma moeda mais forte: Paulo Futre, a grande promessa do futebol leonino que tinha 18 anos, fez o mesmo. Os dragões ofereciam 27 mil contos num contrato de três anos, o avançado pediu aos leões 18 mil contos pelas mesmas três épocas, viu a oferta recusada e mudou-se para as Antas alegando também “falta de condições psicológicas”.
Foi bicampeão, ganhou duas Supertaças, conquistou a Taça dos Clubes Campeões Europeus e o Atl. Madrid quis contratá-lo. Sabendo isso mesmo, na véspera de Jesús Gil y Gil vir a Portugal, a sua cláusula de rescisão subiu de 200 para 400 mil contos [dois milhões de euros] e o seu salário também dobrou. O espanhol não quis pagar aí, mas acabaria por chegar mesmo a esse valor nesse ano, que terminaria com o internacional português a ficar em segundo na Bola de Ouro, só atrás de Gullit.
Gelsenkirchen
A cidade alemã continua a ser o marco daquela que foi, globalmente, a época mais marcante do FC Porto olhando não só para a parte desportiva, mas também para a financeira e de peso internacional. Com Mourinho no comando, os dragões começaram por passar a fase de grupos em segundo atrás do Real Madrid mas à frente de Marselha e Partizan de Belgrado, eliminaram o Manchester United nos oitavos com um golo de Costinha mesmo a acabar o jogo, afastaram depois o Lyon nos quartos e bateram o Deportivo nas meias por 1-0 na Corunha. Na final, os azuis e brancos tornaram fácil o complicado encontro com o Mónaco e foram campeões europeus pela segunda vez (igualando as duas Taças dos Clubes Campeões Europeus do Benfica), naquele que foi o último triunfo de uma equipa que não de Espanha, Inglaterra, Itália ou Alemanha.
Seguiu-se o jackpot de venda no conjunto europeu que se tornou o mais cobiçado da Europa: além de Mourinho ter partido para o Chelsea, Paulo Ferreira e Ricardo Carvalho foram para o Chelsea por 50 milhões de euros, Deco para o Barcelona por 21 milhões, Derlei para o Dínamo Moscovo por 7,5 milhões – e na época seguinte Carlos Alberto, Maniche, Costinha e Nuno Valente renderam em conjunto 32 milhões.
Hulk
O brasileiro é uma espécie de “três em um” ao longo das quase quatro décadas de reinado de Pinto da Costa: 1) é o exemplo paradigmático da evolução da rede de scouting, que foi ao Japão encontrar um avançado que tinha características invulgares, que brilhou no segundo escalão do futebol nipónico e que antes chegara a passar pelos juvenis do Vilanovense, investindo 5,5 milhões de euros em metade do seu passe; 2) após quatro épocas em que foi um dos grandes destaques da Liga, o (entretanto) internacional acabou por ser vendido por 60 milhões, naquela que foi a maior venda de sempre do clube – sendo que os dragões ficaram com apenas 40 milhões do negócio; 3) após as polémicas agressões no túnel de acesso aos balneários no seguimento da derrota com o Benfica na Luz no início de 2010, Hulk, então o jogador mais influente da equipa, foi suspenso por quatro meses, o FC Porto de Jesualdo (que estava na luta pelo segundo penta na história) perdeu terreno e quando o título já era uma miragem o castigo foi reduzido para apenas três jogos – e esse é apontado por muitos como um momento de viragem nos principais centros de decisão do futebol português, algo que se viria a adensar sobretudo nos últimos anos.
Internacionalização
O sucesso do FC Porto nas competições internacionais, nomeadamente a conquista de seis títulos em 16 anos (três vezes mais do que o rival Benfica, que ganhou nos anos 60 duas Taça dos Clubes Campeões Europeus, e seis vezes mais do que o Sporting, que conquistou a Taça dos Vencedores das Taças em 1964), a que juntaria ainda mais uma Liga Europa em 2011, permitiu que os azuis e brancos conquistassem uma reputação além fronteiras que na década de 80 parecia um cenário impossível. Em paralelo, os dragões tiveram um upgrade também pelas transferências milionárias que conseguiram fazer na primeira década do século.
No entanto, esse crescimento é maior do que uma mera reputação. Dois exemplos práticos: a presença do FC Porto na Colômbia, depois das passagens de jogadores como Falcao, James Rodríguez, Guarín ou Jackson Martínez pelo clube, que coloca o país do sul-americano como um dos locais onde existem mais seguidores dos dragões a nível de redes sociais (que têm hoje um peso grande para qualquer equipa); ou a associação do Banco de Minas Gerais aos azuis e brancos, que foi não só o financiador do novo Museu do FC Porto como, de acordo com os Relatórios e Contas da SAD, assinou ainda um contrato de main sponsor de oito milhões de euros até 2025 que englobou todo o negócio. Numa fase em que existe necessidade de mais receitas, este será também um dos caminhos no futuro.
João Pinto
Pinto da Costa teve vários capitães emblemáticos nas equipas de futebol desde que chegou à liderança do FC Porto, como Rodolfo, Fernando Gomes, Vítor Baía, Jorge Costa, Pedro Emanuel ou mais recentemente Lucho González e Helton, mas o antigo lateral direito João Pinto, que teve a braçadeira ao longo de quase toda a década de 90, acaba por ser o exemplo paradigmático da importância que o presidente portista dá aos líderes do balneário . Aliás, uma das críticas feitas no jejum de títulos entre agosto de 2013 e maio de 2018 era que faltavam referências na equipa com essa capacidade de ser exemplo para a equipa.
Em 16 anos de FC Porto, entre 1981 e 1997 (nunca conheceu outro clube), João Pinto ganhou nove Campeonatos, quatro Taças de Portugal, oito Supertaças, uma Taça dos Clubes Campeões Europeus, uma Taça Intercontinental e uma Supertaça Europeia, sendo um dos jogadores com mais títulos de sempre no clube e no país. E foi por mais do que uma vez utilizado como exemplo por Pinto da Costa: quando lhe perguntavam quem era o seu número 2 da Direção, o líder dos azuis e brancos respondia sempre que só havia um número 2 para si, João Pinto.
Lisboa
Antes, durante e depois de qualquer momento, há uma linha comum nas muitas intervenções públicas que Pinto da Costa teve desde os anos 80, quando chegou à liderança do FC Porto: a luta contra o “poder de Lisboa” e a tentativa de travar aquilo que considera ser uma tentativa de centralização das esferas que decidem na capital do país. Ainda este fim de semana de eleições, e a propósito da Assembleia Geral da Liga de Clubes onde alguns clubes tentarão fazer cair Pedro Proença, o líder dos azuis e brancos deu conta das manobras de bastidores para tirarem a sede do órgão do Porto, onde nasceu e sempre esteve, desta feita com um projeto de ampliação de infraestruturas que já foi discutido com Rui Moreira.
Aliás, já tinha sido por essa ideia que Pinto da Costa saiu do clube em 1980, quando era chefe do departamento de futebol, em choque com o então presidente Américo de Sá. Fosse no período de afirmação do clube, fosse na fase de consolidação da hegemonia no futebol, seja agora numa fase de tentativa de regresso aos triunfos regulares, essa ideia tem estado sempre presente no clube. Fazer frente à capital.
Mourinho
José Maria Pedroto foi “o” treinador de Pinto da Costa por tudo aquilo que representava dentro e fora de campo, e que era a extensão do seu pensamento para o clube; Artur Jorge foi o técnico que promoveu o salto dos triunfos nacionais para os europeus, ficando também na história por isso e por ser um dos timoneiros que mais jogos orientou no clube; no entanto, José Mourinho tem um lugar especial por dois grandes motivos.
Um, mais óbvio, que está relacionado com as conquistas – dois Campeonatos, uma Taça de Portugal, uma Supertaça, uma Liga dos Campeões e uma Liga Europa em dois anos e meio; outro, menos óbvio: depois de passar pelo Benfica (e de ter estado de contrato assinado com o Sporting, algo que nunca viria a acontecer), substituiu Octávio Machado no comando portista vindo da U. Leiria numa altura em que os dragões iam já para a terceira temporada sem vencer o Campeonato, naquele que era o maior jejum até então de Pinto da Costa e que foi quebrado em 2002/03.
Neve (em Tóquio)
O FC Porto ficou na história por ter sido o último clube a ganhar a Taça Intercontinental, que daria lugar ao Mundial de Clubes num novo formato que junta os vários campeões continentais (sendo que a final continua a ser quase sempre entre a Europa e a América do Sul, acrescente-se), ao vencer nas grandes penalidades o Once Caldas, da Colômbia. No entanto, foi o primeiro triunfo na prova, apenas seis meses depois do sucesso em Viena, na Taça dos Campeões Europeus e a meio da Supertaça Europeia que ganharia também frente aos holandeses do Ajax umas semanas depois no início de 1988, que continua perpetuado na história dos azuis e brancos.
Em Tóquio, a 13 de dezembro de 1987, e com os uruguaios do Peñarol a não quererem ir a jogo devido ao forte nevão que caiu no Japão, Pinto da Costa recusou adiar o encontro e os comandados de Ivic tiveram uma autêntica batalha no relvado branco do Estádio Nacional com bola amarela para poder diferenciar-se da neve. Fernando Gomes, que falhara a final com o Bayern por lesão, inaugurou o marcador, Viera empatou e o génio de Madjer deu o histórico triunfo no prolongamento com um chapéu que foi muito comemorado em Portugal de madrugada e que colocou o FC Porto como único clube português a ganhar a prova.
Olival
Depois de todo o sucesso desportivo e financeiro da era Mourinho, o FC Porto entendeu que era altura de dar um salto importante em termos de clube a médio e longo prazo: ter um verdadeiro projeto para o futebol de formação, que pudesse rivalizar com a cantera do Sporting, na altura o grande viveiro de talentos nacionais. Foi assim que nasceu o Visão 611, que pretendia mudar por completo a forma como se trabalhava nas camadas jovens no Olival, inaugurado em 2002, e no Vitalis Park. Do apoio educativo ao acompanhamento psicológico, passando pela coordenação de valências, a pirâmide com três fases (recrutamento, desenvolvimento, rendimento) tinha como grande objetivo aumentar em quantidade e qualidade o número de elementos a subirem à equipa principal. A médio prazo não funcionou, com a agravante de haver uma subida a pique do Benfica nessa vertente, que ainda hoje é notória perante a quebra do Sporting.
No entanto, a última temporada mostrou que, depois do lançamento de nomes como Rúben Neves, Josué, Sérgio Oliveira, André Silva ou Gonçalo Paciência, surgiram agora mais frutos dessa aposta: a equipa campeã europeia de juniores no ano passado contava com Diogo Costa, Diogo Leite, Tomás Esteves, Diogo Queirós, Romário Baró, João Mário, Fábio Vieira, Vítor Ferreira ou Fábio Silva, nomes que ou estão na equipa A ou a caminho disso. E é por aí que passará o futuro do futebol portista, na capacidade de criar talento para “alimentar” o conjunto principal e ser integrado num núcleo mais experiente.
Penta
Depois do Campeonato de 1994, que terminou com o Benfica campeão mas com FC Porto e Sporting com equipas de grande qualidade, os azuis e brancos de Bobby Robson conseguiram bater os leões em 1995, quando o rival teve o melhor plantel da década. Esse título seria mais do que um título, colocando de lado a “vingança” do inglês que festejou depois de ter sido dispensado de Alvalade: foi nessa temporada que os dragões começaram a construir aquilo que ainda hoje é um feito histórico, o pentacampeonato. Robson ganhou mais um, chegou depois António Oliveira para vencer mais dois e Fernando Santos fechou o feito, ficando conhecido como o “Engenheiro do Penta”.
O plantel de 1998/99 já não contava com referências como João Pinto, Bandeirinha, André ou Semedo, mas era de longe superior aos rivais, com uma geração onde brilhavam Jardel, Drulovic, Deco, Capucho, Zahovic, Vítor Baía, Jorge Costa ou Aloísio. Se durante alguns anos os rivais atiravam para as arbitragens os discursos da derrota, todos reconheciam a hegemonia azul e branca nessa fase. E tudo começou quando Pinto da Costa percebeu que o reinado de Ivic nas Antas tinha acabado e conseguiu levar Bobby Robson de Alvalade para a Invicta (mas sem Mourinho como adjunto).
Quente, aquele Verão
A expressão “Verão Quente” é muitas vezes associada a 1993, quando os dois clubes de Lisboa encetaram uma guerra sem precedentes em que o Sporting conseguiu desviar Paulo Sousa e Pacheco (e ainda tentou João Vieira Pinto e Rui Costa, além de ter em cima da mesa um contrato para Isaías). Também houve episódios desses entre FC Porto e Benfica, como quando Dito e Rui Águas chegaram às Antas em 1988 ou Yuran e Kulkov em 1994 (estes após serem dispensados da Luz), assim como houve cenários diferentes como quando o FC Porto e o Sporting trocaram Rui Jorge e Bino por Costinha e Peixe em 1998 (depois das trocas de Sousa, Jaime Pacheco e Futre em 1984). No entanto, e na história dos azuis e brancos, “Verão Quente” está ligado a 1980.
Aliás, sem esses meses, a história do atual líder e do clube poderiam ser muito diferentes: na sequência da derrota no Campeonato e na final da Taça, Pinto da Costa, então chefe do departamento de futebol, foi afastado por atacar os “poderes instalados” de Lisboa, o técnico José Maria Pedroto disse que Américo de Sá era “um traidor” que vendia à capital o FC Porto e os jogadores ameaçaram uma rescisão coletiva. 14 atletas recusaram trabalhar com Hermann Stessl e entraram em greve, a situação foi resolvida umas semanas depois, mas não mais o clube voltaria a erguer-se até à saída de Américo de Sá em 1982.
Rivalidades
Há muitos anos que o FC Porto está de relações institucionais cortadas com o Benfica, aquele que foi sempre o grande rival dos dragões durante a vigência de Pinto da Costa. No entanto, e entre os sete presidentes dos encarnados com quem se cruzou, o líder dos dragões manteve uma relação de amizade com Fernando Martins que perdurou no tempo (aliás, ainda hoje os azuis e brancos pernoitam no mesmo hotel nos jogos em Lisboa, Estoril ou Setúbal, uma unidade que pertencia ao antigo dirigente das águias falecido em 2013) e já chegou também a ter boa relações com Luís Filipe Vieira mas quando este liderava o Alverca – algo que não acontece hoje.
No que toca ao Sporting, por onde passaram 12 presidentes e uma Comissão de Gestão desde 1982, Pinto da Costa teve relações cordiais com a maioria dos líderes (com algumas “farpas” à mistura, como aconteceu com Dias da Cunha, com quem chegou a ter reuniões, ou Soares Franco, que recuperou a tradição de verem os clássicos em conjunto na tribuna), mas foi com os dois líderes mais populares do conjunto de Alvalade, João Rocha e Bruno de Carvalho, que conheceu melhor os extremos, estando em guerra aberta em alguns períodos e aproximando-se quase numa forma de aliança não assumida noutros.
SAD
À semelhança do que aconteceu noutros clubes como o Benfica e o Sporting, também o FC Porto constituiu no final do século, em 1997, a SAD. Inicialmente foram três os acionistas da sociedade que tinha como objetivos “a gestão e a organização do futebol no clube”: a Investiantes – Investimentos Desportivos, Lda, com 50%; o FC Porto clube, com 40%; e a Câmara Municipal do Porto, com 10%. Mais recentemente, a estrutura acionista já mudara e muito, com o FC Porto a ter quase 75% e a surgirem outros acionistas minoritários como António Oliveira (7,34%), Joaquim Oliveira (6,68%) ou Pinto da Costa (1,14%). Em paralelo, a SAD tem participações maioritárias no Porto Comercial, no Porto Estádio, no Porto Multimédia e no Porto Seguro.
Se em 2005 a sociedade dos dragões era colocada pela Forbes como a 25.ª com maior avaliação, hoje a situação é diferente: com a crescente dependência das mais valias por vendas de jogadores e estruturas de custos que não se foram adequando às receitas (sobretudo as receitas extraordinárias, da UEFA e das alienações de passes), o FC Porto entrou em incumprimento no fair play financeiro, teve de adiar o pagamento do empréstimo obrigacionista que vencia em 2020 e está obrigado a vender. A parte financeira é aliás um dos maiores desafios de Pinto da Costa para este início de 15.º mandato.
Teresa Herrera
Além das competições nacionais e internacionais, o FC Porto já participou em inúmeros troféus de prestígio ao longo das quase quatro décadas com Pinto da Costa na liderança do clube. Um deles, que hoje não tem o peso de outros dias mas que era um dos mais importantes na pré-temporada, era o troféu Teresa Herrera. Os dragões participaram na edição de 1991 com Deportivo, Real Madrid e Ajax mas, além da vitória (a primeira, depois das derrotas em 1948 com o Barcelona e em 1985 com o Atl. Madrid, e os terceiros lugares em 1964 com Deportivo, Sporting e Roma e em 1980 com Real Madrid, Sp. Gijón e Flamengo), houve uma outra história que ficou.
Depois do triunfo nas meias-finais frente ao Real Madrid por 2-1, os responsáveis azuis e brancos perceberam que o cachet acordado pela presença no torneio, e que devia ter sido regularizado antes do início, ainda não o tinha sido. Na véspera da final, que seria contra o Deportivo, foi entregue um cheque como nunca ninguém tinha visto antes. Pinto da Costa foi da Corunha ao Porto de manhã, no dia da final, onde o Banco Português do Atlântico disse não poder aceitar aquele documento. O presidente portista fez então um ultimato: ou pagavam com um cheque bancário ou em notas porque sem isso não haveria jogo. E o pedido de adiamento para o dia seguinte foi rejeitado. Para perceberem que não era bluff, Pinto da Costa mandou os jogadores para os quartos à hora da saída e a organização lá apareceu com sacos de notas que tinham sido levantadas no Casino do hotel onde estavam hospedados. Aloísio, com um golo aos 89′, decidiu o jogo, o FC Porto recebeu um bonito troféu banhado a ouro, mas não mais voltaria a ser convidado (e, como conta o presidente azul e branco, até a taça mudou).
Único
O dia 13 de janeiro de 2017 foi apenas mais um na presidência de Pinto da Costa, mas com 34 anos, oito meses e 19 dias à frente dos destinos do FC Porto, depois de quase duas décadas no clube entre várias secções e modalidades, bateu mais um recorde ao tornar-se o líder com maior longevidade no cargo entre os grandes clubes dos principais países europeus, superando um nome incontornável do Real Madrid que ainda hoje dá nome ao estádio dos merengues: Santiago Bernabéu, que foi jogador de futebol no clube da capital espanhola entre 1911 (quando tinha 26 anos) e 1927, diretor do futebol entre 1927 e 1933, adjunto entre 1933 e 1936, treinador principal entre 1936 e 1941 e presidente de 1943 a 1978, quando morreu a 2 de junho com 82 anos.
Ao longo desse reinado, Bernabéu, um dos presidentes mais consagrados de sempre do futebol mundial, ganhou 16 Campeonatos, 13 Taças de Espanha, seis Taças dos Clubes Campeões Europeus e uma Taça Intercontinental, num total de 36 títulos quando antes o clube tinha apenas 12 (três Campeonatos e nove Taças de Espanha).
Também aqui Pinto da Costa tem um legado sem paralelo no futebol: 21 Campeonatos, 12 Taças de Portugal, 20 Supertaças, duas Taças dos Campeões/Liga Europa, duas Taças UEFA/Liga Europa, duas Taças Intercontinentais e uma Supertaça Europeia. 60 títulos em 38 anos de liderança, num total de 458 meses e 13.925 dias, quando antes o FC Porto tinha apenas 12 (sete Campeonatos, quatro Taças de Portugal e uma Supertaça).
Viena
O FC Porto já tinha conseguido uma campanha fantástica na Taça dos Vencedores das Taças em 1984 antes de chocar na final com uma realidade: a Juventus de Platini, Boniek, Rossi ou Tardelli, entre demais estrelas que eram treinadas por Giovanni Trapattoni, era mais forte e ganhou. Três anos depois, após triunfos nas eliminatórias com Rabat Ajax, Vitkovice, Brondby e Dínamo Kiev, os dragões chegavam à final da Taça dos Clubes Campeões Europeus em Viena como outsiders diante de um Bayern com Pfaff, Matthäus, Brehme, Rummenigge ou Dieter Höeness que tinha goleado o Real Madrid de Butrageño e companhia nas meias-finais.
“Tive muitas lutas, muitos aborrecimentos mas muitas noites de alegria. Viena foi a primeira grande noite de glória”, assumiu Pinto da Costa, que sempre teve presente que esse triunfo da equipa comandada por Artur Jorge com golos de Madjer e Juary foi o início de uma viragem a todos os níveis, incluindo a nível de conquistas europeias de equipas nacionais. E depois, aquele calcanhar…
X. Ou o factor X
Todas as lideranças têm um “factor X” que diferencia o sucesso e o insucesso. Pinto da Costa também tem, de diferentes formas. A lealdade e a gratidão são valores dos quais não abdica e gosta de rodear-se por homens de confiança, como acontece há longos anos com figuras como Reinaldo Teles, Adelino Caldeira ou Alípio Jorge, por exemplo. No entanto, o líder dos azuis e brancos tem uma forma de dirigir o clube muito fechada na figura do número 1 (e sempre foi assim, desde 1982) e que, no plano de futebol, faz depender muito da escolha e do perfil do treinador o que pode dar ou não uma temporada.
Pedroto, Artur Jorge, Ivic, Carlos Alberto Silva, António Oliveira, Mourinho, Jesualdo Ferreira ou Villas-Boas foram exemplos bem sucedidos ao longo de um reinado de quase 40 anos e que voltou a ter alguém que encaixa no modelo enraizado com Sérgio Conceição, técnico que Pinto da Costa já chegou a comparar a… Pedroto.
Zé do Boné
José Maria Pedroto, que enquanto jogador era apenas conhecido como Pedroto, começou nos infantis do FC Porto, passou pelos juniores do Leixões, mudou-se para o Lusitano de Vila Real de Santo António já nos seniores devido ao serviço militar, assumiu-se como um dos melhores médios nacionais no Belenenses e regressou ao seu clube do coração onde tinha começado em 1952, pouco depois de ter tornado internacional. Em 1956, sob o comando do autoritário Dorival Yustrich, conseguiu a dobradinha e quebrou o jejum de Campeonatos dos azuis e brancos, ganhando mais um título três anos depois. Mas o trajeto no futebol português estava longe de ficar pelos relvados e em 1960 tornou-se o primeiro treinador português com um curso superior. Nascia o “Zé do Boné”.
Entre passagens por futebol formação, Académica, Leixões, Varzim, V. Setúbal, Boavista, V. Guimarães e Seleção Nacional, Pedroto esteve três vezes no FC Porto: primeiro durante três anos na década de 60, quando Pinto da Costa estava nas modalidades; depois em quatro temporadas no final dos anos 70, quando Pinto da Costa era chefe do departamento de futebol; por fim, dois anos na década de 80, quando Pinto da Costa era presidente. A doença não lhe permitiu prolongar a ligação ao líder azul e branco mas foi esta dupla, em conjunto, que lançou os alicerces para as décadas de conquistas que se seguiriam nos dragões. Pinto da Costa e Pedroto completavam-se na forma de ver o futebol, na luta contra os poderes instalados (sobretudo na estratégia ganhadora norte vs sul) e no profissionalismo que exigiam às suas equipas. “Foi um lutador incansável, até na doença que sofreu. Tinha um lado humano e um enorme sentido de família. Homens como Pedroto fazem falta em Portugal. Era um homem de coração, causas e paixões. Nortenho a 100%, combatia o centralismo de forma clara. Hoje, se fosse vivo, tenho a certeza que o faria”, destacou em 2015 o líder portista.