Vasco Cordeiro continua a insistir, em entrevista ao Observador, que José Manuel Bolieiro tem um acordo secreto com o Chega e que o objetivo é levar o partido de André Ventura para o Governo. Questionado especificamente sobre se estaria disponível a negociar com a Iniciativa Liberal, o líder do PS/Açores admite falar “com todos os partidos” para tentar formar governo com a exceção do Chega e do ADN. Não esclarece se viabilizaria um governo minoritário do PSD.
Sobre a ida de Pedro Nuno Santos esta quinta-feira à campanha aos Açores, Vasco Cordeiro diz que é uma honra muito grande. Sobre o líder do PS poder estar na noite eleitoral, lembra: “São eleições regionais”. Isto já depois de uma farpa a Montenegro: “Estar presente na noite eleitoral é um papel que está reservado ao líder do PSD.”
“Estou convicto que o PSD tem um acordo com o Chega”
As sondagens já deram o PS à frente, o PS atrás, mas apontam quase todas para uma maioria de direita. Corre o risco, outra vez, de ficar em primeiro lugar e não conseguir governar?
Sim, esse é um risco que existe. É o risco de se repetir o cenário de 2020, em que, apesar do Partido Socialista vencer as eleições, há partidos derrotados que se juntam para afastar o PS do Governo. E, efetivamente, há esse risco. Neste caso, o risco é mais grave. Porque estou convicto que o PSD tem um acordo com o Chega, para, nesse cenário, ou seja, de repetição de 2020, da coligação do CDS, do PPM, do PSD, ficarem em segundo lugar, recorrerem ao Chega para tomarem o Governo.
Já lá vamos ao Chega. Mas vê que possa haver um calcanhar de Aquiles nessa coligação à direita, a Iniciativa Liberal, que tem sido muito agressiva com o José Manuel Bolieiro.
O principal calcanhar de Aquiles tem a ver com o facto dessa coligação trazer em si mesma toda a instabilidade que provocou a situação em que nós estamos hoje. E o facto de ser essa coligação, com, obviamente, as personalidades que a compõem, que a lideram, se apresentar a votos, traz em si mesma a instabilidade que caracterizou esses três anos. Este é também um dos fatores que está também em análise nestas eleições.
Se fosse necessário negociar com a Iniciativa Liberal, estaria disponível?
O Partido Socialista tem já há bastante tempo, aliás, desde o seu último congresso, que ocorreu em 2022, perfeitamente definido qual o seu posicionamento nesta situação. Obviamente que não posso nesta fase — porque não há dados que permitam fazê-lo com verdade — dizer, olha, nós negociaremos com o Partido A ou com o Partido B em concreto. Ou que fecharemos um acordo com o Partido A ou com o Partido B. Qual é a nossa posição de princípio? O PS dialogará com todos os partidos democratas, autonomistas, que partilhem um núcleo essencial de valores de liberdade, de tolerância e de respeito. Obviamente, com os que quiserem dialogar connosco. O que é que, na nossa perspetiva, está excluído? O Chega e o ADN. Com todos os outros partidos, se aceitarem falar connosco, falaremos com esses partidos.
Isso inclui, por exemplo, disponibilidade para viabilizar o governo do PSD?
Com os dados que existem neste momento, a questão é um pouco ao contrário, não é? Porque o que se tem verificado, não só em termos de sondagens, é exatamente o cenário por onde começamos a nossa conversa: em que o PS vence as eleições. E, portanto, há, no fundo, esta questão. Na nossa perspetiva, vencendo as eleições, falaremos com todos os partidos nos termos que acabei de lhe referir.
“O PSD virou-se para a direita e para a extrema-direita”
Se acontecer ao contrário, e o José Manuel Bolieiro ficar um voto à sua frente, estaria disposto a viabilizar esse governo?
Aquilo que está em causa nestas eleições e nesta situação, é também muito claro para os eleitores: o PSD entendeu virar-se para a direita e para a extrema-direita. E isso julgo que diz tudo quanto ao que está em causa nestas eleições. Estou convencido que esse acordo existe.
Entre o PSD e o Chega?
Entre a coligação e o Chega. Se acontecer o mesmo cenário de 2020, estou convicto que o PSD, a coligação, recorrerá ao Chega para impedir o Partido Socialista de corresponder à confiança maioritária dos açorianos. Porquê é que eu tenho essa convicção? Bom, em primeiro lugar, por aquilo que aconteceu em 2020. Em segundo lugar, pelo facto de, em 2020, antes das eleições, o mesmo José Manuel Bolieiro ter afirmado, a pés juntos, em entrevista a diversos órgãos de comunicação social, que não se aliaria ao Chega. Acabou por fazê-lo. E em terceiro lugar, porque nesta campanha eleitoral, o PSD agora não exclui, ou seja, colocado perante este cenário, ele não diz que não o fará. E se não diz que não o fará, obviamente é porque tem, enfim, essa situação já acordada e ponderada. Eu estou convencido disso.
José Manuel Bolieiro fez queixa na CNE de uma uma mensagem que circulou e que falava num encontro numa ilha entre o PSD e o Chega, e que tinha negociado até secretarias regionais.Viu essa mensagem? O PS está de alguma forma envolvido com essa a divulgação dessa mensagem?
Não, não, não. Tenho conhecimento das notícias que dão conta de que o José Manuel Bolieiro resolveu fazer queixa de uma candidata do Partido Socialista e contra desconhecidos. Bom, é um direito que lhe assiste, o de apresentar queixas à Comissão Nacional de Eleições. Mas, ao mesmo tempo, julgo que isso revela um nervosismo e uma intranquilidade que o apoio crescente que o Partido Socialista tem verificado nas sondagens e nas urnas justifica plenamente.
“O acordo passa por levarem o Chega para o Governo”
Voltando só um bocadinho atrás, ao acordo secreto, o que é que sabe que nós não sabemos? Às vezes quando fala nos comícios desse acordo secreto parece sabe alguma coisa.
Não, não, não. Eu estou convencido que esse acordo existe. O acordo passa por, repetindo-se o cenário de 2020, o PSD, a coligação no caso, ficar em segundo lugar, aliar-se ao Chega, levarem o Chega para o Governo Regional.
O Chega exigiu isso.
Ora aí está, é público, o líder do Chega, José Pacheco, tem-no dito. E, se reparar, também da parte do Chega também não há negação de que não se aliarão à coligação para chegar ao Governo.
Mas sabe por que secretarias regionais é que eles estão a negociar?
Não.
Se falhar esta eleição, e falhar não significa não ficar em primeiro lugar, se não conseguir governar, vai continuar a insistir até ter votos suficientes para uma maioria da esquerda?
Para já, os dados que tenho dispensam-me de ponderar essa possibilidade, porque os dados que existem é de uma onda crescente de apoio ao projeto que eu lidero. E é isso também que dão conta das sondagens. Porque saiu uma sondagem há alguns dias em que dava o PS com outro resultado, a última sondagem já dá o PS à frente e aquilo que se nota na rua é um apoio crescente ao projeto do Partido Socialista.
Agora pode ficar mais três mandatos, mas a sua sucessão está assegurada?
O PS tem muitos e bons, excelentes quadros de jovens políticos.
Francisco César é um deles?
Entre muitos outros. O Francisco César é um jovem político muito capaz que — a par dos outros deputados do PS Açores na Assembleia da República — tem feito um trabalho extraordinário na defesa dos interesses dos Açores. E, naturalmente que, se ele assim o entender. Mas a par de outros militantes do Partido Socialista, que tem muitos e bons quadros — que, se assim o quiserem, podem assumir essa liderança.
“Estar presente na noite eleitoral é um papel reservado ao líder do PSD”
Pedro Nuno Santos vem aos Açores em plena campanha eleitoral. Isto é algum desrespeito pela a autonomia do regional vir aqui em plena campanha eleitoral o líder nacional do PS.
Não. De maneira nenhuma. Fico muito feliz, e é para mim uma honra muito grande, poder contar com o secretário-geral do meu partido, o Pedro Nuno Santos, nesta campanha eleitoral. Tê-lo não apenas presente aqui durante a campanha, mas sobretudo ter recebido dele tantas e tão fortes mensagens de incentivo, de apoio para este combate eleitoral.
E tê-lo na noite eleitoral já seria um desrespeito?
Estar presente na noite eleitoral é um papel que está reservado ao líder do PSD.
Mas entenderiam ou não essa presença?
O entendimento destas coisas é que está claro o apoio. Estas são eleições regionais, e portanto…
Podia ser mal interpretado se Pedro Nuno Santos estivesse cá na noite eleitoral?
Mas esse é um cenário que nem sequer está colocado. E, portanto, é com muita honra e com muito orgulho que o PS/Açores, os militantes e apoiantes do PS e eu próprio recebo o Pedro Nuno Santos nesta campanha eleitoral.
Compra de máscaras à China. “É muito fácil fazer esse juízo depois de passar a tempestade”
Íamos agora um bocadinho à sua governação por ter sido atacado pelo PSD, que o acusa de ter deixado uma dívida enorme que condiciona as várias opções que têm sido feitas nos últimos três anos. Admite que deixou uma dívida pesada?
A 31 de dezembro de 2020, os Açores tinham uma dívida de 2.405 milhões de euros. A 30 de setembro de 2023, tinham uma dívida superior a 3.000 milhões de euros. O ritmo de crescimento da dívida pública sob o governo da coligação tem batido todos os recordes. Do ponto de vista do défice, o défice entre 2020 e 2023, meados de 2023, cresceu perto de 1.000 milhões de euros. O Conselho de Finanças Públicas tornou público recentemente uma análise às Finanças Públicas, nomeadamente dos Açores. E é possível comparar aquilo que eram os défices, por exemplo, durante os governos do Partido Socialista, excetuando a circunstância extraordinária da pandemia, e um conjunto de outros efeitos, como a SATA.
Mas pandemia também afeta os números do José Manuel Bolieiro.
Naturalmente. Mas excluindo todos esses efeitos, e esses são dados do Conselho de Finanças Públicas, comparando aquilo que é comparável, sob a governação desta coligação, o défice dos Açores quase duplicou.
Um dos casos da sua governação que a direita aponta tem a ver com a compra de três milhões de euros em máscaras durante a pandemia que tinham um defeito de fabrico. Isso não é um ato de má gestão?
Não que tenha sido um ato de má gestão. Esse foi um assunto que, já sob a liderança da coligação, mereceu um inquérito, e no âmbito da Inspeção Regional de Saúde, tem merecido o acompanhamento. Julgo que esses dados foram enviados, também, para outras entidades, nomeadamente as judiciais.
Mas é muito fácil fazer esse tipo de juízo depois de passar a tempestade. A decisão que foi tomada de comprar essas máscaras foi porque era necessário, e todo o processo relativo. Eram máscaras com defeito e houve um conjunto de contactos que foram encetados com o fornecedor para substituir essas máscaras, ainda pelo Governo Regional do Partido Socialista, mas depois houve a transição de governos.
Sobre a SATA, neste caso a Azores Airlines, o PS defende que o Governo Regional deve ficar com a maioria do capital público?
A privatização de 51% do capital social da Azores Airlines é um compromisso assumido com a União Europeia que deve ser respeitado. E portanto, deve ser honrado esse compromisso de privatização de 51%.
E isso deve acontecer, não apenas porque é um compromisso com a União Europeia, com Bruxelas, mas também porque é do interesse da Azores Airlines ter um parceiro privado que lhe permita reforçar a sua capacidade operacional, técnica e também, naturalmente, capacidade financeira. E portanto a posição do Partido Socialista em relação a isso é que os termos do acordo que foi estabelecido já por este Governo de coligação com a Comissão Europeia devem ser honrados. Há uma diferença: é que este Governo entendeu privatizar entre 51% e 85%. Isso é uma opção deste Governo. E portanto aí, acho que esse é um dos casos em que falta transparência e informação sobre o andamento deste processo.
Ontem Francisco César disse, num debate do Observador, que no compromisso com Bruxelas é dito pelo Governo Regional que o PS não tem acesso aos dados. Tem certeza que a Comissão Europeia exigiu isso?
Não. Aliás, a Comissão Europeia não exige nada. O processo passa-se é desta forma: há uma companhia que necessita de apoio público, é necessária autorização para a prestação deste apoio público e há um conjunto de condições que devem ser preenchidas e que são propostas à Comissão Europeia para que não
haja a necessidade de estar sempre a injetar dinheiro numa companhia dessas. E neste caso, o que este Governo de coligação já propôs e a Comissão Europeia aceitou foi privatizar 51%. E, portanto, a privatização de 51% não é uma exigência da Comissão Europeia. Foi uma proposta feita pelas entidades regionais, dentro de um pacote de outras medidas para viabilizar a companhia e a Comissão Europeia entendeu que aquela era uma medida que fazia sentido.
A campanha da Madeira está a ofuscar o que se passa nas regionais dos Açores?
Não, penso que não. É claro que são situações completamente distintas. Os açorianos percebem perfeitamente o que está em causa nestas eleições e veremos no domingo qual é a decisão dos açorianos.
“Respeito a decisão de Miguel Albuquerque”
Creio que lidou de perto com Miguel Albuquerque. Ele fez bem em demitir-se?
Isso é um juízo que a ele é que compete e, sobretudo nesta circunstâncias. Eu, pelo menos da minha parte, respeito aquilo que é a capacidade de decisão de uma pessoa que se vê numa circunstância daquelas.
Por falar em políticos envolvidos em casos judiciais, o autarca do PS Ricardo Rodrigues, depois de ter sido acusado pelo MP em agosto, tem condições para prosseguir o mandato?
Em relação ao Ricardo Rodrigues, segundo julgo saber, já houve uma decisão de absolvição, mas, de qualquer forma, há uma distinção que deve ser feita entre cargos nomeados e cargos eletivos. E com a mesma atitude de respeito por aquilo que disse na Madeira, também é o que penso cá.
Mudando radicalmente de assunto, daqui a uns tempos há uma campanha para as Presidenciais. Espera, por exemplo, fazer campanha nos Açores com Carlos César como candidato presidencial?
Carlos César é um dos grandes políticos que o país tem. Ele é um homem que já deu, pelo seu percurso, muito aos Açores e ao país, mas essa é uma decisão que só ele é que pode tomar.
Europeias? “O meu compromisso é com os Açores”
Vou avançar para perguntas fora da caixa. Vamos imaginar que tinha de haver um governo de salvação dos Açores com o PS: quem é que preferia ter consigo como presidente do governo: José Manuel Bolieiro ou Paulo Moniz?
Isso não se faz assim. É preciso dar oportunidade também aos outros partidos, se esse fosse o cenário, para indicarem o nome.
Não escolhia nenhum deles?
Não é questão de não escolher nenhum deles. Não tenho nenhum problema pessoal com nenhum deles.
Pedro Nuno Santos convidava-o para ministro das Cidades ou para candidato às Europeias. O que escolhia?
O meu compromisso é com os Açores.
Mas vê-se com algum cargo de dimensão nacional?
Não é algo que esteja sequer nos meus horizontes. Já agora, a minha vida política tem sido nos Açores, pelos Açores. Atualmente exerço o cargo de Presidente do Comité das Regiões da União Europeia porque fui eleito ainda na altura em que era Presidente e depois, como deputado regional, tenho a legitimidade para exercer esse cargo. Que é algo muito interessante, muito desafiante, muito aliciante . E, portanto, tenho-me fixado e continuo a fixar-me neste compromisso que tenho com os Açores.
Se por absurdo o governo da República oferecesse a totalidade das viagens entre Ponta Delgada é Lisboa ou, em alternativa, todas as viagens que os açorianos fizessem inter-ilhas do arquipélago, o que escolheria?
Tudo aquilo que pudesse contribuir para facilitar o acesso, quebrar, no fundo, o isolamento e quebrar aquele que é o fator de distância, seria um dado muito positivo. Não posso deixar de referir o seguinte, o Governo do António Costa tomou também medidas efetivas em relação à questão das ligações inter-ilhas. Foi a primeira vez que o Estado também como participa de ligações inte-rilhas dos Açores. Não paga a totalidade como paga na Madeira, mas contribuiu para isso. E, portanto, todas as medidas que viessem para quebrar o fator de isolamento, de insularidade. Portanto, preferia ambas.
Por absurdo: havia um grande consenso nacional e tanto os portugueses como do continente como os açorianos eram todos a favor da constituição dos Açores como um Estado soberano. E tornava-se independente. Era viável? Via um Estado dos Açores?
Não. Sou açoriano, sou autonomista e sou português.
Por essa ordem?
Acho que o lugar dos Açores é em Portugal, no nosso país. Com uma autonomia respeitada, que permita que os açorianos decidam também sobre o seu futuro. Uma autonomia fértil que funcione também em favor dos açorianos. Mas, convictamente, sou um autonomista português.