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Velhos são os trapos. Como Pepe, o jogador mais velho do Euro 2020, continua no topo do futebol à porta dos 40 anos

É o jogador mais velho do Euro, mas os desempenhos fazem dele um dos melhores defesas da elite futebolística. E não é só da genética: o segredo está na força mental de Pepe e no controlo de lesões.

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Se fosse pela vontade do pai, Kepler Laveran “Pepe” de Lima Ferreira tinha sido cientista: o primeiro nome foi herdado do matemático alemão que, no século XVII, descreveu os movimentos dos corpos celestes; e o segundo é uma homenagem ao Nobel da Medicina de 1907, que estudou doenças provocadas por parasitas, como a malária. “Eu gostava muito de astronomia”, contou Anael Ferreira à página Torcedores em 2015.

Mesmo que o futuro de Pepe não tenha passado pelas caixas de Petri e pelos telescópios — nem sequer pela posição de ponta de lança que o pai lhe tentou incutir com a alcunha emprestada do antigo avançado da seleção brasileira —, o sucesso dentro de campo estava escrito nas estrelas. Aos 38 anos, três meses e 18 dias de idade, a resistência, fulgor e rapidez que ainda mantém fazem do defesa um dos pilares da Seleção Portuguesa.

Na criticada defesa da equipa frente à Alemanha, ele escapou, foi dos poucos a receber nota positiva (e alta) dos jornais estrangeiros. E é quase 100% seguro dizer que Fernando Santos contará com ele no decisivo jogo desta quarta-feira frente à França, para travar o poderoso ataque dos gauleses — provavelmente um dos melhores deste Europeu — para garantir que mesmo que Portugal não ganhe, o resultado seja suficiente para o apuramento para os oitavos de final. Aliás, há cinco anos, no Euro 2016, foi ele o homem do jogo na final que nos valeu o título europeu, precisamente frente aos franceses. Não o ter em campo, até podia dar ‘galo’.

Como é que, à porta das quatro décadas de vida, Pepe mantém essas características é um mistério cuja resposta pode estar guardada nos genes do futebolista e na própria história da sua vida. Domingos Gomes, responsável pelo departamento clínico do FC Porto entre 1976 e 1999 e antigo médico da UEFA e da FIFA durante 15 épocas, diz ao Observador que o defesa tem “uma pureza de estrutura que lhe permite ter um desenvolvimento muito grande e suportar bem as lesões”.

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Nos futebolistas, aqueles que contêm um gene de cada tipo parecem estar em vantagem: por um lado, desenvolvem uma resistência especialmente útil para suportar o esforço físico de um jogo de 90 minutos (e às vezes mais) por mais tempo na vida profissional; por outro lado, também conseguem ter uma força explosiva para batalhar pela bola ou correr velozmente em curtas distâncias.

Em dezembro de 2009, quando atuava no Real Madrid, o defesa sofreu uma rotura no ligamento cruzado anterior, uma estrutura no joelho cuja função é ligar os ossos das pernas, e ficou parado por 175 dias, até à véspera do Mundial de 2010. Em cada 100 atletas que sofrem uma lesão de ligamentos desta natureza, apenas 55 conseguem regressar ao mesmo nível a que jogavam anteriormente: para os outros 45, as sequelas motoras e psicológicas condenam o atleta a um decréscimo no desempenho.

Uma explicação que pode estar nos genes

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David Villa conforta Pepe quando sofre uma lesão grave no joelho em dezembro de 2009.

AFP via Getty Images

O que tem Pepe e o que lhe permitiu, 11 anos depois do episódio mais crítico para a sua carreira, continuar a escalar no futebol europeu? Se a resposta estiver no núcleo das suas células, há dois genes que podem ter um papel especialmente importante nessa resiliência física. Um deles é o que codifica a enzima conversora da angiotensina (ACE), que corta uma proteína (a angiotensina I) transformando-a numa outra (a angiotensina II). Isso regula a pressão arterial e o equilíbrio entre os fluidos e os sais presentes no corpo humano. Enquanto a segunda proteína induz uma contração dos vasos sanguíneos e um aumento da pressão arterial, a primeira faz precisamente o contrário.

Ora, há duas formas deste gene: um que mantém uma maior quantidade da primeira proteína em circulação e outro que codifica uma maior produção da segunda. Algumas pessoas carregam nos cromossomas dois genes para terem mais angiotensina I em circulação e, por isso, tendem a ser fisicamente mais resistentes. Outras, tendo dois genes referentes à angiotensina II, costumam ter mais força.

Nos futebolistas, aqueles que têm um gene de cada tipo parecem estar em vantagem: por um lado, desenvolvem uma resistência especialmente útil para suportar o esforço físico de um jogo de 90 minutos (e às vezes mais) por mais tempo na vida profissional; por outro lado, também conseguem ter uma força explosiva para batalhar pela bola ou correr velozmente em curtas distâncias.

O outro gene preponderante para os futebolistas de elite é o ACTN3 que transporta as informações para a produção de alfa-actinina-3, uma proteína encontrada nas fibras musculares de contração rápida. No entanto, algumas pessoas têm uma mutação desse gene que torna essa proteína mais curta e mais facilmente degradada. Ora, as pessoas que têm essa mutação em ambas as cópias do gene ACTN3 parecem ter menos fibras musculares de contração rápida e mais fibras de contração lenta, o que confere mais resistência ao indivíduo. A presença dessa altura em dois genes parece ser mais comum em atletas de alta competição, embora a comunidade científica ainda se divida sobre quão preponderante é este traço genético para o desempenho do futebolista.

Apesar de esta parte genética ser “preponderante”, Domingos Gomes admite que não basta: “Eles não são super homens, não têm nada de diferente. A questão é que cada atleta reage de forma diferente ao ambiente em que está inserido“, aponta o médico. Prova disso é que, na partida entre a Alemanha e Portugal, Pepe tinha no joelho uma banda neuromuscular que evita lesões quando o músculo já está fragilizado.  A qualidade do treino e da recuperação, o acompanhamento clínico e o estilo de vida também são essenciais para prolongar a vida profissional de um atleta, diz.

Portugal v Israel - International Friendly

Pepe nos treinos antes do Portugal-Israel em Alvalade este mês.

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O mais velho do Europeu, mas com a vantagem de ser central

Um estudo ao desempenho de 10.739 jogadores da La Liga durante a época 2017/2018 demonstrou que a distância total percorrida pelos futebolistas com mais de 30 anos é 2% menor que a coberta pelos jogadores mais jovens. Os esforços de alta intensidade, os sprints e a velocidade máxima atingida pelos atletas também diminui entre 5% e 30%, especialmente em quem tem mais de 35 anos, independentemente da posição que ocupa no campo.

Ora, a estrutura mental do defesa português é tão importante quanto as características genéticas que tiver. "O Pepe é um jogador muitíssimo concentrado, muito disciplinado e sabe exatamente para onde direcionar a energia e quando. Sabe até quando pode estar fisicamente menos ativo, sem nunca deixar de estar mentalmente presente", descreveu Nádia Tavares.

O mesmo foi observado num estudo a futebolistas da Bundesliga: a distância percorrida decresce em 3,4%, o número de sprints (mais que 22,3 quilómetros por hora por pelo menos um segundo) em 21% e o de corridas rápidas (mais que 18 quilómetros por hora por pelo menos um segundo) diminuiu em 12% em relação aos atletas com menos de 30 anos.

Pepe, que é o jogador mais velho do Euro 2020, não é caso único: Cristiano Ronaldo, com 36 anos, é mais um exemplo, Gianluigi Buffon com 43 anos outro, e Zlatan Ibrahimovic, no alto dos seus 39 anos, também. Na verdade, essa parece ser a tendência nas últimas duas décadas: a média de idades dos jogadores que participaram na Liga dos Campeões em 1992/1993 era de 24,9 anos, mas aumentou para 26,5 (mais 1,6 anos) na época 2017/2018.

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Pepe e Cristiano Ronaldo durante o Portugal-Suécia na Liga das Nações em 2020.

AFP via Getty Images

Mas houve uma posição de futebolistas onde essa perda desempenho foi ainda menos notória: os defesas mais velhos. E isso também tem uma justificação: a performance técnica e tática é melhor entre eles, tanto que o sucesso nos passes é maior em até 5% nos jogadores com mais de 30 anos do que naqueles que têm entre 16 e 29. Se os futebolistas mais jovens mantêm a capacidade física, os mais velhos passam a jogar mais com o cérebro: tornam-se melhores na capacidade de decisão e mais inteligentes ao longo do desenvolvimento da partida.

Ora, a estrutura mental do defesa português é tão importante quanto as características genéticas que parece ter. “O Pepe é um jogador muitíssimo concentrado, muito disciplinado e sabe exatamente para onde direcionar a energia e quando. Sabe até quando pode estar fisicamente menos ativo, sem nunca deixar de estar mentalmente presente”, descreve Nádia Tavares, ex-basquetebolista de alta competição que, enquanto psicóloga do desporto, se tornou treinadora mental para atletas de elevada performance.

Ao Observador, a especialista descreve que o avanço da idade num desportista como Pepe lhe confere uma melhor gestão emocional e uma maior capacidade de gerir a ansiedade o stress — aspetos que, se não forem controlados, podem desencadear lesões físicas. E isso é uma vantagem não só para ele, mas para toda a equipa: “Muitas vezes, jogadores como este podem perder protagonismo na performance, mas tornam-se essenciais como líderes, na coesão do grupo, união e na capacidade de recuperar de experiências negativas”.

Toda esta energia armazena-se no músculo, mas precisa de ser reposta quando se esgota através de uma alimentação à base de hidratos de carbono, de estratégias para diminuir a inflamação dos músculos (como banhos gelados, por exemplo) e de um sono reparador — que não só ajuda na recuperação física, como também permite reprogramar o cérebro para armazenar a informação recolhida ao longo do dia.

Diz quem o conhece que Pepe é isso tudo — e que o é sem grande esforço, também por ser extrovertido, acrescenta Nádia Tavares. Em abril do ano passado, Hélder Postiga descreveu o defesa como um apaixonado pelo treino e pelo jogo: “As lesões mais importantes que teve surgiam cedo na carreira e ele soube ultrapassá-las, por força de uma aplicação tremenda e os devidos cuidados. Ele é muito diferente fora do campo. Tem os cuidados naturais com a dieta, como todos, mas é mais despreocupado. Consegue aliar-se à cobrança diária. Por isso, acredito que vá jogar mais algum tempo“, disse o ponta de lança ao jornal ‘O Jogo’.

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Pepe durante o jogo de preparação entre Portugal e Espanha este mês.

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A alimentação, o sono e a recuperação física

São truques que Pepe transporta para dentro das quatro linhas. Fora delas, o médico João Pereira de Almeida, encontra outro: a regeneração. Em entrevista ao Observador, o especialista em medicina desportiva e médico oficial em sete edições dos Jogos Olímpicos, aponta três aspetos preponderantes para a longevidade de um atleta no futebol: a qualidade da alimentação, a qualidade do sono e a recuperação física após os jogos ou logo a seguir aos treinos.

No futebol, utilizam-se três fontes de energia, prossegue João Pereira de Almeida: uma serve-se de um composto chamado creatina fosfatada e é especialmente útil na produção de movimentos rápidos, curtos e de alta intensidade, como um salto ou um sprint; outra utiliza ácido lático e é recrutada em movimentos de intensidade máxima que duram menos de um minuto; e a terceira usa oxigénio e permite manter níveis de energia suficientemente altos para o atleta resistir durante horas dentro de campo.

Por trás de Pepe, a assegurar as recuperações no pós-treino e pós-jogo, está uma equipa multidisciplinar composta essencialmente por seis peças: um ortopedista, um médico da área desportiva, um nutricionista, um fisioterapia, um preparador físico (hoje em dia designado como "strength and conditioning coach") e o treinador. Juntos fazem avaliações neuromusculares, testes de capacidade funcional e atlética e estudam a cronobiologia da lesão.

Toda esta energia armazena-se no músculo, mas precisa de ser reposta quando se esgota através de uma alimentação à base de hidratos de carbono, de estratégias para diminuir a inflamação dos músculos (como banhos gelados, por exemplo) e de um sono reparador — que não só ajuda na recuperação física, como também permite reprogramar o cérebro para armazenar a informação recolhida ao longo do dia. Tudo isto deve ser planeado de acordo com as necessidades de cada atleta. Mas “o respeito por estes planos determina quão longe pode um atleta chegar na sua carreira”.

Ainda assim, Pepe tem um segredo que confessou em entrevista ao TNT Sports Brasil: “Gosto de rapadura. Utilizo muito a culinária, principalmente do Nordeste. Gosto muito de couscous, tenho um amigo que quando vem cá traz-me o mel do sul, que é muito típico da região, e com um mel daqueles estás imune a muitas coisas. É um dos segredos da longevidade. Costumo comer um couscous com carne seca. Há coisas da gastronomia brasileira que gosto muito, às vezes a minha mão traz escondido na mala quando me vem visitar”, explicou.

Enquanto atleta do Futebol Clube do Porto, Pepe é acompanhado na Academia Clínica do Dragão — a primeira clínica da Península Ibérica a implementar um programa de prevenção de lesões certificado pela FIFA em 2013, o FIFA11+. Rogério Pereira, fisioterapeuta na clínica, contou ao Observador que estes programas “podem prevenir 40% de todas as lesões que um futebolista pode sofrer” e que os atletas acompanhados à luz deste projeto “são menos suscetíveis a sofrer lesões no futuro”.

Por trás de Pepe, a assegurar as recuperações no pós-treino e pós-jogo, está uma equipa multidisciplinar composta essencialmente por seis peças: um ortopedista, um médico da área desportiva, um nutricionista, um fisioterapeuta, um preparador físico (hoje em dia designado como “strength and conditioning coach”) e o treinador. Juntos fazem avaliações neuromusculares, testes de capacidade funcional e atlética e estudam a cronobiologia da lesão — o tempo de que ela necessita para ser curada e aquele de que o atleta precisa para voltar a atuar. Tudo isto é feito sem pressas, garante Rogério Pereira, sob pena de a retoma desportiva resultar em mais problemas de saúde: “A prevenção é o nosso norte”.

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