Há 17 dias que é um fugitivo. No dia 21 de outubro, Venâncio Mondlane, o candidato independente às eleições de Moçambique, foi obrigado a correr da praça emblemática OMM, em Maputo, quando dava uma conferência de imprensa. Dois dos homens fundamentais da sua candidatura tinham sido assassinados poucos dias antes e agora era o próprio Mondlane que estava na mira do gás lacrimogéneo das forças de segurança.
O engenheiro e pastor evangélico que garante ter vencido nas urnas o adversário do partido no poder há 49 anos, a Frelimo, começou aí um atribulado percurso que o tirou de casa e do país que vive momentos de grande tensão nas ruas, com confrontos violentos entre manifestantes e polícia. Na terça-feira, o presidente da Associação Médica dava conta de 108 pessoas baleadas, 16 mortes, dizendo que em algumas unidades de saúde há serviços em rutura.
A partir de um local incerto, de onde continua a sua luta digital pelo que chama a “libertação de Moçambique”, VM7, como é tratado pela imprensa e pelos apoiantes, falou com o Observador, contando o seu caminho até ao exílio, de que talvez saia esta quinta-feira, dia da marcha nacional em Maputo. No dia 1 disse que estaria presente mas a decisão não está assim tão clara agora. “Estou num tremendo conflito interno, porque estou a ser pressionado para não pisar Moçambique pois serei morto”, confessa. “Tenho a reserva da viagem feita e tudo, mas tenho mais de 1.300 mensagens a desencorajar a minha presença, a dizer para não estar lá, para não ir”, justifica.
‼️Venâncio Mondlane revelou que estará junto com o povo na Cidade de Maputo no dia 07 de Novembro, “Dia da Devolução do Poder”.
Mondlane revelou que teve que sair do país para montar a estratégia, e que as condições já estão criadas para a sua presença em Maputo, no grande dia. pic.twitter.com/piTwsid4gG
— Moz Informa ???????? (@mozinforma) November 1, 2024
Recorda-se bem do dia 21 de outubro. É uma segunda-feira, a primeira paralisação nacional que tinha convocado para contestar os resultados oficiais da Comissão Nacional de Eleições que faziam de Daniel Chapo o próximo Presidente de Moçambique.
Mas já não é só a greve no setor público e privado. É também um protesto de repúdio contra “a morte de dois membros séniores e de grande relevo no processo de reivindicação contra a fraude eleitoral cometida pelo partido no poder a 9 de outubro”, explica.
Mondlane refere-se ao seu advogado e mandatário nacional Elvino Dias e Paulo Guambe, responsável pela área de comunicação e imagem, do Podemos, partido que o apoia. VM7 marca um encontro com os “manifestantes no mesmo local” onde foram”executados pela polícia”, diz, num “crime encomendado pelo governo da Frelimo”. Deposita uma coroa de flores e a seguir fala com os jornalistas na OMM, na avenida Joaquim Chissano, quando é alvo de “bombas de gás lacrimogéneo” e começa a correr.
“Havia agentes da polícia à paisana no meio dos manifestantes, que disparam diretamente para mim, eu era um alvo fácil de abater. Felizmente havia 25 jovens que me protegeram, fizeram a minha cobertura física”, continua. Há um vídeo partilhado nas redes sociais onde se vê o candidato no seu já habitual pólo amarelo (a cor da candidatura) e colete preto a fugir pelas ruas, a evitar entrar num carro que pára, e a desaparecer no meio de um grupo que o vai rodeando.
????GRAVE: Venâncio Mondlane, candidato presidencial em Moçambique quase foi morto ao vivo.
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“E até lá, estou-me nas tintas”. pic.twitter.com/zo7J1JKquR— César Chiyaya (@cesarchiyaya) October 21, 2024
“Fomos longamente perseguidos durante todo o dia, mas consigo, protegido por um grupo de 10 voluntários, a minha segurança pessoal, abrigar-me na casa de um amigo nas redondezas da cidade. Fico então a saber que havia ordens superiores para me caçar em qualquer lugar em que passasse, em todas as fronteiras terrestres e aéreas”.
Diz que ganha coragem e, ainda nessa noite, atravessa “milagrosamente a fronteira terrestre de Ressano Garcia”, para a África do Sul. Dorme em Nelspruit e, no dia seguinte, parte do aeroporto internacional de Kruger Mpumalanga e aterra em Joanesburgo. Instala-se em Santhon “com segurança relativa” onde fica “apenas quatro dias, em dois condomínios distintos”.
E é aí, no dia 22, que anuncia na redes sociais a segunda fase da paralisação do país, entre 24 e 25, num direto com “115 mil internautas”, o “maior recorde de audiência de uma transmissão ao vivo”, garante.
‼️ Venâncio Mondlane reafirma continuação da greve e manifestações para amanhã, 25 de Outubro e reitera que as manifestações devem ser pacíficas.
VM pede aos manifestantes para não vandalizar bens privados nem privados. pic.twitter.com/acYhsyvNg7
— Moz Informa ???????? (@mozinforma) October 24, 2024
Mas a segurança passa de relativa a frágil. No dia 26, percebe que está “sob vigilância permanente de três carros da marca BMW de cor branca”. Vê “os ‘assassinos’ a aproximarem-se e a tentarem espreitar pelas janelas e portas da casa” e resolve fugir. “Pelas traseiras da casa, depois de atravessar um salão de luxo, consigo fugir sem que os que me procuravam para me matar se apercebessem.”
Instala-se então num lugar secreto a que chama “a Caverna de Adulão” numa referência ao local onde um dos heróis da Bíblia e da história judaica, David, escolhido para ser o novo rei, se escondeu do sogro, o rei Saúl. “Até hoje, não revelei a ninguém que lugar é esse.”
‼️Venâncio Mondlane alcança 167mil views em directo e quebra recorde de transmissões em directo nas plataformas digitais em Moçambique.
Mondlane quebra o seu próprio recorde anterior de 115mil visualizações em directo, superando Fred Jossias, conhecido como rei da audiência. pic.twitter.com/CWPagF8Euq
— Moz Informa ???????? (@mozinforma) October 29, 2024
VM7 faz daí o que chama de “uma live”, uma transmissão em direto, que “bate o recorde anterior”, chega às 167 mil ligações. “Perante isto, no dia seguinte, o governo de Moçambique ordena às operadoras de telecomunicações um apagão na internet.” Um facto de que muitos moçambicanos, ligados a VPNs (rede privada virtual, sigla em inglês, uma ferramenta que permite ‘mascarar’ o endereço IP, o identificador que transmite algumas informações à rede, como a localização) ou à Starlink de Elon Musk, têm dado conta nas redes sociais.
No dia 28 tenta um visto para o Dubai. “É rejeitado por ‘razões de segurança’.” Mas: “Ainda no mesmo dia, milagrosamente, obtenho visto e passagem para o espaço Schengen e viajo para a Europa.” Nesse dia, o Podemos (Povo Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique) dava entrada com um recurso no Tribunal Constitucional da decisão da Comissão Nacional de Eleições que dá a vitória à Frelimo. O documento de “100 páginas” e muitos quilos de provas (atas e editais) que, diz Venâncio Mondlane, lhe dão a “vitória para a presidência” e colocam o Podemos como “força política maioritária no Parlamento”.
Conta que chega à Europa no dia 29 e à noite, pouco antes das 22h00, lança nas redes sociais, em mais uma “live”, a terceira etapa das paralisações gerais e manifestações de sete dias, com início no dia 31 de outubro e fim nesta quinta-feira, dia 7 de novembro. Chama-lhe “Sete dias da libertação de Moçambique do colono preto”. Esta ação termina com uma grande “Marcha para Maputo”, a “Manifestação contra o assassinato do Povo Moçambicano”.
Porém, Venâncio Mondlane — que, na manhã de quarta-feira, quando falou com o Observador numa voz tranquila e segura, dizia estar “fora de África” — ainda não sabe se estará presente.