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Vestir confortável ainda é impróprio nos dias de hoje?

Nesta terceira conversa do projeto “A Moda Desconstruída”, falámos de conforto e do impacto que a roupa tem na cultura e expressão social.

O conforto faz parte de todas as esferas da nossa vida. Procurá-lo está intrínseco ao comportamento do ser humano. Procuramos conforto na nossa relação, na nossa casa, no sofá da sala, no colchão onde dormimos, quando compramos um carro, quando viajamos… pedir este conforto também na roupa que usamos diariamente acaba por ser expectável. Mas quando entramos no conceito do que é ou não confortável, esta também é uma noção individual. Tal como há quem prefira um colchão duro para dormir, também há quem se sinta confortável todos os dias com saltos altos.

Tendo por base a nova tendência athleisure — já explicamos mais à frente —, que veio dos primórdios da cultura do hip-hop e entrou na sociedade com grande pompa e circunstância, a nossa terceira talk do projeto “A Moda Desconstruída”, em parceria com o Freeport Lisboa Fashion Outlet e o Vila do Conde Porto Fashion Outlet, juntou uma sala cheia para discutir o que é isto de estar confortável e, ao mesmo tempo, profissional no dia a dia. A modelo Luísa Beirão, a atriz Joana Barrios, a influenciadora digital e empresária Vanessa Martins e a maquilhadora Sara Castro juntaram-se a Vera Deus, consultora de moda do Freeport Lisboa Fashion Outlet e Vila do Conde Porto Fashion Outlet, para uma conversa sobre o que é ou não aceitável. Podemos usar leggings no dia a dia? E andar de fato de treino sem estar a fazer exercício?

Das estrelas do hip-hop ao athleisure para todos nós

Quem nasceu nos anos 80 deve ter muitas fotografias no seu baú com fato de treino e sapatos. Os nossos pais estavam muito à frente do seu tempo e sabiam bem que a moda ia pegar. Brincadeiras à parte — e porque os fatos de treino coloridos de nylon voltaram mesmo às tendências —,  o athleisure veio mudar a forma como nos vestimos muito graças às grandes estrelas da pop e do hip-hop que desconstruíram este código social — e um certo tabu — que existia em torno dos ténis, sapatilhas, camisolas e calças largas.

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“A forma como a roupa desportiva é hoje vista também está relacionado com a nossa história. A sociedade diz-nos que temos de ter X horas de trabalho, X horas de descanso e X horas de lazer. E a roupa tem vindo a adaptar-se a isso”, explicou Joana Barrios, que tem uma magazine sobre moda — o Armário —, na qual desconstrói as facetas desta indústria que é muito mais do que mero consumo descartável. “A t-shirt branca, por exemplo, quando surge na cultura pop com o ator James Dean, foi um momento chocante. Temos uma peça de roupa interior que passa para o exterior e veio ruir muitos códigos sociais da época.” E são estes códigos que, geração após geração, acabaram por ser desfeitos e adaptados ao dia a dia. As camisolas e polos que os homens hoje vestem — por cima das camisas ou até para trabalhar — eram usadas no desporto, como o golf.

“[O athleisure] São peças criadas não só para desporto, mas para o dia a dia. E hoje já vale tudo o que seja  desportivo misturado com outras peças"
Vera Deus, consultora de moda do Freeport Lisboa Fashion Outlet e do Vila do Conde Porto Fashion Outlet

Mas o que é isto do athleisure? Vera Deus explicou: “São peças criadas não só para desporto, mas para o dia a dia. E hoje já vale tudo o que seja  desportivo misturado com outras peças. Este conceito do street wear, que começou com o hip-hop, trouxe os ténis e os fatos de treino para a roupa do dia a dia. Uma mulher já pode usar uma sweatshirt com uma saia justa, e um homem, umas calças clássicas com ténis”. E nós só temos a agradecer a época em que vivemos. “A calçada portuguesa não permite saltos altos, e a verdade é que os ténis que usamos para treinar tornaram-se parte da nossa roupa diária”, acrescentou Vanessa Martins, que contou que se casou de ténis porque concluiu que ninguém iria ver os seus pés debaixo do vestido e não valia a pena estar desconfortável durante todas aquelas horas.

"A calçada portuguesa não permite saltos altos, e a verdade é que os ténis que usamos para treinar tornaram-se parte da nossa roupa diária”
Vanessa Martins, empresária e influenciadora digital

O impacto da roupa na nossa expressão social

A forma como nos vestimos está diretamente relacionada com a nossa projeção na sociedade. Podemos mediar a forma como nos apresentamos e moldar a perceção que os outros têm de nós. E a verdade é que a roupa, o cabelo e a maquilhagem são camadas importantes na forma como nos expressamos. Vera Deus explicou que muitas mulheres, quando a procuram em consultoria, têm mais dificuldade em mudar a sua forma de vestir no contexto social em que se movem. “Eu defendo sempre a individualidade, porque, se nos observarmos enquanto sociedade, temos sempre tendência para nos movimentarmos em tribo. Acabamos por nos vestir como as pessoas que nos rodeiam. E isso é bastante notório nas zonas onde as pessoas moram e trabalham.” O que explica, provavelmente, o porquê de nos vestirmos de acordo com a imagem que achamos que os outros vão ter de nós. Começa na escola — queremos ser igual aos nossos pares — e continua na vida adulta.

“A minha mãe acreditava que usar ténis iria descredibilizar a sua presença e a forma como se apresenta, mas depois da primeira vez que a fiz calçar uns, percebeu que podia usá-los e manter a imagem que os outros têm dela”, partilhou Joana Barrios. As tendências são um bom instrumento de consumo, mas, mais do que isso, é bom encontrarmos o nosso rumo e a nossa personalidade e individualidade também na roupa.

“A minha mãe acreditava que usar ténis iria descredibilizar a sua presença e a forma como se apresenta, mas depois da primeira vez que a fiz calçar uns, percebeu que podia usá-los e manter a imagem que os outros têm dela”
Joana Barrios, atriz

E são estas mudanças que, embora ainda difíceis nas gerações mais velhas, estão a mudar a sociedade para as próximas gerações. Muitas profissões com atendimento ao público ainda exigem códigos muito rígidos de vestuário. Mesmo que a roupa que usamos não tenha qualquer reflexo na forma como somos mais ou menos profissionais no nosso local de trabalho. Mas continuam a existir códigos que nos impõem — não podemos trabalhar de chinelos nem de fato de treino, por exemplo —, mas que, eventualmente, irão mudar no futuro. “Se formos atendidos num banco por um funcionário de ténis e uma t-shirt, isso não o faz menos profissional. A roupa não faz um monge”, esclareceu Vanessa Martins, acrescentando que acredita que tudo é cíclico e que a moda deve ser vista exatamente dessa forma: menos rígida e mais um reflexo da sociedade em que vivemos.

O conforto, acima de tudo, vende

A roupa está a ficar cada vez mais confortável e adaptada a esta nova sociedade, que assim o pede. Mas é também uma noção muito individual. “Pessoalmente, gosto de combinar botas com calças de fato de treino, leggings e jeans. É o que mais uso no meu dia a dia. Mas também é versátil usar calças clássicas com ténis, embora muitos empregos não o permitam. Para mim, não é obrigatório usar calças de fato de treino com ténis, e até combino muito estas peças com blazers para ficar mais formal”, partilhou Luísa Beirão. Mas são estas pequenas nuances que hoje já são aceites e que, quando observadas por um prisma temporal maior, mostram as diferenças que a sociedade está a adotar.

"Para mim, não é obrigatório usar calças de fato de treino com ténis, e até combino muito estas peças com blazers para ficar mais formal”
Luísa Beirão, modelo

Há dez anos, era impensável entrar-se de ténis em bares ou discotecas. Quantos de nós não fomos “barrados” pelos famigerados porteiros? E ninguém ia de calças de fato de treino para um restaurante. Ou com a roupa do treino já vestida de casa. “A roupa para treinar está cada vez mais atenta às tendências para se adaptar à roupa do dia a dia”, partilhou Vanessa Martins. “E hoje, podemos estar de fato de treino, mas com uma maquilhagem e o cabelo arranjado, ficamos prontas para o resto do dia.”

Mas se a moda parece estar a descomplicar-se, a maquilhagem está num polo oposto. “As mulheres agora querem usar cada vez mais maquilhagem, cada vez mais novas”, apontou Luísa Beirão. Mas, mesmo assim, também aqui o conforto vence. E Sara Castro explicou: “A maquilhagem também é um acessório e também temos o athleisure na beleza. Os produtos que mais vendem são os confortáveis. Se uma marca ou uma influencer disser que aquela base fica leve e confortável na pele, vai vender mais facilmente.”

“A maquilhagem também é um acessório e também temos o athleisure na beleza. Os produtos que mais vendem são os confortáveis. 
Sara Castro, maquilhadora

No final do dia, o conforto e as tendências são interpretados de formas muito particulares por cada pessoa.  Joana Barrios estava com umas calças de desporto, uma camisa e um blazer, e Vera Deus, de vestido e ténis. As duas estavam confortáveis na sua própria pele. E é isto o conforto. Sentirmo-nos bem no nosso dia a dia.

A próxima talk do Observador em parceria com o Freeport Lisboa Fashion Outlet e Vila do Conde Porto Fashion Outlet vai ser no dia 26 de Fevereiro, a partir das 18h30, e vamos trazer ao nosso auditório um grupo de convidados masculinos porque vamos falar sobre um tema (ainda) tabu: serão os homens vaidosos? Deixamos o convite para se juntar a nós nesse final de tarde.

“A Moda Desconstruída” é uma iniciativa do Observador e do Freeport Lisboa Fashion Outlet e o Vila do Conde Porto Fashion Outlet. 

Saiba mais em https://observador.pt/seccao/a-moda-desconstruida/

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