Fabiola Mancinelli, italiana a viver há 15 anos em Espanha e professora associada no departamento de antropologia na Universidade de Barcelona, descobriu os nómadas digitais em 2015, em Madagáscar. Este novo estilo de vida levou-a depois à Tailândia, onde identificou, em Chiang Mai, um dos “hubs emergentes onde os nómadas digitais se juntam”. Em Barcelona, e com o fenómeno a crescer, voltou a investigá-los, mas com nova metodologia, observando as comunidades online, sobretudo através de Facebook.
“A primeira comunidade a que me juntei tinha talvez 20.000 ou 30.000 membros. Hoje tem mais de 200.000. Tem crescido exponencialmente”, conta ao Observador, a partir da universidade onde leciona. Interessa-se pelas motivações daqueles que viajam com propósitos mais complexos do que os turísticos (há, diz, “elementos internos”).
Com a pandemia, os nómadas cresceram mais e, com eles, os vistos criados pelos governos para os enquadrar e atrair — com requisitos que, diz a investigadora, denotam “elementos classistas”, possivelmente até “racistas”. Os mesmos governos que dificultam a entrada de uns, “deixam entrar aqueles que não vão ter impacto no mercado de trabalho local, que vão ter dinheiro suficiente para gastar, que não vão pesar nos serviços sociais, porque têm seguro de saúde”. Para evitar o agravamento de desigualdades, sugere que lhes sejam dados “deveres políticos”, o que inclui o pagamento de impostos ou contribuições sociais.
Portugal não se ficou atrás no campeonato dos vistos e, em outubro, criou um destinado a nómadas digitais que ganham quatro vezes o salário mínimo, ou seja, 2.820 euros por mês, um patamar que vai chegar aos 3.040 euros em janeiro, quando o ordenado mínimo subir para os 760 euros. É, refere Fabiola Mancinelli, um dos que têm o período de renovação — até cinco anos — mais longo, o que interpreta como um sinal de que o objetivo do Governo é atrair não nómadas temporários mas aqueles que queiram fixar-se a longo prazo num sítio.
Como é que se interessou pelo estudo dos nómadas digitais?
Foi em 2015/2016. O meu interesse como antropóloga tem sido o turismo e a cultura das viagens, tentar perceber porque é que as pessoas viajam além dos esforços do marketing turístico, e qual a riqueza simbólica que é proporcionada pelas viagens. Porque é que gostamos de viajar, além de ver novos locais. Há um elemento interno. Depois do meu PhD [doutoramento], foi feito um estudo em Madagáscar sobre turismo. Queria estudar populações móveis e, em 2015, encontrei esta tendência emergente dos nómadas digitais. Na altura, não era uma palavra-chave, como se tornou agora e, especialmente, depois da pandemia. Estava interessada em ver como é que as pessoas adotam um estilo de vida radical de mobilidade contínua e porque é que o fazem. E era especialmente um interesse pessoal porque na altura não tinha um caminho definido na academia, pensei que me poderia tornar uma nómada digital.
Porque é que acha que a tendência cresceu tanto durante a pandemia? Foi só o teletrabalho?
Acho que há uma combinação de fatores e o primeiro é a aceitação social do trabalho remoto, tem-se tornado um terreno comum. O trabalho remoto não é novo — tenho trabalhado remotamente desde 2008 —, mas não era aceite pelas empresas. A paragem forçada imposta pelas restrições da Covid-19 foi a maior experiência global de trabalho remoto. Isso possibilitou a muitas pessoas trabalharem a partir de casa ou de qualquer sítio. Fez com que muitos se apercebessem de que poderiam reivindicar o seu tempo — o tempo que passam a deslocar-se para o trabalho, o tempo não produtivo que passam no escritório. E experimentar diferentes combinações de equilíbrio entre a vida pessoal e trabalho. Acho que a normalização do trabalho remoto é um fator-chave. Isso teve várias consequência e uma foi aperceberem-se de que podem gerir o seu próprio tempo. Claro que isso se traduz em muitas pessoas demitirem-se dos seus empregos. Vimos o movimento da “Grande Demissão” [Great Resignation] nos EUA. Aperceberam-se de que podem criar uma história diferente, uma vida diferente algures.
O que é que os nómadas escolhem num lugar?
É difícil dizer. Temos de ter cautela para não generalizar os nómadas digitais como um fenómeno de uma só face. Há muitos nómadas digitais diferentes e, como nos turistas, há muitas motivações, níveis de poder de compra, diferentes nacionalidades. Talvez todos estejam à procura de: 1) clima, 2) conetividade e 3) uma comunidade de indivíduos semelhantes a eles. Não todos, mas a maior parte, especialmente se forem novos neste estilo de vida, escolhe um lugar onde já há uma comunidade ativa de outros nómadas digitais que se comportam como anfitriões. Isso é muito visível em Portugal, por exemplo. Lisboa é muito famosa porque tem existido uma comunidade muito ativa de nómadas digitais, que foi promovida por outros nómadas digitais ou pessoas que não são nómadas mas têm interesse em criar serviços e uma comunidade. A comunidade é muito importante. Mas o baixo custo de vida também é um fator importante.
Não falou nos benefícios fiscais que os governos oferecem. Não pesam muito nas decisões?
Acho que podem pesar, mas, mais uma vez, não há uma explicação única. Se for um europeu, pode não estar interessado em benefícios fiscais. Depende de onde eles vêm. No caso dos cidadãos dos EUA — precisam de apresentar impostos no EUA, independentemente de onde vivem. Muitos programas de visto para nómadas digitais têm promovido isenções de IRS como uma das vantagens: “Venham para cá e não pagam imposto como os residentes”, dizem. Mas se os nómadas digitais não se candidatarem a um visto especial, e continuarem a movimentar-se com um visto turístico, a cada três meses, acabam por não ter de pagar impostos nesses sítios. Não têm obrigações nesses casos, a menos que queiram, ou se ficarem mais de 183 dias.
A questão dos impostos é mais uma preocupação do Estado. Claro que os nómadas digitais gostariam de ter uma estratégia mais direta para pagar os seus impostos, muitos estão preocupados em relação a isso. Mas estritamente falando, o estilo de vida deles cai numa área cinzenta. Eles podem continuar a viajar e, virtualmente, não pagam impostos nos sítios para onde vão.
Porque tendem a ficar menos de três meses num sítio, não chegam ao ponto em que têm de se registar e tornar-se residentes fiscais?
Exatamente. Se a isenção de imposto é um bom trunfo para os países? Sim, pode ser, quando os nómadas digitais decidem ficar durante mais tempo. Se querem captar os nómadas digitais durante mais tempo do que o visto turístico permite, se querem talvez converter estes nómadas em residentes mais estáveis, em residentes de longa duração, então as isenções de imposto são importantes. Mas o que é mais importante é a burocracia fácil. Porque sempre que há uma isenção de imposto, mas o processo requer um intermediário, pagar um advogado… Muitos países estão a criar novos programas, mas seria interessante ver quantas pessoas realmente se candidatam. Porque por vezes é tão complicado que não vale a pena, mesmo que seja barato. Por vezes é apenas um incómodo. Mas é importante referir que os nómadas digitais não são uma população homogénea, há uma variedade de pessoas com diferentes níveis de riqueza, carreira, nacionalidade, etc.
“Os países não estão interessados na integração dos nómadas digitais”
Muitos países estão a criar vistos para nómadas digitais. Que tipo de vistos existem? No caso português, têm de ganhar pelo menos 2.820 euros por mês, quatro vezes o salário mínimo. Isso é comum, haver um patamar?
Absolutamente. Investiguei as políticas institucionais, com uma colega socióloga norte-americana, e analisámos 27 políticas diferentes de 43 ou 44 programas. E uma tendência comum, que aparece mais vezes, é a autosuficiência. Têm de ter um salário mínimo. Pode ser 100.000 euros em Aruba ou apenas 2.800 por mês, em Portugal. No entanto, este salário mínimo mensal é muito mais do que os locais ganham no país. Portanto, que tipo de estrangeiros é que estes Estados procuram?
Querem pessoas que tenham poder de compra, que possam comprar.
Sim, querem residentes que consumam, mas não querem ter de lhes dar qualquer direito político, porque não só estes programas querem que eles sejam autosuficientes em termos económicos, como também que tenham seguro de saúde e um cadastro criminal limpo. Estes são os três requisitos que estão quase sempre presentes em cada programa especial. Há um procedimento muito seletivo. Se pensarmos que são os mesmos estados que regulam a imigração… Há uma espécie de elementos classistas ou racistas aqui porque [os Estados] lidam com pessoas, mas deixam entrar aquelas que não vão ter impacto no mercado de trabalho local, que vão ter dinheiro suficiente para gastar, não vão pesar nos serviços sociais, porque têm seguro de saúde.
Portanto, acredita que os países apenas olham para os nómadas digitais de uma perspetiva económica? Não acreditam que se vão integrar com os locais, sabem que não se vão integrar?
Não acho que os países estejam interessados na integração dos nómadas digitais. É apenas uma suposição. Mas acredito que estes programas especiais têm imperativos económicos. O que os governos querem é ou o dinheiro que os nómadas gastam ou, se decidirem ficar durante mais tempo, retenção de talento. Sabem que são altamente qualificados e que vão contribuir no longo prazo para a competitividade do país, porque talvez comecem uma startup ou criem um cenário criativo. Mas acho que não há preocupação cultural ou desejo [para que se integrem] numa primeira fase.
Os nómadas digitais não tendem a integrar-se nas comunidades? Eles próprios não têm interesse em fazê-lo ou os locais não lhes permitem isso?
Acho que não há tempo. A maior parte são falantes nativos de inglês, não falam outras línguas, e não ficam por tempo suficiente. Em alguns casos não é que não queiram. Até podem querer, mas passam o dia a trabalhar, em primeiro lugar. Não viajam só por lazer. Por vezes não têm as oportunidades suficientes para encontrarem-se com os locais. Se olharmos para o ponto de vista da promoção dos programas de vistos para nómadas digitais, havia um, numa ilha das Caraíbas, que sugeriu colocar o candidato a nómada digital em contacto com uma família local. Isso é bom, porque queriam integrá-los, criar uma conexão com os locais. Mas na maior parte dos casos isso não está no programa. E, se as pessoas vêm e estão a trabalhar todo o dia, têm poucas ocasiões para realmente colocar-se em contacto e aprenderem a língua. Acho que é uma questão de não haver tempo.
Disse há pouco que há elementos racistas por parte dos governos quando estão a desenhar o programa de vistos para os nómadas digitais…
Classistas. Talvez racista não seja a palavra mais correta, mas definitivamente classista. Porque estão a identificar um tipo ideal de recém-chegados: querem pessoas que tenham uma determinada quantia de dinheiro, um tipo de seguro de saúde e registo criminal limpo. E se tiverem estes três requisitos, vamos dar-lhes um ano de autorização de residência, renovável por cinco anos, como em Portugal. Quem é que corresponde a estes requisitos? Na maior parte dos casos, pessoas de países industrializados. Duvido que alguém da Nigéria, para dar um exemplo. Não são excessivamente racistas, mas como são classistas podem também ser implicitamente racistas. E certamente são seletivos. Estamos a falar de um movimento que fica entre turismo e migração. Mas acho que politicamente seria interessante considerar um tipo de migração para que possamos fazer comparações de como diferentes migrantes são tratados nas fronteiras.
O patamar português dos 2.820 euros é dos mais elevados?
No cenário global, é um dos mais baixos.
E há países que não requerem nenhum patamar?
Não, a maioria requer.
Em Portugal existe uma discussão sobre os impactos dos nómadas na gentrificação. Como têm um elevado poder de compra, as rendas estão a subir sobretudo nos centros urbanos. Considera que isso está a levar a uma animosidade crescente em relação aos nómadas digitais?
Aqui a questão é, em termos dos impactos, qual a diferença entre um nómada digital e um turista que usa o Airbnb. A gentrificação estava lá antes, não é algo que seja desencadeado por nómadas digitais. Teve um pico com os Airbnb, com a desregulação das rendas. É um fenómeno muito mais complexo. Não acho que haja animosidade com os nómadas digitais, porque eles não são diferentes dos turistas que foram criticados antes. Podem eventualmente ser mais sustentáveis se ficarem durante mais tempo. Mas como é que medimos quantos nómadas digitais existem? Toda a gente tem números, mas quando lhes pedimos a metodologia, como é que chegam a estes números… É um pouco confuso.
Porque se calhar, normalmente, só ficam algumas semanas.
Mas a questão é como é que os contabilizamos. Onde é que os encontramos e como é que temos a certeza que chegámos a todos, para termos números fiáveis?
Acredita que este tipo de vistos está a fomentar a desigualdade entre nómadas digitais e locais? Por poderem dar aos estrangeiros acesso a taxas de imposto sobre o rendimento mais favoráveis, por exemplo.
É difícil dizer. Primeiro porque é preciso ver quantas pessoas se candidatam a este visto. Este visto é um marketing ótimo para os turistas porque agora toda a gente está interessada em Portugal, um país lindíssimo, já agora. Mas quantas pessoas acabam por se candidatar? E depois, claro, se se tornar num número considerável, sendo classistas, promovem a desigualdade. E quem vai pagar por isso? Os locais, a classe trabalhadora local. Porque vão ser expulsos do centro das cidades, vão ver os seus negócios tradicionais desaparecer e ser substituídos por espaços de coworking ou estes cafés sofisticados, etc. Mas não posso dizer que haverá maior animosidade. Não sou futuróloga. É provável, mas depende, é uma questão em aberto. Certamente do ponto de vista do Estado é muito controverso que estejam a selecionar ativamente a população que querem. E estão a convidá-la a ficar por um maior período de tempo. Mas claro que também há quem defenda que estes vistos são um instrumento de desenvolvimento, para dar força à economia, para atrair residentes de ‘alta qualidade’. Há sempre dois lados da moeda.
“Sim, atraiam novos residentes, mas deem-lhes deveres políticos e façam deles uma parte ativa”
Parece-lhe que os governos deviam continuar a atrair os nómadas?
Acho que o que é importante é que incluam aspetos políticos na forma como atraem os nómadas digitais. Façam deles cidadãos ativos de alguma forma. Por exemplo, eu sou imigrante, vivo em Espanha há tantos anos e ainda não posso votar. Esta situação mantém os nómadas na margem do direito político. Acho que o problema aqui é que se todos nos tornarmos nómadas, se nos movermos pelo mundo, o que acontece ao sistema da Segurança Social, à educação, à saúde? Podemos ter benefícios hoje, mas quais as consequências no longo prazo? Acho que os nómadas digitais podem sem dúvida beneficiar a economia local, mas para mim a pergunta é o que acontece com a política? Sim, atraiam novos residentes, mas deem-lhes deveres políticos e façam deles uma parte ativa. E por dever político refiro-me ao pagamento de impostos e que não sejam só utilizadores de serviços, mas contribuam. Deem-lhes forma de contribuírem para o sistema político.
Escreveu que os nómadas digitais podem “tirar partido de nacionalidades privilegiadas para navegar as desigualdades globais do sistema capitalista” e que em vez de um desafio para o sistema são uma “adaptação oportunista aos impactos neoliberais”. O que quer dizer com isto?
Todos acreditamos que hoje pertencemos à classe média, mas ao mesmo tempo vemos que o nosso poder de compra está a corroer-se e a deteriorar-se. A geração millennial está a ver que tem mercados de trabalho muito precários, não consegue pagar educação, sobretudo nos EUA. Não estou a falar da Europa, mas dos países de onde a maioria destas pessoas vêm, muitos vêm dos EUA, começam a sua vida laboral com uma enorme dívida, tal como no Reino Unido ou na Austrália. Portanto, têm uma enorme dívida no arranque da vida laboral, condições laborais precárias. O que é que fazem? Em vez de viverem uma vida miserável nos subúrbios de Filadélfia, decidem fazer desta crise uma oportunidade. Pensam ‘Quero e vou viajar, vou poupar na minha renda, em serviços, talvez não tenha de pagar impostos durante algum tempo’. E isso é bom o suficiente do ponto de vista do indivíduo. Mas porque é que podem fazer isso? Porque há países que são muito mais baratos porque têm sido explorados durante muitos anos. Pelo facto de haver relações pós-coloniais ou neo-coloniais, esta geografia da desigualdade já lá está, permite-lhes fazer estas escolhas.
Voltando à pergunta sobre se eles aprendem a língua: porque é que precisam se podem falar inglês em todo o lado? E porque é que falam inglês em todo o lado? Porque o Reino Unido tinha um império. A língua que nós usamos para comunicar também é um símbolo de domínio colonial. Portanto, há muitas coisas que temos de considerar quando olhamos para o cômputo geral. Os nómadas aproveitam uma oportunidade, mas a oportunidade é oportunista, porque funciona para eles. Mas o que acontece quando vão em massa para a Tailândia? Os preços aumentam. E este paraíso que foi construído para consumo turístico torna-se num novo local para a produtividade. E para as empresas também é um ganho.
Como é que as empresas podem beneficiar?
É um duplo ganho. Se as pessoas, numa escala massiva, decidem tornar-se trabalhadores remotos, as empresas podem poupar muito dinheiro em escritórios, aquecimento, eletricidade, seguros de trabalho. Grandes empresas, como a Google — que antes queriam o trabalho remoto — depois da pandemia quando os trabalhadores lhes pediam para trabalhar remotamente respondiam que sim, mas com corte de salário, dependendo da arbitrariedade geográfica. Portanto, se estiver a viver em São Francisco pagamos-lhe o salário total, mas se for para Idaho ou Portugal vamos cortar o salário de forma proporcional. Este oportunismo e este tipo de racionalidade neoliberal significa que só fazemos as coisas pelos benefícios económicos — os indivíduos, mas também as instituições e os negócios. É o enquadramento neoliberal.
Referiu que não são uma população homogénea. Que tipos de nómadas digitais existem?
Os que chegam às manchetes são os jovens millennials, que fazem trabalho de influencer, nesta imagem muito estereotipada dos nómadas digitais, que trabalham num computador na praia. Tentem fazê-lo e veem que é totalmente irrealista. Por vezes querem ser nómadas, começam a viajar e tentam aprender um emprego enquanto viajam, fazendo cursos, etc. Mas também há pessoas que já têm um emprego e que têm um maior poder de compra. Os mais jovens são provavelmente os mais precários, mas depois há um grande grupo de pessoas que já têm uma boa carreira e que talvez sejam mais velhos, nos seus 30. Também há muitas famílias que se calhar já têm uma profissão bem-estabelecida e decidem tirar um ano sabático ou talvez mais e trabalham como nómadas digitais. Provavelmente não se classificam como nómadas digitais, mas viajam com a famílias. Trabalham e dão aulas aos filhos. Há também muitas mulheres a viajar sozinhas. Por vezes a imagem é de um homem, mas há muitas mulheres e raparigas. Além disso, é mais difícil para pessoas de cor, embora haja muitos a fazê-lo das Filipinas ou da Índia. Acho que os investigadores deviam aprofundar e ver que há também nesse aspeto traços de não homogeneidade, porque há muitas pessoas de cor a começar a fazê-lo.
E tendem a ficar quanto tempo em cada sítio?
Os padrões de viagem também não são homogéneos. Há pessoas que estão sempre a mudar porque são jovens. Talvez depois cheguem a um ponto em que se cansam, mas de forma geral, podemos dizer que são slow travelers, preferem ficar num sítio por um mês, pelo menos, e até três meses porque precisam de rotinas para melhorar a produtividade. Outros estudos têm referido como a produtividade ainda é uma preocupação importante. As pessoas querem sair do escritório, não querem um horário das 9 às 5, mas ainda assim estão preocupadas com a produtividade. Isto também determina os seus padrões de viagem. Eles estão curiosos em relação a novos lugares, mas tendem a ficar pelo menos por um mês ou dois.
Visto português parece ter sido desenhado para “atrair” residentes permanentes
Portanto, muitos acabam por desistir quando se cansam.
Uma coisa é o padrão de viagem no curto prazo, outra coisa é o padrão no longo prazo. As pessoas no longo prazo podem decidir comprar uma casa, e muito provavelmente tornam-se expatriados. Não voltam para o sítio de onde vieram, mas compram casa algures. E isto é algo que é claro no programa português para nómadas digitais. Portanto, na maioria dos casos não serão nómadas digitais para sempre — apesar de quando lhes perguntamos isso eles dizem que vão ser. Mas precisamos de mais estudos com maior horizonte temporal para verificar em quê que se tornam. O que tenho visto é que a maior parte se torna expatriado, e param eventualmente. Conheci nómadas que viajavam há 15 anos e que se cansaram e também conheci um nómada que viajava há 25 anos e continua. Depende de muitos fatores.
Acredita que o programa português foi desenhado para atrair nómadas digitais que queiram fixar-se aqui e tornar-se residentes permanentes?
Acho que sim. É uma impressão, especialmente devido ao facto de ser renovável. Não há muitos programas que permitem renovação. E é renovável até cinco anos. É um dos vistos renováveis mais longos e depois pode converter-se numa residência temporária. Portanto acho que pode haver alguma motivação de atrair novos residentes.
Disse há pouco que há uma área cinzenta na legislação sobre a mobilidade dos nómadas digitais — podem mover-se livremente sem grandes responsabilidades para os países onde estão. Acha que na UE se devia alterar isto?
Não vejo porquê. Vêm com vistos de turista. Se os governos os mudarem então os turistas não virão. Porque é que haveriam de ser mais racistas em relação aos nómadas? Não estão a fazer mal, o problema é que os governos deviam ser mais protetores dos seus próprios cidadãos.
De que forma?
Regular as rendas, evitar desregulação em vários aspetos, protegendo os negócios locais, transportes, melhorando os serviços. Não é suficiente dizer a um grupo grande para virem se não se garantir que potenciamos o que temos para que os locais não sejam afetados.