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Web Summit. Lisboa, este "coração" está prestes a bater por ti

Em três dias, a Web Summit foi Irlanda, mas também foi Lisboa. Foram investidores, empreendedores e expectativas. O que ganhou Dublin com o sonho de Paddy Cosgrave? Vai Portugal convencê-lo a ficar?

Volante à direita, faixa da esquerda e 77 anos de sabedoria irlandesa ao volante de um táxi. Tecnologia? Sim. Inovação? Também. Web Summit? Claro. Com 47 anos de estrada, John Houlden nasceu numa década que poucas das 42.000 pessoas presentes na RDS, em Dublin, devem imaginar. E sim, quando o assunto são softwares, aplicações ou gadgets, também John tem uma palavra a dizer. Atento à estrada, de sotaque irlandês cerrado e ainda que tenha de repetir cada frase uma ou duas vezes, é ele quem questiona:

– Está aqui para aquela conferência?
— Estou. Conhece a Web Summit?
— Conheço, mas há muitos irlandeses que não sabem o que é.
— E o que é que acha de estar prestes a sair de Dublin e ir para Lisboa?
— Acho que é bom. Acredito que uma conferência destas deve percorrer o mundo todo. Se queres expandir tecnologia, então tens de espalhá-la. Não podes limitá-la a uma área específica, a uma cidade.

O mote estava lançado, ainda que à partida fosse a escolha menos óbvia. Conta que sabe pouco sobre o mundo tecnológico, mas que acredita que é por aí que a economia avança. “Sem sombra de dúvida”, diz, mas não para ele, confessa. “Sou de outro tempo.” E quando a conversa passa pela crise que abalou a Irlanda e pelo desemprego, as palavras são certeiras: “Investimento em alta tecnologia é o caminho. Investimento, investimento, investimento. É preciso pôr dinheiro na economia e é vital criar emprego.”

Estiveram presentes 2141 startups na Web Summit, que fizeram 200 apresentações

web summit

Está sol em Dublin, quando de Lisboa nos despedimos com chuva. Um pequeno presente de boas-vindas, que dura pouco tempo. O sol deu lugar às luzes vermelhas, rosa, verdes, azuis, amarelas que caracterizaram o palco central da Web Summit. O inverno já chegou à Irlanda, mas John Houlden explica que o evento deu a conhecer o país a quem nunca tinha pensado visitá-lo. “Somos muito hospitaleiros. Se tiver alguma dúvida, pergunte a qualquer pessoa na rua. Eles vão ajudá-la.”

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Foram três dias, mais de 42.000 pessoas, 2.100 startups, 1.000 oradores, 1.000 investidores e mais de 1.200 jornalistas. No centro, Dublin. A tecnologia, o empreendedorismo, a inovação. O dinheiro. Contactos, trocas de cartões, concursos de pitch e anúncios que marcam a história de um país, ainda que esse país esteja a cerca de 1.700 quilómetros de distância. (Já sabe que a portuguesa Uniplaces captou 22 milhões de euros de investimento?) Por estes dias, a Web Summit foi Dublin, foi Irlanda, mas também foi Lisboa, foi Portugal. Foi informação. E foram expectativas.

"Qualquer coisa que sirva para melhorar o conhecimento das pessoas não deve estar confinada a um sítio só. Deve pertencer ao mundo"
John Houlden, irlandês de 77 anos

Em cinco anos, Paddy Cosgrave pôs Dublin no mapa do empreendedorismo tecnológico mundial, trouxe fundadores e dirigentes de startups globalmente conhecidas como Instagram, Facebook, Slack ou Tinder. E jornalistas de meios como o Wall Street Journal, a Forbes, a Wired ou a Bloomberg. A edição de 2015 foi “histórica”, disse o fundador no discurso inaugural. Porque marca a saída do evento da casa mãe. Porque marca recordes. E porque há uma comitiva portuguesa no palco central para anunciar oficialmente a mudança para Lisboa. E o que é que se ganha com isto?

“É bom para os hotéis, para os restaurantes, para os motoristas de táxi. E as pessoas percebem tudo o que o país tem. Há muito mais pessoas a conhecer Dublin agora por causa da Web Summit”, conta John Houlden, sem qualquer ressentimento por ver o evento mudar de localização. “Qualquer coisa que sirva para melhorar o conhecimento das pessoas não deve estar confinada a um sítio só. Deve pertencer ao mundo“, acrescentou.

Quando a conversa chegou à crise, outra resposta certeira. “Recuperação na Irlanda? Não, nem pensar. Ainda não. Ainda vai demorar algum tempo até a recuperação chegar ao mercado de trabalho”, disse, questionando como estava a crise em Portugal e confessando que a Irlanda não estava a fazer o que devia para evitar cair nos mesmos erros. A viagem chegou ao fim. A Web Summit estava prestes a começar.

Paddy Cosgrave abriu o palco do evento onde estiveram presentes mais de 42.000 pessoas

Estimativas? Mais de 50.000 pessoas em 2016

O convite veio da embaixada. O embaixador de Portugal na Irlanda, Bernardo Futscher Pereira, juntamente com Miguel Frasquilho, presidente da AICEP – Portugal Global, convidou os portugueses presentes na Web Summit 2015 para uma receção na sua casa. Paddy Cosgrave também foi convidado. No discurso de boas-vindas, lembrou o processo de escolha de Lisboa enquanto procurava “uma nova casa” para a Web Summit e de como experienciou em Portugal aquilo que ainda não tinha visto em lado nenhum — uma comunidade “inacreditável” que o invadiu pelas redes sociais Twitter e Facebook. “Achei que havia algo muito especial na atmosfera, uma energia no ar que não existia noutras cidades europeias”, afirmou.

"O que é engraçado na Web Summit é que há de tudo. Dos voluntários aos grandes executivos de multinacionais que chegam à procura de novas ideias"
Bernardo Futscher Pereira, embaixador de Portugal na Irlanda

Ao Observador, o embaixador explicou que Lisboa pode ganhar “imensa notoriedade num meio que é muito difícil, que rodeia pessoas que se dedicam à tecnologia e que, normalmente, não têm Lisboa no horizonte”. De parcerias a investimentos ou a oportunidades para se expandirem para outros mercados, são várias as coisas que as empresas portuguesas podem ganhar com esta mudança, acrescentou.

“Vai fazer muito pela economia. Não apenas para as empresas desta área, mas não podemos esquecer que este evento também tem um aspeto turístico importantíssimo, porque são dezenas de milhares de pessoas que vêm a Portugal numa altura difícil. E que vão trazer outras pessoas. E que vão trazer empresas que têm, normalmente, um poder económico bastante considerável. O que é engraçado na Web Summit é que há de tudo. Dos voluntários aos grandes executivos de multinacionais que chegam à procura de novas ideias. Muitas das pessoas que começam hoje podem, dentro de poucos anos, tornar-se grandes empresários e grandes investidores”, disse.

A Web Summit "vai pôr Lisboa e Portugal nos holofotes dos investidores e criar a imagem de um país moderno e competitivo, onde a inovação ganha o seu momento dia após dia"
Miguel Frasquilho, presidente da AICEP

Miguel Frasquilho, presidente de uma das entidades que está por detrás da organização da Web Summit em Portugal, a AICEP, concorda. Na festa em casa do embaixador Bernardo Futscher Pereira, referiu que um evento destes vai “pôr Lisboa e Portugal nos holofotes dos investidores e criar a imagem de um país moderno e competitivo, onde a inovação ganha o seu momento dia após dia.”

Arriscando-se a fazer previsões para o próximo ano, disse que não estaria a ser otimista se dissesse que esperava mais de 50.000 pessoas de todo o mundo em Lisboa em 2016. “E isto significa uma grande oportunidade para vocês, empreendedores portugueses, que vão ter melhores condições de visibilidade. Cabe-vos a vocês mostrar agora ao mundo quão inovadores são, para ajudar Portugal a consolidar a sua posição enquanto competidores no mundo. E provar ao Paddy que ele tomou a melhor decisão”, afirmou.

Paulo Portas veio a Dublin para o anúncio oficial da mudança de Lisboa

Web Summit

“Queremos fazer parte da ‘startup scene’ de Lisboa”

Herbert Corcoran tem 65 anos e parece não se importar muito com a saída da Web Summit de Dublin. Conta ao Observador que o evento só traz dinheiro aos hotéis, porque os taxistas têm trabalho todos os dias, esteja a Web Summit a decorrer ou não. Até porque há outros eventos na cidade. “Quem participa nestas conferências costuma jantar nos hotéis, não vai sair à noite. Traz mais negócio, mas não estou triste, porque nós temos sempre trabalho, independentemente de haver a conferência ou não”, referiu.

Mike Harvey é o responsável pela comunicação da Web Summit. Conta ao Observador que 90% das pessoas que vêm à conferência são de fora do país. Na edição de 2015, estão participantes de 134 países, sendo que entre os 20 mais representados encontram-se os Estados Unidos da América, Holanda, Reino Unido, Alemanha ou Portugal. “A Web Summit teve sempre um toque muito internacional e o ecossistema de empreendedorismo tecnológico irlandês tem vindo a evoluir e a crescer com o evento”, explicou.

"Gostamos de estar em sítios menos óbvios, para podermos usufruir da comunidade e poder ver as coisas que estão a acontecer. Queremos que seja um sítio onde as pessoas podem falar de sonhos"
Mike Harvey, responsável pela comunicação da Web Summit

Mas nestas contas, entra outra equação. Dublin tem as sedes europeias de multinacionais como o Facebook ou a Google. Lisboa não. Mike Harvey explica que o motivo pelo qual isto acontece é o facto de o país ter impostos muito baixos para empresas – uma taxa de IRC de 12,5%. “É por isso que estão cá. Além, claro, do talento brilhante que temos em Dublin”, diz. E o que tem Lisboa?

“Tem um ecossistema que está verdadeiramente a crescer, infraestruturas maravilhosas e há muita gente a dizer que Lisboa é um sítio giro para se estar. Isto é muito interessante, porque nós gostamos de estar em sítios menos óbvios, para podermos usufruir da comunidade e poder ver as coisas que estão a acontecer. Queremos que seja um sítio onde as pessoas podem falar de sonhos”, afirmou.

21 ovelhas foram pintadas de rosa, verde e lilás

Na Irlanda, a Web Summit tem um programa em que escolhe três startups para levar gratuitamente aos quatro eventos que organiza – o Collision (Estados Unidos da América), Rise (Hong Kong), Surge (Bengalaru) e Web Summit (Lisboa). “Tenho a certeza que vamos fazer algo do género em Lisboa e trabalhar com as incubadoras, programas de aceleração. Queremos fazer parte da startup scene [ecossistema de empreendedorismo] de Lisboa. É de lá que vem o valor que entregamos”, adiantou Mike Harvey.

Conta que o ecossistema irlandês cresceu juntamente com a Web Summit, mas não necessariamente por causa da conferência. “Demos aos empreendedores uma plataforma para se poderem relacionar entre si e com investidores. E para terem mais sucesso nesses contactos. Nós, Web Summit, também somos uma startup, e ainda estamos a crescer” disse.

"Precisávamos de encontrar uma nova casa e Lisboa pareceu-nos o sítio perfeito"
Mike Harvey, responsável pela comunicação da Web Summit.

Em Lisboa, querem não só organizar aquela que é a maior conferência de tecnologia e empreendedorismo do mundo, como também envolver a comunidade não só de empreendedores, mas local, como jovens ou universidades. Em 2014, o evento em Dublin gerou um retorno direto na economia de 102 milhões de euros.

Em Portugal, a estimativa referida por Leonardo Mathias, secretário de Estado Adjunto da Economia, foi de 175 milhões (se tivermos em conta que em 2014 o evento gerou 102 milhões de euros em volume de negócios com 22 mil participantes e extrapolarmos o mesmo múltiplo). O investimento, financiado pelo Turismo de Lisboa, Turismo de Portugal e pela AICEP – é de 1,3 milhões de euros. 

“Precisávamos de encontrar uma nova casa e Lisboa pareceu-nos o sítio perfeito”, disse Mike Harvey.

“Vamos embora, mas esperamos voltar”

“Vou ter saudades”, disse o irlandês Stephan Greene ao Observador, no último dia do evento. Pela agitação na cidade, pelo trabalho extra e pelas receitas extra nos hotéis, restauração e transportes que diz entrarem para a economia. Mas confessa: “Os transportes públicos em Dublin não são tão bons como noutras cidades europeias”.

A 15 de outubro, Paddy Cosgrave colocou online a troca de emails que teve com responsáveis do gabinete do primeiro-ministro e onde pedia ao Governo irlandês para assegurar uma melhor oferta de transportes públicos nos dias do evento. Era uma das exigências para que o evento ficasse em Dublin. As restantes passavam por um controlo maior dos preços praticados pelos hotéis, melhor acesso à internet e um maior apoio no controlo do trânsito.

A equipa da Web Summit na despedida de Dublin

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Fernando Medina disse esta quinta-feira aos jornalistas, também em Dublin, que o impacto económico da Web Summit em Lisboa vai ser “extraordinário, não só em termos financeiros, mas por tudo o que representa”. Sem querer avançar com números, referiu que Lisboa vai estar “na linha da frente da revolução tecnológica”, que é preciso “fomentar o risco” e “captar para Portugal oportunidades de investimento”.

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa deslocou-se a Dublin para reunir com fundadores de empresas tecnológicas consagradas, num evento à margem da Web Summit. Aos jornalistas presentes no evento, disse que os trabalhos de preparação da edição de 2016 já arrancaram, mas prevê-se que comecem “de forma estruturada” a partir de janeiro.

"Há um Portugal moderno que quer aparecer, que quer dar cartas, mostrar que existe. E é isto que vai fazer magia"
Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa

No discurso final da Web Summit, Paddy Cosgrave disse que a Irlanda era o seu país, onde escolheu viver e envelhecer, que o crescimento da Web Summit tem sido “incrível” e que nada teria sido possível sem a contribuição de toda a comunidade.

“A Irlanda vai ter sempre um papel em tudo o que criamos no mundo. Dublin vai ser sempre a nossa sede, somos uma empresa irlandesa, esperamos que a porta se mantenha aberta e que um dia a Web Summit volte a Dublin. Quero agradecer do fundo do coração. Vamos embora, mas esperamos voltar no futuro”, disse Paddy. E como é que Lisboa vai conquistar o coração de Paddy?

“Há um Portugal moderno que quer aparecer, que quer dar cartas, mostrar que existe. E é isto que vai fazer magia. Este é o nosso melhor ativo. E é esta magia que vai conquistar o Paddy”, referiu Fernando Medina. E quando o mote é investimento, tecnologia e negócios, que espaço está reservado para o coração?

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