Zach Galligan veio a Portugal primeiro para a apresentar uma sessão especial de “Gremlins”, o clássico dos anos 1980 que protagonizou (aconteceu esta quarta-feira no Espaço Nimas, ao abrigo do ciclo Sessões de Culto, organizado e apresentado pelo músico e cineasta Filipe Melo) e para ir à Comic Con em Matosinhos. Falámos com o ator sobre o filme dos pequenos monstros, a quase participação de Diane Lane e a possibilidade de o segundo capítulo da história ser melhor que o primeiro.
Mas também passámos por “Nothing Lasts Forever”, uma fita estranha do mesmo ano de “Gremlins”, 1984, realizada por Tom Schiller, autor de curtas-metragens para o “Saturday Night Live”, filme que nunca chegou a ser lançado no circuito comercial e que colocou Galligan a trabalhar com Bill Murray na história de um pianista-fraude, que foge para a Europa, regressa aos EUA e acaba por passar pela lua. Tudo isto na mesma história.
[o trailer de “Gremlins”]
https://www.youtube.com/watch?v=8nGd36NhmTE
Acho que é a primeira pessoa com quem falo que levou uma chapada do Bill Murray.
Viste isso na internet?
Vi o filme [“Nothing Lasts Forever”]. Numa cópia muito manhosa. É impossível encontrá-lo em Portugal.
É impossível encontrá-lo onde quer que seja no mundo.
Mas não esteve agora em Londres a mostrar o filme?
Tive a ideia de procurar o Prince Charles, porque é um cinema tão bem em Londres, e pensei que se há uma cópia dele em Inglaterra, se alguém consegue encontrar são eles. A cópia que eles encontraram nunca tinha passado por um projetor. Estava nas caixas e havia um bocadinho de película na frente que tiveram de cortar para poderem pôr no projetor… quer dizer que nunca tinha sido usada antes, foi como tirar a etiqueta do preço.
Mas fizeram mais do que uma cópia, para um filme que nunca foi lançado.
Sim, de certeza que fizeram umas quantas. Acho que estavam a pensar em lançá-lo em três, quatro ou cinco cinemas e depois iam crescendo a partir daí. Estavam a planear isso em 1984 e depois tiveram uma sessão pública em Seattle…
…que foi desastrosa.
Sim, um desastre. Isso basicamente acabou com o “Nothing Lasts Forever” e para a nova administração que tinha chegado à MGM confirmou que não queriam coisas de pessoas velhas, ninguém ia gostar. Usaram-no para descontar nos impostos, o que quer dizer que não podem fazer dinheiro nenhum com ele. Isso basicamente matou o filme durante uns anos, porque há um período de tempo em que não podes fazer nenhum lucro, ficou na prateleira, e depois disso…
Mas também havia complicações com os filmes que o Tom Schiller “samplou”…
Sim, é quase como “sampling”, é uma boa analogia, nunca tinha pensado nisso assim. Ele “samplou” coisas e não pagou por elas, era uma grande complicação. Agora que os anos vão passando muitos dos problemas com direitos expiraram.
Sim, devem estar em domínio público agora.
Acho que 70-80%, se não todos. Há poucos… estou a tentar pensar se consigo reconhecer os excertos mais recentes ali, deviam ser do final dos anos 1930. É muito tempo.
Estava a perguntar pelo Bill Murray porque vocês não se deram bem, pois não?
Eu queria dar-me bem com ele, ele é que pareceu antagonizar-me.
Mas depois ele foi simpático consigo, certo?
Tenho quase a certeza de que foi uma combinação de fatores. Ele estava chateado por o John Belushi ter acabado de morrer, estava a divertir-se a ser mau, achou que seria bom para mim, como ator inexperiente, sentir mesmo emoções negativas contra ele em vez de tentar criá-las. Acho que foram as três razões. Ou, a número quatro: é só um tipo estranho. O que é uma possibilidade. Acho que nem ele diria que não é uma pessoa pouco usual. Não achas?
Sim. E há todas aquelas histórias sobre ele aparecer em casa das pessoas com uma garrafa de vinho, pessoas que nunca conheceu.
Aparece em casamentos, formaturas, aparecia em festas nos dormitórios da New York University.
Quando o Zach esteve lá?
Quando estava a ensinar lá? Não. É como um pregador de partidas. Acho que ele gosta muito de ser imprevisível e uma das coisas mais excitantes de ver num ecrã é a imprevisibilidade. Gary Oldman, Marlon Brando, Tom Hardy… não fazes ideia do que vão fazer, é o que os torna tão excitantes. Cate Blanchett, se queres usar exemplos femininos.
[trailer feito por um fã para “Nothing Lasts Forever”]
Mas depois cruzou-se com ele quando estava na universidade e ele e o Dan Aykroyd estavam a filmar o “Caça-Fantasmas”, certo?
Deixaram-me estar com eles uns cinco minutos. Já estive com ele depois. Não diria que pareceria uma pessoa completamente diferente, ainda era essencialmente ele próprio e ainda era meio estranho, mas estava muito mais amigável. E pareceu que o que ele tinha contra mim se dissipou e foi-se. Quando fizemos uma sessão do filme em 2005, ele estava fabulosamente bem disposto. Fizemos uma sessão de perguntas e respostas de uma hora, depois de toda a gente se ter ido embora, fomos todos – eu, o Tom, o Bill, o Tom Davis, metade do duo Franken & Davis [de “Saturday Night Live”], a minha mulher da altura, e mais sete ou oito pessoas, a Leila Nabulsi, que também trabalhou no filme, e pessoas que tinham estado no público que se colaram – e fomos a um restaurante grego e estava meio fechado e ele perguntou “bem, podemos ficar aqui?” e eles disseram que sim, então ele encomendou pizza para toda a gente e foi muito divertido e muito simpático.
Isso soa mesmo a uma história sobre o Bill Murray. Tem todos os elementos.
Sim. Foi algo como: “Vamos fazer uma festa aqui”. Tudo o que se passou depois de termos feito o filme foi completamente diferente. Demorei um ano a descobrir isso e outros 22 anos para perceber se tinha sido um acaso.
Isso estragou de alguma maneira o seu prazer a ver filmes com ele?
Nem tanto. Devia ter. Tens de perceber algo, quando és um ator e chegas a um certo nível e começas a representar com outros atores realmente bons, o que descobres é que os atores verdadeiramente bons são quase todos, digamos, muito pouco usuais, por isso é que são tão interessantes de ver. Conseguem funcionar numa atmosfera profissional e chegar a tempo ao trabalho, pelo menos na maioria das vezes, e sabem as falas e são competentes, mas são pessoas habituais. O Tom Hardy, por exemplo, não o conheço, deve ser um tipo porreiro e acessível, mas imagino que há elementos nele…
O primeiro “Gremlins” foi o seu segundo filme, certo? Já tinha sido contratado para fazer o “Gremlins” antes do “Nothing Lasts Forever” ou foi por causa do filme que ficou com o papel?
Acho que ajudou que tivesse feito o filme, acho que o Steven Spielberg [o produtor de “Gremlins”] era tão grande e poderoso na altura que era bom que eu tivesse tido alguns créditos, mas ele não queria realmente saber. Provavelmente foi algo como “boa, tem experiência”, mas não queria realmente saber. Terias de lhe perguntar.
Ele parece alguém que seria um fã do filme e teria o poder de o ter visto na altura.
Talvez. Podes ter a certeza de que ele perceberia todas as piadas do filme.
Há a história de que foi escolhido para o “Gremlins” porque parecia estar apaixonado pela Phoebe Cates [a co-protagonista].
Foi o que ouvi dizer. Fizemos uma audição juntos e foi um bocado estranho, porque normalmente fazes uma audição e estás de perfil, mas o Joe Dante [o realizador] fez-nos fingir que estávamos a andar pela rua, duas pessoas lado a lado, a olharem para a frente para a rua imaginária. Ombro a ombro, essencialmente. O Joe disse: “Há coisas fixes de um lado e de outro, e olham um para o outro, mas não olham sempre”, eu estou meio envergonhado e ela olha para mim e eu olho para o outro lado, envergonhado, é a realidade. Foi fixe fazer assim. Eu peço-lhe para sair comigo, ela aceita, e diz-me “obrigado, vejo-te depois, Billy”, e eu fico a pensar nisso e reajo contente e estava à espera de que o Joe Dante cortasse, e ele não cortou, e eu já não tinha mais falas e não tinha nada para fazer a não ser continuar a olhar para ela, só que o ombro dela estava mesmo ao meu lado e olhei para ela, e era tão bonita, olhou para mim e riu-se e só pus a cabeça no ombro dela e suspirei. Foi aí que cortaram. O Spielberg estava a ver a gravação, viu-me a pôr a cabeça no ombro dela e disse “olhem, ele já está apaixonado por ela, nem precisa de representar!” e levanta-se e vai-se embora. Perguntam-lhe se ele não queria ver as outras audições e ele diz que não precisa de ver o resto. Nem sei quem é que estava a seguir, mas nem foram vistos.
Como é que ouviu essa história?
O Joe Dante contou-me.
Muito depois?
Não, foi nessa altura. O Mike Finnell, produtor, ligou-me e perguntou-me se eu estava contente, no dia a seguir a ter conseguido o papel. E disse-me que estavam indecisos entre duas pessoas para o papel feminino. Só porque eu tinha lido aquela parte com a Phoebe não quer dizer que ela ia conseguir o papel. Era ou a Phoebe Cates ou a Diane Lane, ela esteve quase para entrar no “Gremlins”. E eu: “Porra. Não sei. É muito, muito difícil.” A Diane Lane, em 1983… era a altura do “Juventude Inquieta” e do “Cotton Club”, era tão bonita. É bonita agora.
E é uma ótima atriz.
Ótima. Podes provavelmente argumentar que é melhor do que a Phoebe, tem uma nomeação para um Óscar, mas a Phoebe também desistiu da indústria do cinema. Conhecia a Phoebe mais ou menos de outras audições, e sabia que gostava dela e que era uma pessoa mesmo gentil. Não conhecia a Diane Lane e parte de mim pensava como seria se ela me odiasse ou se não nos déssemos bem. Estava à procura de um problema. Então disse que tinha química com a Phoebe e que devia ser ela. E eles concordaram, gostavam da química mesmo que nós tivéssemos ambos cabelo escuro, muitas vezes não gostam que pessoas tenham a mesma cor de cabelo porque acham que pode parecer que são irmão e irmã, o que é estúpido. Quantas pessoas casadas conheces que têm a mesma cor de cabelo? Milhões. É tudo parvo. Mas os filmes não são a vida real. São cinema e entretenimento, têm um conjunto de regras diferentes. Foi isso que demorei muito tempo a perceber, que os filmes e a vida real não têm nenhuma ligação entre eles.
Porquê?
Porque era estúpido. Porque não tinha experiência. Porque assumi que a arte tentava imitar a vida, mas não, de todo. Só alguma dela reflete a vida, um bocadinho, menos do que a imita realmente. E quando eu era mais novo era muito inteligente em termos de livros e factos e coisas assim, e então pensava que era muito inteligente em tudo, mas não era muito inteligente no que tocava a pessoas. Era um grande problema. Assumi coisas sobre pessoas, especialmente pessoas na indústria do cinema, que simplesmente não eram verdade.
Estava a falar de como a Phoebe Cates se reformou. O Zach também, para estudar História?
Não, fiz ambos ao mesmo tempo. Como a Jodie Foster andou em Yale e a Natalie Portman em Harvard ou a Jennifer Connelly em Yale. Podes dizer que me reformei mais ou menos entre 2003 e 2013 e mudei-me para Nova Iorque e comecei a dar aulas e casei-me. Não diria que me reformei, mas já não estava muito interessado em investir na minha carreira. Nunca teria aceite um convite para vir a Portugal, nunca teria ido a Londres mostrar o “Nothing Lasts Forever”, estava só um bocado cansado. Queria tirar um tempo e ser um ser humano a sério e não um ator.
Voltamos aqui à diferença entre os filmes e a vida real?
Tem mais que ver com o facto de que eu estava a viver num sítio, Los Angeles, que não é bem como a vida real. Há uma certa dose de irrealidade em Los Angeles, especialmente se estiveres completamente imerso no negócio do cinema. Vivi lá 15 anos e depois voltei para Nova Iorque e foi como voltar à realidade. Sai da terra de fantasia e gostei de estar longe do negócio, estava esgotado e exausto. E toda a gente a perguntar: “Estás a trabalhar? Estás a trabalhar? Foste a esta audição? Estás a trabalhar para isto?”. Todos os dias. Tens de ser mentalmente forte para seres ator em L.A. Porque quando estás a subir é ótimo, mas quando estás a descer… as pessoas começam a tratar-te de forma diferente. É muito óbvio quando pessoas te começam a tratar de forma diferente. Tão óbvio como voltar à mesma discoteca a que sempre foste e agora não te deixam entrar. E tu ficas “O quê?”. Voltar a Nova Iorque foi um bocado voltar às raízes, sentir humildade e recuperar um bocado depois de 15 anos, dizer a mim próprio que devia só viver um bocadinho mais, porque tinha 39 anos, estava a chegar aos 40. Se eu viver a vida um bocadinho mais, em vez de só viver o negócio, seria uma pessoa mais interessante. Os atores são mais interessantes de ver quando são pessoas. Se fores só um ator que vai a audições não és interessante. Não estava casado, não tinha filhos. Não era interessante. Houve um período de voltar e refletir e perceber o que é que ia fazer.
Confesso que o meu “Gremlins” favorito é o segundo.
Não é estranho. Teria sido estranho há uns dez anos. Costumava ser: 85% das pessoas gostavam do primeiro e 15% do segundo. Agora, acredites ou não, é 57% e 43%, vai ficando mais perto cada ano que passa. Qualquer dia acho que estará nos 50%-50%.
Gosto mais porque tem mais piada.
Viste-o primeiro?
Não. Vi com anos de diferença. Na última semana saíram notícias sobre o Zach dizer que o “Gremlins 3” está em produção, e sobre o Chris Columbus, que escreveu o primeiro, estar a tomar conta do franchise. E ele não gostou do segundo.
Não posso dizer que isso seja verdade, é o que eu acho. Se tivesse de perguntar ao Chris Columbus se ele era um grande fã do “Gremlins 2”, acho que ele diria, porque é inteligente e não diz coisas negativas, algo moderado como “tem piada, tem coisas boas”. Mas ele escreveu o primeiro. É como teres um filho com uma mulher e depois a mulher ter um filho com outro homem. Perguntam-te se não gostas dos dois por igual e não. Não acho que ele odeie o “Gremlins 2”. Ele podia, mas não acho. Mas o primeiro é muito próximo da visão dele. É o bebé dele. Acho que ele gostou do tom do primeiro, por isso é que é assim. Se vires os filmes do Harry Potter, os dois primeiros, que foi ele que realizou, têm exatamente o mesmo tom, depois os outros, de outros realizadores, não. Terias de lhe perguntar, mas aposto que se ele acha que o tom é bom, mantém-se. O que quer que ele esteja a pensar fazer com o terceiro estará muito mais próximo do primeiro, porque é o tom de que ele gosta.
[o trailer de “Gremlins 2”]
https://www.youtube.com/watch?v=Wqy-NTk9BhA
E ainda não lhe pediram para aparecer no filme?
Ainda não fui contactado de maneira nenhuma, mas não é estranho. No segundo “Gremlins”, contactaram-me em fevereiro e começámos a rodar no final de maio. Nem sequer tive quatro meses, tive talvez três meses e meio de aviso. Não é muito. O Rick Baker trabalhou nos efeitos do segundo “Gremlins” uns oito ou novo meses antes de me terem contactado. Quanto mais o guião. Quem sabe quanto tempo demoraram a escrever. Os atores são a parte fácil. Estão à espera e a não ser que morram não há problemas. Como com o “Star Wars”, é só ir buscar o Mark Hamill, a Carrie Fisher e o Harrison Ford e juntá-los para jantar e perguntar se querem fazer, e está feito. Não é muito difícil. A Phoebe e eu fomos as últimas pessoas a descobrir que o “Gremlins 2” ia acontecer. O resto já estava tudo a ser feito. Quando me fizeram a oferta e fechámos o contrato, uma semana depois fui visitar o Rick pela primeira vez e tinha uma oficina com tudo feito, e ele não fez aquilo numa semana.
O segundo tem um vilão bastante atual, tendo em conta que foi em parte baseado em Donald Trump.
É verdade. Se bem que, para ser justo, mesmo que o nome dele seja Daniel Clamp, é provavelmente dois terços Ted Turner e um terço Donald Trump. Tem algumas qualidades Trumpianas, mas é bastante mais como o Ted Turner, com o seu próprio canal de cabo, a colorizar os filmes a preto e branco, que é algo que o Ted Turner fazia. Mais o vídeo para passar quando chegar o fim do mundo. Aparentemente o Ted Turner tem um vídeo para passar se houver um holocausto nuclear, a dizer adeus à humanidade. Mesmo a sério. Quer fosse um rumor ou não, descobrimos isso e pusemos no filme. Quero dizer, o Charles S. Haas [que escreveu o filme], eu não fiz nada. Há um bocadinho do Trump, da parte do imobiliário e de ter o nome dele, de ser loiro e ser um fanfarrão, mas não há assim tanto.
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