Quem foi São João?
Há vários santos conhecidos como São João e a identidade do santo celebrado no Porto não é consensual, nem entre historiadores. Há quem defenda que o São João celebrado no Porto recorda um eremita que viveu no século IX na região de Tuy, em frente a Valença. Mas o mais popular, e aquele que se celebra um pouco por todo o lado na noite de 23 para 24 de junho, chama-se São João Baptista e nasceu perto de Jerusalém. Pregador judeu do início do século I, citado pelo historiador Flávio Josefo e os autores dos quatro Evangelhos da Bíblia, João terá nascido pela mesma altura de Jesus Cristo.
Mais: São João era primo de Jesus e reconhecido por ele como o maior dos profetas terrenos. Recuperemos o episódio bíblico relatado em Mateus 11 sobre o santo:
João, ouvindo no cárcere falar dos feitos de Cristo, enviou dois dos seus discípulos, a dizer-lhe: “És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro?”. João Baptista estava preso a mando de Herodes Antipas, filho do rei Herodes, por lhe ter dito que era errado dormir com a sua cunhada. Ouvindo falar dos feitos de Jesus, quis saber se era ele o Messias.
Jesus disse-lhes: “Ide, e anunciai a João as coisas que ouvis e vedes: Os cegos vêem, e os coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho. E bem-aventurado é aquele que não se escandalizar em mim”.
Quando eles partiram, Jesus disse sobre João:
“Em verdade vos digo que, entre os que de mulher têm nascido, não apareceu alguém maior do que João o Batista; mas aquele que é o menor no reino dos céus é maior do que ele”.
João Baptista batizou Jesus, embora achasse que ele é que deveria ser batizado por Jesus. Morreu com cerca de 30 anos, decapitado a mando de Herodes Antipas.
Porque o celebramos a 24 de junho?
Há duas grandes razões para a escolha da data: uma delas é católica, a outra é pagã.
A 24 de junho celebra-se a natividade, ou nascimento, de João Baptista. Um nascimento que, tal como o de Jesus Cristo, também resulta de um milagre. Como se pode ler no Evangelho de São Lucas, o sacerdote Zacarias e a sua mulher Isabel não tinham filhos porque Isabel era estéril. Já em idade avançada, Isabel recebeu a visita do Anjo Gabriel, que anunciou que ela iria conceber um bebé chamado João. Seis meses mais tarde, a sua prima Maria visita-a para lhe contar o mesmo milagre. A prima a que nos referimos é a Virgem Maria e o bebé que ela iria dar à luz, também por a anúncio do Anjo Gabriel, chamar-se-ia Jesus.
Mas a festa começou inicialmente por ser pagã. 24 de junho coincide com o solstício de verão (o dia com o maior número de horas de luz solar do ano). Era altura de celebrar a natureza, as colheitas e mostrar adoração ao deus do Sol. Posteriormente, a Igreja Católica cristianizou a festa, que alguns registos mostram já existir no Porto desde o século XIV.
São João é o santo padroeiro da cidade do Porto?
Apesar de ser o santo mais celebrado da Invicta – a noite de 23 para 24 de junho proporciona a maior festa da cidade – e de até ter direito a feriado municipal, São João não é o padroeiro do Porto.
Na verdade, a cidade tem uma padroeira, Nossa Senhora da Vandoma. Nos mais antigos brasões da cidade pode ler-se a inscrição latina “civitas virginis”, ou cidade da virgem, em referência a Nossa Senhora da Vandoma.
Já agora, sabia que o feriado municipal do Porto no dia 24 de junho foi escolhido por referendo à população em 1911? De acordo com Hélder Pacheco, autor de vários livros sobre o Porto, entre os quais Porto. O Livro do S. João, o Governo Provisório da República impôs a escolha do feriado à cidade. Para “votar”, os cidadãos tinham de enviar para a redação do Jornal de Notícias um bilhete-postal dizendo o dia em que preferiam o feriado. Apenas uma fração dos portuenses – aqueles que sabiam ler e escrever – pôde votar. De acordo com a agência Lusa, os documentos da época mostram que os resultados do referendo não eram vinculativos, mas foram usados na sessão camarária de 2 de março de 2011 como argumento favorável à escolha do 24 de junho.
Aquando da aprovação, a ata da sessão mostra que o feriado foi aprovado “não como dia de São João, mas como de festa da natureza”, mostrando o cuidado dos republicanos em associar a escolha à festa do solstício e não a uma celebração religiosa.
O São João só se celebra no Porto?
É frequente os noticiários mostrarem a Invicta nas suas reportagens sobre a grande noite de São João. Tal deve-se apenas à magnitude que as festas sanjoaninas atingem na segunda cidade do país, porque o São João também é celebrado em grande em outras cidades portuguesas. Exemplos disso são Braga e também Almada, bem ao lado de Lisboa, onde o Santo António tem todo o destaque. Em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, nos Açores, as sanjoaninas fazem-se de desfiles, marchas, carros alegóricos, danças e bailaricos.
Mas o São João é um santo muito internacional e as festas não ficam só por território luso. Há celebrações um pouco por toda a Europa e até no Canadá.
De onde vem a tradição dos martelinhos de São João?
Uns pequenos, outros com tamanhos assustadores, o que interessa é ter um. Os martelos de plástico que as pessoas levam na noite de São João para bater na cabeça de desconhecidos são a imagem de marca da festa no Porto.
Não consta que São João Baptista andasse a bater nas cabeças alheias com um martelo. Os martelinhos de plástico foram inventados em 1963 por Manuel Boaventura, industrial do Porto. A ideia era criar mais um brinquedo para o negócio mas, nesse ano, Manuel decidiu oferecer vários martelos azuis e brancos aos estudantes durante a semana da Queima das Fitas, em Maio. A moda pegou e, passado um mês, os martelinhos já andavam nas ruas na noite de São João. Até hoje.
E as fogueiras, as cascatas e os balões?
Três dos marcos de qualquer boa noite de São João têm origens muito diferentes entre eles.
Comecemos pelas fogueiras. De origem europeia, fazem parte da antiga tradição pagã de celebrar o solstício de verão com um dos elementos da natureza, o fogo. Alguns mais crentes acreditam que a fogueira tem origem num acordo feito pelas primas Maria e Isabel. Grávida de João Baptista, Isabel teria de fazer uma fogueira no cimo do monte para avisar que estava prestes a nascer o seu filho.
Os balões de ar quente feitos em papel enchem os céus na noite de São João e também estão ligados à tradição do fogo.
As cascatas começaram por aparecer no século XIX e têm no Porto o seu mais famosos concurso. Este ano, 25 concorrentes lutam pelo prémio de melhor cascata em honra de São João, num certame organizado pela Câmara Municipal do Porto. Para vencer, as cascatas devem fazer referência a um episódio da vida deste santo popular. Não é por acaso que as cascatas parecem presépios mais animados. De acordo com o historiador Hélder Pacheco, as pessoas pegavam nos presépio – também uma novidade recente, do século XVIII – e substituíam a sagrada família e os reis magos pelos santos populares.
A que pergunta é que ainda não respondemos?
Se ainda tem alguma dúvida, pergunte. Nós respondemos!