A questão surgiu no confronto com a líder do CDS, Assunção Cristas, durante o debate quinzenal desta semana. Depois de António Costa ter dito que se sentia “orgulhoso” de já estar a fazer parte do terceiro Governo que vê Portugal sair do Procedimento por Défices Excessivos, Assunção Cristas notou a omissão do ano de 2009 nesse currículo de “orgulho” — sendo que 2009 foi o ano em que Portugal, com o Governo de José Sócrates, voltou para a lista negra dos défices, cerca de um ano depois de ter saído. A resposta de António Costa foi um contra-ataque: em 2009 o orgulho era outro, era livrar a câmara de Lisboa da dívida em que estava mergulhada, conseguindo reduzi-la em 40%.
Onde estava Costa em 2009? Estava de facto a reduzir a dívida de Lisboa em 40%? Fomos ver se foi mesmo assim.
O que está em causa?
Foi uma das grandes bandeiras da passagem de António Costa pela câmara de Lisboa: a redução em 40% da dívida que tinha herdado do anterior presidente, Carmona Rodrigues (PSD/CDS). O tema foi várias vezes usado pelo agora primeiro-ministro quando era apenas secretário-geral do PS e candidato às legislativas contra o primeiro-ministro de então, Pedro Passos Coelho. “Eu reduzi a dívida que herdei em 40%, o senhor primeiro-ministro aumentou em 18% a dívida que herdou. Esta é a diferença entre quem gere bem e quem gere mal”, dizia em fevereiro de 2015.
Agora, voltou a repetir a ideia, mas o alvo foi Assunção Cristas — aproveitando o facto de o seu antecessor na câmara, Carmona Rodrigues, ser agora o mandatário da candidatura da líder do CDS em Lisboa. Em 2009, dizia Costa, estava empenhado em reduzir a dívida da câmara de Lisboa em 40% depois de Carmona “ter conduzido a câmara a uma crise tal que levou à dissolução e às primeiras eleições antecipadas numa câmara por rutura financeira e política”.
Ora, é preciso ter em conta vários fatores mas, segundo dados oficiais das contas do município de Lisboa, as contas são estas:
Em 2007, quando Costa chegou à autarquia, a dívida de médio e longo prazo era de cerca de 586 milhões euros, e a de curto prazo era de 379. No total, a dívida ascendia a 965 milhões de euros. Mais: as dívidas a fornecedores estavam na ordem dos 459 milhões e o passivo na ordem de 1.380.
Em 2008, a dívida estava na ordem dos 1.116 milhões: a de médio e longo prazo aumentou para 655 milhões de euros, e a de curto prazo para 460. Segundo fonte da câmara, a partir de 2008 houve uma necessidade de aumentar as provisões (que levaram ao aumento do passivo) porque a lei tornou obrigatória a existência de um parecer certificado por um Revisor Oficial de Contas. Esse parecer chamou a atenção para a contabilização deficiente das provisões aos contenciosos judiciais que se encontravam em tribunal, e foi, em parte, isso que levou à necessidade de aumentar as provisões.
Em 2009, a dívida continuava a aumentar. A dívida de médio e longo prazo estava na ordem dos 710 milhões de euros, e a de curto prazo na ordem dos 457 milhões, sendo a dívida total ainda superior a 1.160 milhões. Aqui há um “senão”. Quando herdou as contas da câmara, em 2007, o executivo de António Costa deparou-se com uma situação em que os fornecedores se recusavam a entregar o que quer que fosse, uma vez que o prazo médio de pagamento a fornecedores estava nos 324 dias. Para fazer face a esse obstáculo, António Costa contraiu um empréstimo para liquidação de dívidas a fornecedores, e isso permitiu-lhe reduzir o prazo médio de pagamento para 100 dias. Em contrapartida, aumentou também o passivo (que passou de 1.380 milhões em 2007 para 1.952 milhões em 2009).
Mas se em 2007 a dívida a fornecedores estava na ordem dos 459 milhões de euros, em 2009 já estava na ordem dos 109, uma redução bastante significativa.
A partir de 2009, com os pagamentos normalizados e o prazo médio de pagamento a diminuir, a dívida da câmara de Lisboa começou de facto uma trajetória de queda, mas muito gradual. Viria a ser preciso um empurrão do Governo PSD/CDS — de que Assunção Crista fazia parte — para se notar uma redução substancial. O empurrão aconteceu em 2012, com a venda dos terrenos do aeroporto da Portela.
Nessa altura, o Governo pagou 286 milhões à câmara de Lisboa para resolver o contencioso judicial relativo aos terrenos do aeroporto que se arrastava há décadas, assumindo 277 milhões de euros do pagamento da dívida de médio e longo prazo do município. Foi esse acordo que permitiu ao município reduzir 43% da dívida aos bancos e permitiu também libertar a câmara de 22 milhões de euros de juros anuais.
Conclusão
É enganador dizer que em 2009 estava a reduzir 40% da dívida da câmara, porque em 2009 as contas ainda não estavam regularizadas e a dívida ainda continuava a subir, mas é verdade que ao longo do seu percurso enquanto presidente da câmara de Lisboa António Costa reduziu de facto a dívida herdada nesse valor. Isto, claro, devido a vários fatores, como um muito importante que foi a receita extraordinária da venda dos terrenos do aeroporto da Portela – um acordo que permitiu à autarquia encaixar 286 milhões de euros e reduzir desde logo uma grande parcela do endividamento.