Uma imagem com um homem sentado num sofá a olhar para uma televisão — uma Smart TV com várias aplicações — e a falar para um comando é uma imagem que chama a atenção. Mas as letras garrafais por cima que dizem “Você Sabia?”, seguindo-se de um texto, também em maiúsculas, ainda chamam mais. Nesse texto, partilhado no Facebook, lê-se que” as Smart TVs gravam e filmam tudo” o que se passa em casa de cada um. E que a própria Samsung já o assumiu, com o FBI, inclusivamente, a fazer um alerta público sobre isso.
Apesar de esta partilha ser recente, é preciso recuar a 2015 para perceber o que está em causa. Foi nesta altura que a Samsung começou a produzir Smart TV com câmaras. Televisões que funcionam quase como um computador porque permitem aceder à internet e, consequentemente, a várias aplicações que permitem a utilização de câmaras e a partilha de imagens. No entanto, agora, a Samsung não produz mais Smart Tv com câmaras.
Na altura, em 2015, o hardware do equipamento era da Samsung, mas o software não. E foi por esse ano que Parker Higgins, um ativista que trabalhava na defesa da Electronic Frontier Foundation, em São Francisco, nos Estados Unidos, trouxe ao de cima a questão da política da privacidade, comparando mesmo estes equipamentos ao livro de George Orwell, o “1984”. No livro, Orwell escreveu:
Qualquer som que Winston fizesse, acima do nível de um sussurro muito baixo, seria captado por ele, além disso, enquanto ele permanecesse dentro do campo de visão que a placa de metal comandava, ele também poderia ser visto como ouvido. É claro que não havia como saber se estava a ser vigiado em determinado momento. Quantas vezes, ou em que sistema, a Polícia do Pensamento se conectou a qualquer fio individual foi um trabalho de adivinhação”, lê-se.
Também no texto sobre a política de privacidade da Samsung, à data, lia-se o seguinte aviso: “Esteja ciente de que se as suas palavras faladas incluírem informações pessoais ou outras informações confidenciais, essas informações estarão entre os dados capturados e transmitidos a terceiros por meio do uso do reconhecimento de voz”. Segundo as notícias de então, este terceiro elemento mencionado seria a Nuance, uma empresa com sede em Massachusetts que fornecia a tecnologia para a Samsung. O aviso referia-se aos serviços de reconhecimento de voz, que permitiam aos utilizadores controlar sua televisão com comandos de voz por meio de um microfone no comando da televisão, um pouco à semelhança do que acontece já com alguns telefones.
Vários utilizadores de dispositivos de Smart TV da Samsung começaram também a levantar algumas preocupações relativamente a esta política de privacidade que sugeria que se tinha que ter cuidados com as conversas a ter em casa quando a televisão estivesse ligada.
Ao The Guardian, nesse ano de 2015, a Samsung acabou por garantir que empregava “proteções e práticas de segurança padrão da indústria, incluindo criptografia de dados, para proteger as informações pessoais dos consumidores e evitar a recolha ou uso não autorizado”. Lembrando que os utilizadores tinham a opção de desativar aquele serviço de captação de som e que até era fácil perceber quando estava ou não ativado, porque aparecia um microfone na televisão.
Caso os consumidores ativem o reconhecimento de voz, os dados de voz consistem em comandos de TV ou frases de pesquisa, apenas. Os usuários podem reconhecer facilmente se o recurso de reconhecimento de voz está ativado porque um ícone de microfone aparece no ecrã”.
“A Samsung não retém dados de voz nem os vende a terceiros. Se um consumidor consentir e usar o recurso de reconhecimento de voz, os dados de voz serão fornecidos a terceiros durante uma busca de comando de voz solicitada. Nesse momento, os dados de voz são enviados para um servidor, que busca o conteúdo solicitado e devolve o conteúdo desejado para a TV ”, acrescentou a empresa.
A Samsung não foi a única empresa a oferecer este tipo de serviços. Apple, Google e Amazon também oferecem serviços que apresentam reconhecimento de voz sempre ativo, por exemplo.
E foi por isso que, de facto, o FBI lançou um alerta já em 2019 sobre este tema. Na sua página de internet, o FBI alerta os consumidores deste tipo de produtos para terem atenção, porque estas televisões permitem aceder à internet e por isso tornam-nos vulneráveis a ataques cibernéticos. O próprio FBI diz aos “mais preguiçosos”, que escolhem serviços de voz para não terem que usar comandos e serviços de reconhecimento facial, via câmara, para estarem atentos às políticas de privacidade das marcas. É que um microfone e uma câmara são portas de entrada não só para hackers, que podem conseguir entrar no seu sistema, mas também para empresas terceiras com quem as marcas trabalham. Por isso, aconselham atenção à política de privacidade de cada marca e aquilo que a Samsung também aconselha: desligar as câmaras quando não as utiliza, assim como os microfones. Por outro lado as passwords devem ser mudadas com frequência, como aliás é recomendável fazer num computador.
Conclusão
O aviso que agora corre nas redes sociais refere-se a um problema que foi discutido há já cinco anos, em 2015, num modelo de Smart TV que a Samsung já não produz nem comercializa. Na altura, a Electronic Frontier Foundation começou a levantar questões sobre a política de proteção de dados, uma vez que a própria Samsung advertia os consumidores que tudo o que eles gravassem para ativar o serviço de comando por controlo de voz seria transmitido a uma empresa terceira — que prestava esse serviço à Samsung. E vários utilizadores levantaram questões relativamente à sua privacidade na sua casa.
A Samsung esclareceu porém que apenas o que é gravado para programar esse serviço era enviado e que o sinal de quando tal estava a acontecer era nítido no ecrã, através de um microfone que ficava visível. E que podia ser facilmente ativado. Quantos às câmaras, os problemas levantados foram os mesmos associados a computadores e telemóveis que usem aplicações que possam ser pirateadas e cujos dados possam ser partilhados ilegalmente. Neste momento, a Samsung já não produz estes equipamentos.
Ainda assim, em 2019, o FBI de facto alertou para esta questão, mas não apenas em relação a uma marca, mas a todas as televisões que têm uma câmara e um microfone e que permitem o acesso à internet, tornando-se mais vulneráveis a hackers e à partilha de informação confidencial.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.