Circula nas redes sociais uma imagem retirada de um estudo científico que retrata a variação da camada de gelo da Antártida em 2019 — e que, supostamente, desmente a existência do aquecimento global, das alterações climáticas e do consequente degelo dos polos.

“A área da plataforma de gelo antártica aumentou em 5.300 quilómetros quadrados entre 2009 a 2019, segundo dados de satélite. A cor azul mostra o crescimento da camada de gelo e a vermelha mostra a redução. Arrefecimento global, onde exactamente??”, lê-se numa publicação consultada pelo Observador. A publicação inclui uma imagem da Antártida, onde é possível ver que as regiões a azul (crescimento da plataforma de gelo) são maiores do que as vermelhas (redução da plataforma de gelo). Surge também a ligação para um estudo científico.

Efetivamente, trata-se de um estudo científico real, publicado recentemente na revista científica The Cryosphere, mas a partir do qual está a ser extraída uma conclusão errada — que nas últimas semanas foi amplamente disseminada através de dezenas de publicações nas redes sociais.

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Em primeiro lugar, o estudo. Conduzido pelas cientistas Julia Andreasen (Universidade do Minnesota), Anna Hogg e Heather Selley (Universidade de Leeds), o estudo foi publicado a 16 de maio de 2023 na revista The Cryosphere e está disponível online.

O estudo teve como objetivo colmatar a lacuna de conhecimento científico sobre as medições das plataformas de gelo em torno da Antártida. As investigadoras usaram métodos de análise de imagens para analisar a evolução das plataformas de gelo entre 2009 e 2019. Em diferentes pontos do continente gelado houve regiões a aumentar de tamanho e outras a diminuir — e as regiões que aumentaram de tamanho foram mais significativas. Feitas as contas, a área de plataformas de gelo no oceano em torno da Antártida aumentou em 5.305 quilómetros quadrados na última década.

Isto significa que, afinal, não existe aquecimento global nem degelo na Antártida?

Pelo contrário.

As plataformas de gelo estudadas nesta publicação científica são formadas através do deslizamento do gelo das regiões mais altas da Antártida em direção ao mar. Por isso, o aumento destas plataformas está associado a um aumento do degelo nas regiões mais altas da Antártida, que está a provocar a deslocação de quantidades cada vez maiores de gelo para as regiões costeiras do continente gelado.

Em declarações ao serviço de fact-checking da AFP, o climatologista Raúl Cordero, da Universidade de Santiago do Chile, explicou que as plataformas em causa “são geradas pelo fluxo de gelo que cobre a Antártida em direção ao mar”, onde flutuam até se partirem e darem origem a icebergues. Por isso, disse ainda Cordero, o facto de as plataformas estarem a aumentar de tamanho “significa que o fluxo do gelo antártico é mais rápido” — o que é negativo.

Através do Twitter, a equipa de investigadores da Universidade de Santiago especializados na Antártida já tinha explicado: “As plataformas de gelo flutuantes que rodeiam a Antártida aumentaram a sua extensão em 5.305 quilómetros de quadrados desde 2009. Boa notícia? Não, pois sugere um fluxo acelerado de gelo para o mar. Feitas as contas, a Antártida perde 149 gigatoneladas de gelo por ano, a maioria por fluxo acelerado.”

Quanto à existência do aquecimento global e da sua origem humana, o consenso científico não deixa margem para dúvidas — e basta ler os relatórios do IPCC para o compreender.

Conclusão

O estudo científico em causa existe e tem como principal conclusão o aumento das plataformas de gelo da Antártida na última década. Porém, não pode ser usado para refutar a existência de degelo nos polos e, por conseguinte, de aquecimento global. Pelo contrário: o aumento daquelas plataformas de gelo resulta precisamente do aumento do degelo na Antártida, que está a aumentar a quantidade de gelo que desliza em direção ao mar, formando aquelas plataformas.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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