Das coisas mais difíceis que há no mister de Advogado, a mais difícil é a de pedir justiça. Porque esse momento – o de pedir justiça – é apenas o culminar ou corolário de um já percorrido percurso de debate árduo, de produção de prova, de estudo, de preparação e canseiras, em um caminho porventura com mais incertezas do que certezas, de pleito contra outro Advogado, não raras vezes contra o próprio constituinte, mas, essencialmente, um momento de remate, estacado e solene sob o murmúrio aplacado da consciência no cumprimento das regras deontológicas, condição de honra do exercício da profissão.
A advocacia é uma profissão de interesse público e, como tal, o seu exercício encontra-se sujeito a critérios legais e regulamentares sob a tutela da Ordem dos Advogados. Esperava-se, pois, em todo o processo eleitoral, de todos os intervenientes – candidatos e eleitores — a elevação própria de uma profissão de honra. Veja-se, por exemplo, o tema dos honorários devidos ao advogado em que a própria nomenclatura honorários é testemunho claro das exigências a que a profissão sempre esteve votada. Claro que estamos longe da doutrina romanista que via no mandato um contrato gratuito, ou da jurisprudência francesa do início do século XX que entendia ser meramente facultativo o direito ao recebimento de honorários, entendimentos de antanho, afetados e vaidosos, exageradamente tributários da aceção de que o advogado é um colaborador da justiça absoluta, apaixonada e desinteressadamente independente.
Ainda que a propósito do tema dos honorários, escreveu Giuseppe Aurelio di Gennaro, no ano 1787, no seu “L’Ami du barreau, ou Traité des manières vicieuses d’y défendre les causes”: “tous les gains font l’horreur, chaque fois que l’esprit d’honnêteté et de générosité ne les circonscrit pas dans les limites d’une vertueuse modération.”
Não é todavia, o que se tem assistido na arena de campanha para estas eleições nas quais os advogados portugueses acabaram de eleger, em segunda volta, um novo conselho geral para o triénio de 2020-2022. E a arena por excelência tem sido a rede social onde a admissão é franca, o auditório vasto e a sindicância nula.
Muito se tem escrito – e bem – do dever de reserva que deveria impender sobre os magistrados, feridos que estão alguns por uma insustentável leveza do share, mas pouca ou nenhuma contrição se tem observado no comportamento de alguns intervenientes desta campanha no que diz respeito à observância dos deveres de natureza deontológica da profissão de advogado. E eles são claros. Está o advogado vinculado a um princípio geral de integridade na medida em que é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem, cfr. art. 88.º do EOA. Já para não falar dos advogados comentadores, em televisão, disto e daquilo, de pontapés na bola ou de pontapés nos vizinhos, aparentemente esquecidos das aulas de deontologia, designadamente, da proibição de discussão pública irrestrita de questões profissionais, cfr. art. 93.º do EOA.
Foi uma campanha eivada de acusações, golpes baixos e insultos. Uma campanha que pareceu apenas servir interesses de foro privado quando é a dignidade da profissão – cada vez mais degradada – que merecia outra integridade, de todos e para todos. Uma vergonha que apenas refletiu o estado a que chegou uma profissão. Uma profissão que deveria ser temperada em qualquer circunstância por normas de natureza deontológica. É preciso saber o processo civil e o penal. Mas é fundamental conhecer o Estatuto da Ordem dos Advogados, mormente, as normas de natureza deontológica. Pena que se não entenda que estas normas foram, são e deveriam ser, no futuro, condição e garante da sobrevivência da profissão.
Desejo, ardentemente, que os novos órgãos da Ordem dos Advogados, assim como todos os meus colegas advogados, sejam acometidos de uma virtuosa moderação, tal como observava di Gennaro. Eu, advogado, agradeço, mas será, seguramente, a Advocacia, a Justiça e aqueles a quem servimos, que estarão penhoradamente agradecidos.