Agora que o ruído da Covid-19 deixou de dominar a agenda mediática, está na hora de resgatar aquele que é o principal problema de saúde pública nas sociedades modernas – e que apenas se agravou durante os últimos anos. Falemos da obesidade, uma condição que afeta cada vez mais crianças e adultos pelo mundo fora, sem distinção entre países ricos ou pobres, representando um fardo cada vez mais pesado para os sistemas de saúde. Pela sua prevalência – que se verifica até mesmo em países tradicionalmente caracterizados por uma população “magra”, como é o caso do Japão –, a Organização Mundial de Saúde (OMS) veio já declarar a obesidade “tão preocupante quanto a desnutrição”. Entre a comunidade de médicos e nutricionistas, esta doença é até apelidada de “epidemia do século XXI”.

São visões alarmantes na medida em que o problema não se esgota em si mesmo, já que a obesidade e o excesso de peso são uma porta de entrada para variadas outras complicações, que vão desde diabetes a hipertensão ou problemas de coluna, entre muitas outras doenças crónicas, as quais representam a principal causa de morte em Portugal. Segundo dados da OMS de 2016, 86% dos óbitos em Portugal associam-se a estas doenças, com as cardiovasculares a liderar (29%). Atualmente, mais de dois terços dos portugueses adultos sofrem de excesso de peso ou obesidade e, destes, 57,8%* têm pelo menos uma doença crónica.

No nosso país, os hábitos alimentares inadequados, como o elevado consumo de carne vermelha, baixo consumo de cereais integrais, ingestão de alimentos com grande densidade calórica e baixo consumo de leguminosas e frutas são apontados como a principal causa para o excesso de peso e obesidade. E se alguns proclamavam que a pandemia de Covid-19 nos iria fortalecer enquanto seres humanos, o mesmo não se verificou relativamente às desigualdades sociais na alimentação e na saúde, já que grande parte da população reforçou o consumo de refeições pré-preparadas, fast food proveniente de serviços de entregas, snacks doces e salgados e refrigerantes. Além disso, com a vulgarização do trabalho remoto e o aumento do tempo passado em casa, a atividade física diária diminuiu consideravelmente. É, por isso, peremptório encontrar uma resposta concertada, envolvendo o Estado e as próprias empresas na luta contra esta epidemia.

Aposta na saúde em contexto laboral é ainda recente

A nível governamental verifica-se um aumento do investimento na prevenção do excesso de peso e obesidade, nomeadamente com medidas como a regulação da publicidade dirigida a crianças, a taxação e a reformulação de algumas categorias de alimentos ou a alteração da oferta alimentar nas escolas. Mas não chega! Há que contrariar a tendência de aumento do excesso de peso entre a população através de estratégias de intervenção centradas na educação alimentar e nutricional, tendo em conta que as doenças relacionadas com excesso de peso e obesidade representam um custo direto anual de cerca de 1,2 mil milhões de euros – aproximadamente 0,6% do PIB português e 6% das despesas totais de saúde.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As empresas, por sua vez, estão cada vez mais cientes de que a saúde, o bem-estar e a segurança no trabalho são aspetos fundamentais para otimizar a produtividade, a competividade e a sustentabilidade do seu negócio. Tendo em conta que passamos, em média, um terço do dia a trabalhar, é natural que o conceito de saúde e bem-estar assuma um papel cada vez mais importante no contexto laboral. Verifica-se, neste sentido, um aumento do investimento na sensibilização e educação dos trabalhadores para adoção de hábitos alimentares mais saudáveis, com empresas a promoverem workshops, palestras e showcookings internamente, assim como a oferecerem acesso a consultas de nutrição. No entanto, esta aposta na saúde e bem-estar em contexto laboral é recente e há ainda um longo caminho a percorrer.

É necessário combater a desinformação

A intervenção de empresas e Governo neste combate torna-se ainda mais necessária se pensarmos em toda a desinformação que circula na internet. É fácil cair em mitos e construir hábitos alimentares baseados em crenças. Por outro lado, cada indivíduo tem necessidades específicas, pelo que as dicas e os programas nutricionais padronizados que encontramos em sites e redes sociais muitas das vezes não se adequam e podem até causar traumas na relação que temos com a comida. Quando falamos de acompanhamento nutricional é fundamental que este seja sempre o mais adaptado possível e adequado não só às necessidades mas também às preferências e limitações de cada um.

O papel dos nutricionistas tem vindo, por isso, a ganhar cada vez mais relevância. E, de modo a garantir resultados melhores e mais duradouros, há uma tendência nas relações com estes profissionais: o acompanhamento assíncrono, um modelo em que o paciente não tem acesso ao nutricionista apenas durante as consultas, mas em qualquer momento. O que resulta em mais motivação e em escolhas alimentares mais conscientes durante o dia-a-dia.

Acima de tudo, a mobilização de todas as entidades deve partir do reconhecimento de que a obesidade é uma doença complexa, que mexe com diferentes fatores e exige um tratamento que se foque não só na mudança de hábitos alimentares, mas também na melhoria da saúde e qualidade de vida, criando-se uma relação mais positiva com a comida.

*Dados de um inquérito realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).