Há dias, comentava com um colega que perdi qualidade a estacionar carros, tudo porque depois dos sensores, o meu carro “estaciona sozinho”, bastando um único clique. Se em 1993, no Opel Kadett do meu pai, parecia que eu conseguia fazer maravilhas ao conseguir estacionar em milímetros de distância dos carros próximos, sem bater e em locais incrivelmente estreitos. Hoje muito dificilmente conseguiria fazer o mesmo, pois se os sensores deram uma grande ajuda, hoje a realidade é que basta “um botão” e “nem preciso” estar dentro do carro! A Inteligência Artificial (IA) tem entrado nas nossas vidas e rotinas de maneiras que, há alguns anos, pareciam impossíveis. Automatiza processos, organiza os nossos dados, e até nos ajuda a tomar decisões mais rápidas e informadas, sem nos apercebermos. No entanto, apesar de todas estas maravilhas de eficiência, confesso que verifico que a IA nos dá muita preguiça. Ao mesmo tempo que promete simplificar a vida, acaba por nos distanciar e destreinar de tarefas que exigem esforço mental, criatividade e uma dose saudável de improvisação.

Pensemos, por exemplo, nas inovações diárias que a IA nos oferece: desde os algoritmos que nos sugerem o próximo filme a assistir até os assistentes virtuais que respondem a praticamente qualquer pergunta que fazemos. Essa conveniência é, sem dúvida, uma bênção moderna, mas ironicamente, essa mesma facilidade de acesso de “saber imediato” torna-nos muito menos curiosos, menos ativos na busca por soluções criativas e, eventualmente, mais acomodados e destreinados. Quem, como eu, foi praticante de desporto (andebol no meu caso), sabe a importância de treinar, pois traz-nos repetição, erro, aprendizagem, rotinas, as quais são essenciais à evolução da nossa motricidade, criatividade e raciocínio!

A IA, ao automatizar decisões e previsões, tende a poupar-nos de esforços que antes eram essenciais. Hoje, ao contrário de dedicarmos tempo à pesquisa e à reflexão, muitos de nós dependemos de algoritmos para escolher o que ler, o que ouvir, e até mesmo qual caminho a seguir ao usarmos o Waze. A capacidade da IA de nos poupar trabalho é impressionante, mas ao longo do tempo, leva-nos a um estado de passividade intelectual, onde somos guiados pelo conforto da automação, ao invés da nossa própria busca por respostas ou descobertas.

E se quem hoje tem 35 anos ou mais ainda viveu uma época analógica, quem como os meus filhos (entre os 7 e os 21 anos) já nasce em modelo “Geração Z” digital foi habituado a simplesmente aceder a serviços feitos, e muito pouco a entender como eles são feitos. Dois conceitos importantes e cruciais que esculpem o modelo de vida de hoje…. e que fomos totalmente induzidos a fazer. E, com isto, não estou a indicar que devemos regressar à pré-história! Apenas estou a indicar que na escola (e nós, enquanto pais) devemos ensinar como se fazem as coisas, e não a dar as coisas como feitas. Há um ditado popular que caracteriza muito bem esta realidade do que estamos a ser induzidos: “Dá ao homem um peixe e ele alimenta-se por um dia. Ensina um homem a pescar e ele alimenta-se para toda a vida!”

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Para além desta preguiça mental, há também uma sensação de distanciamento das atividades criativas. Com a IA facilitando processos que antes obrigavam a pensamento analítico e esforço criativo, há o risco de tornar as pessoas menos envolvidas nas atividades, por menor ligação à criação dessa mesma atividade! O “atalho” disponibilizado pela IA leva-nos a soluções rápidas, mas será que essas são as melhores soluções? Será que não estamos a perder algo essencial ao depender excessivamente da tecnologia? Será que estamos a ser guiados por quem nos quer levar para determinados caminhos e hábitos?

E com isto não estou a criar fantasmas de teorias da conspiração! Estou apenas a procurar incentivar a cultura do questionamento, da dúvida, da análise crítica, da capacidade de alicerçar valores humanos essenciais.

Próximo capítulo virá, nesta análise crítica e filosófica do que bom e menos bom a IA traz à nossa “massa cinzenta”…