Recentemente, e tendo em conta as mais recentes evoluções da Inteligência Artificial (IA), discute-se bastante se ela tem ou não capacidade criativa, uma vez que a mesma é tecnicamente programada para a realização dessas tarefas. A discussão pode até ser mais ou menos filosófica sobre o tema, mas a realidade pragmática é que hoje a IA tem enormes capacidades na criação de textos, composições musicais e até realizar outros tipos de obras de arte como a pintura. Ou seja, pragmaticamente, os resultados apresentados são confundíveis aos olhos naturais da maioria dos humanos e, em muitas situações, o resultado apresentado pela IA é mais que suficiente para o objetivo pretendido.

Quantos não pensam que “se eu gosto da música que oiço” ou “se li um texto bastante completo e descritivo sobre um tema” ou “se olho uma pintura que aprecio e que fica perfeitamente enquadrado numa divisão da minha casa”, por um preço de custo ou de venda muito inferior ao tradicional, nem quero saber quem fez. Enquanto consumidores de algo, a maioria das pessoas está certamente mais preocupada com o prazer do resultado final e não com o processo produtivo ou criativo.

Tal é potenciado pela capacidade produtiva infinitamente maior, da disponibilidade de computação, trazendo por isso acessível a produção destas “novas obras de arte” por uma população que não tem normalmente acesso, nem os conhecimentos técnicos para a sua produção. Logo, por mais fascinante que seja, é certo que essa automação artística distancia da essência do processo criativo. A reflexão, o erro e a tentativa fazem parte do caminho de qualquer criação significativa. A IA pode oferecer um resultado final eficiente, mas o caminho percorrido até lá é o que muitas vezes define o valor e a profundidade de uma obra.

Outro efeito colateral da IA é a redução do nosso envolvimento com tarefas que antes eram do quotidiano. Hoje, com assistentes virtuais e automatizações, até mesmo pequenas decisões, como qual o e-mail devo responder primeiro ou como organizar o dia, podem ser feitas por máquinas. Apesar de trazer eficiência, voltamos uma vez mais ao conceito de incentivo e importância do treino, do erro, da aprendizagem pessoal, pois questiono até que ponto essas pequenas decisões não são oportunidades de exercitarmos a nossa capacidade de priorizar, refletir e fazer escolhas conscientes, preparando a robustez pessoal (psicológica e social) para situações futuras, onde a decisão individual tem de ser tomada.

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A IA, ao aliviar-nos do peso de muitas tarefas, também nos pode privar da experiência de sermos plenamente ativos e intencionais nas nossas rotinas. E de evoluirmos pela aprendizagem pelo erro. E aqui reside o paradoxo: quanto mais a tecnologia faz por nós, mais nos acomodamos e menos nos desafiamos. A eficiência tem seu custo, e esse custo pode ser uma forma subtil de preguiça, que nos distancia da essência do trabalho e da criatividade humana.

No momento da publicação deste artigo, debate-se a retirada de algumas tecnologias nas escolas, pois após alguns anos de facilitismo e incentivo ao uso direto de tecnologias nas escolas em crianças em idade de formação inicial das competências de escrita, leitura e sociais, vários estudos comprovam que esse facilitismo tem potenciado que essas crianças quando alcançam a adolescência se tornem frágeis socialmente e com falhas de confiança e criatividade, pelos “não hábitos” criados.

Então, apesar de todas as facilidades que a IA oferece, não podemos esquecer o valor de nos mantermos envolvidos e ativos nas nossas vidas diárias. A tecnologia deve ser uma ferramenta que nos capacite, e não um substituto para nosso esforço mental e criativo. A preguiça pode ser tentadora quando tudo está ao nosso alcance com apenas alguns cliques, mas, no longo prazo, o verdadeiro progresso surge da nossa capacidade de pensar criticamente, criar com esforço e explorar novas possibilidades por conta própria.

Afinal, a IA pode-nos poupar trabalho, mas cabe a cada um de nós evitar a armadilha de uma vida demasiado automatizada. O esforço, a busca e o envolvimento pessoal são os elementos que tornam as nossas conquistas mais valiosas. E, por mais que a IA nos tente facilitar a vida, há sempre um certo prazer em assumir o controlo, em errar e aprender no processo, e em não deixar que a preguiça, digital ou não, dite o ritmo de nossas vidas.