Quando von Humboldt declarou que “amo os judeus realmente só en masse; en detail, prefiro evitá-los”, estava em contracorrente com o pensamento do século XIX. Terá mudado, entretanto, o estado de coisas, pergunto-me. O certo é que a indignação para com o povo judeu – e não só com o israelita – está em crescimento: slowly, but surely.

As manifs sucedem-se de bom grado em vários pontos do globo, nos campus das universidades, nas ruas e em festivais da canção. Sinagogas são vandalizadas. Após inúmeros casos e factos históricos incómodos – da Terra Prometida a sem terra, dos banqueiros e herdeiros da Casa Rothschild ao l’affaire Dreyfus e a Anne Frank – e numa altura em que o racismo e a xenofobia estão (ao nível do discurso politicamente correto) obsoletos, permite-se este ódio, mais ou menos dissimulado, mais ou menos envergonhado, a um povo milenar. Os mais cínicos dir-se-ão que foi sempre assim no velho continente; que essa história leva mais de 2000 anos…

Nesse sorvedouro de desprezo, a quizila recente (séria, sem dúvida) da Faixa de Gaza apresentar se-á como um sintoma, um efeito, ou pelo contrário, uma causa, uma essência?

Mas afinal, de quem é a culpa?

Fazendo uma (falsa) analogia, a Casa Espírito Santo trabalhou em Portugal, e orgulhosamente, para vários regimes; não ficou perturbada por nenhum – até ao seu triste final, pelo menos. Ora, a dos Rothschild padeceu do mesmo feitiço: “não levaram mais de 24 horas para transferir, em 1848, os seus serviços de Luís Filipe para a nova e passageira República Francesa e, depois, para Napoleão III” (Arendt). Deslealdade ou pragmatismo, a realidade é que até à criação do Estado de Israel, os judeus nunca puderam ou quiseram usufruir de poder político. A figura do judeu errante cava profundo no Ocidente. Já alguém os classificou como um povo com História, mas sem Geografia. O curioso é que, como relata Arendt, a perseguição mais desenfreada ao judeu ocorre a partir do momento em que eles perderam a sua influência e importância social; ou seja, quando se encontraram perante os genos numa condição inócua. É precisamente aí, com o surgimento das massas, da “ralé” (Arendt, novamente) que essa animosidade atinge o clímax. É o caso de Hitler e do nazismo. Se por um lado, a “questão judaica” estava em vias de extinção, é nos seus mínimos históricos que a onda nacional-socialista vai resgatá-la, colocando-a no centro da História. E, pelo menos uma vez na História, os judeus estavam inocentes.

A verdade é que atualmente os judeus têm inimigos engajados. Já não serão, pelo menos os mais vocais e desassombrados, os da extrema-direita; antes, estarão nos seus antípodas. E, definitivamente, já não são déclassés.

Mas afinal, de quem é a culpa?

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