Nos últimos anos, assistimos a uma crescente valorização cultural das startups e dos ecossistemas de incubadoras em Portugal. Este fenómeno, fortemente alimentado por uma narrativa de inovação, disrupção e potencial de crescimento exponencial, tem capturado a atenção de investidores, governos e meios de comunicação. Porém, este foco tem obscurecido a verdadeira espinha dorsal da nossa economia: as micro e pequenas empresas.

Não podemos negar que as startups têm trazido dinamismo ao mercado português. Estas empresas, muitas vezes lideradas por jovens empreendedores, apresentam novas ideias, modelos de negócio inovadores e uma capacidade impressionante de captar financiamento, muitas vezes oriundo do capital de risco. O sucesso de algumas, espelhado na sua capacidade de internacionalização ou de atração de investidores de renome, contribuiu para criar um ambiente quase místico em torno deste modelo empresarial.

As incubadoras e aceleradoras desempenharam um papel central neste panorama, ao oferecerem apoio estratégico, mentoria e, por vezes, até capital inicial. Este ecossistema tem sido eficaz na criação de empresas que, em teoria, têm o potencial de crescer rapidamente e gerar retornos significativos. Contudo, este fascínio pelas startups pode revelar-se perigoso se levar à negligência de outros setores essenciais da economia.

De facto, embora as micro e pequenas empresas (MPEs) em Portugal representem mais de 99% do tecido empresarial, empregando cerca de três milhões de pessoas, raramente recebem o mesmo nível de apoio ou reconhecimento que as startups.

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Estas MPEs que são, na sua maioria, negócios familiares ou de âmbito local que sustentam comunidades inteiras e garantem a estabilidade económica regional, enfrentam desafios únicos, que vão desde a burocracia excessiva e dificuldades no acesso ao financiamento, até à falta de apoio na transição digital e na internacionalização. Além disso, a sua capacidade de inovação é frequentemente subestimada, apesar de muitas vezes serem extremamente resilientes e de se conseguirem adaptar às mudanças do mercado.

É fundamental que a narrativa em torno do empreendedorismo em Portugal seja repensada. Continuar a concentrar todos os esforços e recursos nas startups, sem considerar o papel vital das micro e pequenas empresas, é um erro estratégico que pode comprometer a sustentabilidade e a coesão económica do país.

Assim, Portugal precisa de uma visão estratégica que integre as startups e as MPEs de forma harmoniosa, aproveitando o melhor de ambos os mundos. Ao invés de perseguirmos incessantemente o próximo “unicórnio”, devemos criar um ambiente empresarial onde todas as empresas, independentemente do seu tamanho, possam prosperar, apoiando-as com acesso simplificado a financiamento, desburocratizando processos e oferecendo formação contínua. É fundamental valorizar e celebrar os empresários que, frequentemente sem os recursos e o glamour das startups, conseguem criar e manter negócios que são pilares das suas comunidades, contribuindo para um futuro económico robusto e inclusivo.

O futuro do tecido empresarial português não pode estar exclusivamente nas mãos das startups. É necessário um esforço conjunto para apoiar e valorizar todos os tipos de empresas, reconhecendo que as micro e pequenas empresas são tão importantes para o crescimento económico e a inovação como qualquer startup em fase inicial. Somente através de uma abordagem inclusiva e equilibrada poderemos garantir um crescimento sustentável e próspero para o nosso país.