Encontramos um falhanço da moral humanista quando assistimos ao triste espectáculo de ver países da CPLP que antes já se tinham empenhado no apoio ao regime de Putin e à sua “operação especial” na Ucrânia e que agora se arrastam na lama através do apoio medroso pela via de uma pífia “abstenção” à repressão violenta e a repetidas e graves violações dos direitos humanos por parte do regime de Teerão.

E, contudo, foi isso mesmo que aconteceu a 16 de Novembro no “3º comité da 52º reunião plenária de Assembleia Geral, 77ª sessão” da ONU, quando Angola, Brasil, Guiné-Bissau e Moçambique se abstiveram na votação da proposta de resolução “Situação dos Direitos Humanos na República Islâmica do Irão”, onde, entre várias propostas, este organismo das Nações Unidas condenava o regime de Teerão pelo “uso generalizado da força contra manifestantes não violentos” exprimindo uma “manifesta preocupação com o projeto de lei proposto pelo Governo da República Islâmica do Irão sobre o uso de armas de fogo durante os protestos” apelando ainda para que o regime considere a “rescisão de sentenças excessivamente severas, incluindo aquelas envolvendo a pena de morte e exílio interno de longo prazo, e para acabar com as represálias contra os defensores dos direitos humanos, incluindo mulheres, manifestantes pacíficos e as suas famílias, jornalistas e trabalhadores da media” e que, ainda, fossem realizadas investigações sobre “represálias e casos de uso da força em relação a protestos pacíficos”.

Nesta proposta de resolução Portugal, Cabo Verde e Timor-Leste, souberam estar do lado certo da História e da defesa dos Direitos Humanos mas Angola, Brasil, Guiné-Bissau e Moçambique optaram por seguir o mantra ditado por Marcelo Rebelo de Sousa há dias quando declarou – numa das suas recentes e já várias gaffes televisivas – que o “Qatar não respeita os direitos humanos. Mas, enfim, esqueçamos isto” ou o mercenarismo de Carlos Queirós que, quando questionado por um jornalista se não tinha “vergonha de trabalhar num país onde os direitos das mulheres não são respeitados?” respondeu “quanto me paga para responder a isso? Fale com o seu patrão e no final do Mundial eu respondo-lhe se me fizer uma boa oferta”. Ambos, Marcelo e Queirós, movimentam-se no Mundo da Bola, onde tudo é dito e permitido. Um estava ansioso pela sua presença no jogo inaugural da selecção da FPF (há quem diga “nacional”) frente ao Gana, o outro pelos milhões que lhe pagam os mullahs. Ambos alinham pela bitola moral do “esqueçamos isso, os direitos humanos, e falemos de Bola”.

Mas ambos estão errados. Assim como errados estão os representantes lusófonos na ONU de Angola, Brasil, Guiné-Bissau e Moçambique que, em flagrante contradição com os princípios da CPLP “Primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social”, também “esqueceram isso” e se abstiveram na condenação ao regime de Teerão. Na verdade não podemos esquecer ou abster-nos em função dos 14 mil detidos em condições desumanas, sob tortura e ameaça de pena de morte nas cadeias iranianas. Perante o mal absoluto não há abstencionismo mas o dever ético e moral de agir a fazer algo a propósito. Os mais de 60 mil mortos pelo regime desde 1979, a opressão sobre as mulheres e homossexuais não pode ser esquecida, respondida se “pagarmos para isso” ou votada em abstenção. Não podemos colocar em suspensão a defesa dos direitos humanos por nossa mercenária conveniência, porque queremos assistir num camarote a um jogo do Ronaldo ou para agradarmos aos nossos amigos russos, chineses ou iranianos. Em questões de direitos humanos apenas pode haver uma resposta: sim. Não a abstenção nem o esquecimento.

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