A CTI projectou 84 milhões de passageiros para o novo aeroporto de Lisboa em 2050 face aos actuais 31 milhões e contra valores mais modestos que resultam das previsões da Eurocontrol e da realidade do País.

A Eurocontrol é uma organização internacional com mais de 2000 pessoas focada na gestão do tráfego aéreo europeu na qual a UE delegou partes dos seus regulamentos relativos ao Single European Sky, tornando-a a organização central para a coordenação e o planeamento do controlo do tráfego aéreo em toda a Europa.

A Eurocontrol publicou um relatório em Abril de 2022 Aviation Outlook 2050 com as previsões de tráfego aéreo para toda a Europa com base num modelo fundamental que tem em consideração as duas variáveis tidas como mais importantes, a demografia e evolução do PIB, sujeitas a restrições de capacidade dos aeroportos, frota existente e, pela primeira vez, as limitações de emissões do sector da aviação, um dos mais difíceis de descarbonizar.

Estas previsões mais recentes da Eurocontrol adiaram em 10 anos as previsões anteriores. E se olharmos no passado, verifica-se que as previsões da Eurocontrol têm vindo a evoluir sempre no sentido em baixa. Portanto, isto serve apenas para referir a Eurocontrol como uma referência na difícil arte de fazer previsões.

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A Eurocontrol prevê para a Europa um crescimento de 1.2% por ano até 2050, muito por força do crescimento do tráfego aéreo dos países de leste e da Turquia. Para Portugal, prevê um crescimento de 0.8% que aplicados aos 31M de tráfego em Lisboa resulta em 40M em 2050. No seu cenário central, a Eurocontrol não considerou que havia sequer um gap na capacidade aeroportuária.

A CTI utilizou naturalmente a Eurocontrol como uma base para as suas previsões entre outras fontes. Em vez de utilizar modelos com base nas variáveis fundamentais explicativas do tráfego, utilizaram taxas de crescimento majoradas, oferecendo explicações variadas. O resultado final foi uma taxa de crescimento de 3.77% que resultou numa previsão de procura de 84M em 2050.

A empresa TIS, responsável pela produção da previsão da procura para a CTI, classificou “os valores apresentados para 2050 são sensatos e verosímeis”…

Para que o número seja verosímil e sensato, será necessário verificar que as condicionantes da procura não têm limitações para que a previsão se possa verificar.

Comecemos pela demografia. A ONU prevê para Portugal que a população total se reduza 10% e que a população activa (25 a 64 anos) se reduza 24% (já com imigração). Se hoje já existe dificuldade em contratar pessoas para o sector do turismo, será verosímil quase triplicar o número de turistas face à situação actual?

Continuemos pela riqueza. Se a população total se reduz, o PIB tenderá a reduzir-se em termos reais de igual proporção, mantendo-se o PIB per capita. Para mantermos o PIB per capita com menos população activa, teríamos de aumentar a produtividade nos próximos 30 anos como não conseguimos nos últimos 30… Para o fazermos, teríamos de utilizar o trabalho em sectores de maior valor acrescentado. Não sendo o turismo um dos sectores de maior valor acrescentado e tendo o turismo já um dos maiores pesos no PIB, será o turismo a forma de garantir que o País não empobrece em termos reais por causa da demografia? Se o País empobrece, será que conseguimos atrair 84M de passageiros para Lisboa?

Continuemos noutras restrições a jusante. Tendo-se previsto que a procura potencial seja de 84M, tal não implica que a capacidade do aeroporto tenha de servir toda a procura, da mesma forma que não temos de criar estacionamentos para toda a procura em Lisboa. Há restrições a jusante e equilíbrios que limitam a capacidade real do aeroporto, independentemente do número de pistas que lá se coloquem. Já vimos que uma potencial limitação é termos pessoas para poderem servir os turistas, mas outra é alojamento. Portugal tem 458 mil camas disponíveis em território nacional; para servir 84M proporcionalmente teria de ter 1241 mil camas. Seria necessário construir 783 mil camas nos próximos 30 anos, quando nos últimos 30 se fizeram 250 mil camas. Teremos alojamento para todos?

Pode-se argumentar que uma parte significativa do tráfego será em trânsito e não irá requerer Alojamento. A CTI admitiu que os actuais 22% poderiam evoluir para 30%. Teríamos de subir para valores próximos de 50% para chegarmos a níveis de aumento de camas na ordem de 350 mil camas. Mas será possível criar um hub com 50% de passageiros em tráfego a partir da situação actual? Os principais hubs têm uma companhia aérea forte e de elevada dimensão e uma riqueza económica importante que os suportam. Resultaram sobretudo de um processo dinâmico gradual que gozou da explosão histórica das viagens aéreas.

Podemos pensar no Alojamento Local que na região de Lisboa terá sido a principal fonte de alojamento dos turistas que aterraram no aeroporto Humberto Delgado. Mas o novo Alojamento Local está muito dificultado e tem custos fiscais que o desaconselham. Então, como se vai resolver o tema do alojamento dos 84M de passageiros? Que impactos nos preços da construção? Que impactos na habitação?

Nas restrições, temos ainda as restrições de emissões. É um tema bastante complexo na medida que a aviação é um dos sectores mais difíceis de redução de emissões. As soluções tecnológicas não existem e ou têm imensas implicações tanto de infraestrutura aeroportuárias como da própria frota. O que se pode dizer com alguma propriedade é que o combustível custará bastante mais do que actualmente custa o querosene. A este propósito, o CEO da Lufthansa disse recentemente que “Today’s available SAFs would only be enough to power Lufthansa for two weeks.” (…) “…not to mention the high costs that in the end the passenger will have to bear”. Sabendo que o custo do combustível vale 30% das tarifas aéreas e que o tráfego europeu tem elevada elasticidade (i.e. a procura reduz-se 1.4% por cada 1% de aumento da tarifa), será verosímil termos elevadas taxas de crescimento de procura num contexto de limitação de emissões e de inexistência de soluções competitivas de voo?

Finalmente, há um elemento competitivo importante de ter em conta nas previsões. Para crescermos mais que as alternativas, teremos de ser mais competitivos. Um crescimento de 3.77% até 2050 quando a Europa cresce a 1.2% é um ganho de quota imenso do tráfego aéreo. É bom de ver que Frankfurt e Charles de Gaulle têm hoje 60M de passageiros (2x Lisboa), assim como Heathrow que já teve 80M. Que aspectos estruturais em Portugal justificam que consigamos crescer tanto o tráfego em Lisboa e ganhar quota a outros aeroportos? Como é que um hub novo vai ganhar quota a hubs que se desenvolveram com tempo, riqueza e população?

As alternativas também são tecnológicas. O investimento no TGV não vai retirar passageiros? A contínua evolução tecnológica não vai reduzir tráfego aéreo com e-meetings, mobilidade autónoma, etc?

Depois de tudo isto, o leitor que responda a se a previsão de 84M é um valor “sensato e verosímil” face aos 40M que resultaram da modelação pormenorizada da Eurocontrol.

Pergunta final: o problema de localização não se altera se em vez de 84M a previsão de procura for de 40M?