Por ser este um tema cada vez mais perturbador do ambiente e da vida das comunidades da região, procurei ter uma informação mais aprofundada, consultando os vários sites disponíveis e actualizados, que são inúmeros, abertos ao leitor e acessíveis para todos.

Procuro neste texto fazer uma síntese do problema, como o pude entender e equacionar, não sendo especialista, mas agindo como cidadão e habitante da região. Ou seja, sem preocupação cientifista, sistémica ou exaustiva, mas na busca de entender a realidade e os factos actuais, que (nos) ameaçam cada vez mais, sob vários modos e formas. Sem alarmismos, mas efectivamente a constatação é de que estaremos, na área de rega do Mira (como noutras?), e sua envolvente, perante uma situação global errada, injusta e negativa, ecologicamente gravíssima para a vida das ditas comunidades – cada vez mais. E por isso, há que fazer algo.

De facto, vivendo por longos períodos na região referida, desde há décadas, com a minha família, (por opção e gosto), dedicando-nos a uma vivência morigerada e cultivando pequena horta e jardim, constatamos paulatinamente não só os crescentes e recentes conflitos sobre o acesso e fruição pela nossa comunidade da essencial “água do canal” (na área de regadio da rio Mira/Odemira e envolvente), mas também, em coisas simples e de pormenor (“Deus está nos pormenores”, dizia Mies van der Rohe), temos verificado a patente, angustiosa e crescente redução do número das abelhas, moscardos, pássaros e outros seres do ar na envolvente das habitações e instalações, sobretudo no Verão.

São sinais soltos, mas de que algo está mal e é grave – sem abelhas, o mundo dos humanos rapidamente estaria em causa, por exemplo…

Primeiro, há a verificação de que a dita agricultura intensiva, ou superintensiva, das estufas dos frutos vermelhos, surge aqui como o grande problema – pois que, aparentando ser coisa civilizada e contribuindo para o desenvolvimento do País, afinal se tem revelado um crescente bicho de sete cabeças, pleno de efeitos nefastos e/ou criticáveis, no modo, à evidência “selvagem”, com vem sendo criada e implementada.

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Ainda me lembro, nos meados dos anos 1980, quando o Sudoeste era um oásis ambiental que poucos frequentavam, de ter assistido numa das praias então favoritas, a hoje famosa “Praia da Amália”, à constatação lamentável de que já não podíamos, nas tardes cálidas, tomar os regenerantes banhos de água doce nas cascatas naturais deslizando pelas rochas xistosas, pois um qualquer empresário estrangueiro (Thierry…, se não erro) estava a experimentar a novidade de fazer estufas no plaino acima do areal, e essas águas eram agora “banhos” de poluentes fertilizantes e insecticidas… Foi assim que a coisa começou, há uns 35 anos – creio que ele logo faliu, ou desistiu, mas outros vieram.

De facto, esta agricultura intensiva, que em princípio, plena de boas intenções, pretende contribuir para a redução da fome no mundo, pela crescente produção de alimentos que conseguiria, aproveita nesta região a estabilidade do fornecimento de água na zona do regadio do Mira (pelo canal desde a barragem de Santa Clara, uma das maiores albufeiras do País, se exceptuarmos o Alqueva), e a disponibilidade de terra rural, para encetar plantações de monocultura, com alto rendimento e com uma elevada área de ocupação dos solos. Ao que se sabe, sobretudo para exportação, e de uma forma industrializada, massiva. Implica, ao que se sabe, uma elevada utilização de agroquímicos, essenciais para garante da qualidade e quantidade dos produtos, ou seja de eficácia das empresas afectas. Mas estes são afinal sinais nítidos de uma exploração intensiva dos recursos, de teor ou tipo colonial – colonizar no sentido de extrair um máximo de produção, deixando depois os solos, as terras (e quiçá as comunidades) arruinadas, degradadas ou estéreis.

Em termos gerais, e sem especificar quais os aspectos que mais prevalecerão na área do Mira, os principais efeitos negativos da agricultura intensiva (doravante, AI), estão há muito identificados e descritos em toda a literatura científica respeitante:

degradação do solo; salinização das áreas irrigadas; poluição das águas subterrâneas; aumento da resistência aos pesticidas; e, last but not the least, a fatal erosão da biodiversidade – um chavão, mas infelizmente para todos, uma verdade crescentemente terrível.

Em Portugal há três regiões principalmente afectadas por esta actividade da AI – a dos olivais do Alqueva, a do abacate do Algarve e a do Mira, com seus frutos vermelhos (a AI de Mim, ou seja a “agricultura intensiva do Mira e molhados”); interessa-nos aprofundar mais um pouco esta última, pois que coloca questões ainda mais gravosas por suceder numa extensa parte, em pleno Parque Natural, e aqui avançamos:

Hoje, a AI de Mim, pelos dados disponíveis, cobre cerca de 1600 ha – 11 % da área concelhia, o que é uma enormidade – mas, mais grave ainda, foi recentemente autorizada oficialmente a sua extensão para 4800 ha, ou seja, para poder ocupar uns 40% da mesma área! Isto aparece como fruto de uma inconsciência governamental, sem a exigível consideração dos denunciados e evidentes perigos e consequências nefastas, ainda para mais em contexto de Parque Natural.

Todo o processo da AI de Mim está a crescer, qual tumor, ignorando ou mesmo contra a tendência real para uma acentuada menor precipitação na região do sul de Portugal, (mas tb em toda a Península Ibérica) com as consequentes reduções de caudais e de capacidade de recarga dos aquíferos subterrâneos, e o avançar do espectro de uma desertificação abrangente – as comunidades desta área bem o sentem, e sabem do que se está a falar. Em suma, a AI de Mim gasta água demais.

Claro que as consequências nocivas do cultivo da AI de Mim não ficam por aqui – trata-se de uma bola de neve, desde os perigos para a saúde pública (potenciais alergénicos e cancerigénicos pelo uso dos fertilizantes e pesticidas), da poluição do solo com os agroquímicos, da destruição implacável das fauna e flora nativas – o tal fatal desaparecimento de pássaros e insectos, que se alimentam de plantas que ou progressivamente desaparecem ou estão envenenadas… sem falar no aumento exponencial da poluição pelos detritos de plásticos e outros materiais consumidos massivamente nas estufas. E, claro, a poluição do próprio mar da envolvente costeira, carregado das descargas dos resíduos venenosos da produção estufal. Já não há praia, banho de mar, que esteja livre deste fatalidade. Num Parque Natural, é obra!

Haveria ainda que acrecentar a denúncia da exploração das comunidades de migrantes-trabalhadores de estufas, vivendo em condições precárias ou desumanas, às dezenas de milhar na região – afinal sofrendo a mesma “exploração colonial” que as plantas e fauna sofrem, mas, como dizia o personagem de um filme de Wilder, “but that´s another story”…

Poder-se-ia entrar em referências mais detalhadas e técnicas, como as do aumento do teor de nitratos nas plantas, o da degradação do solo, cuja lixivação provoca contaminação dos lençóis freáticos e das águas superficiais… mas para quê? Esta não é uma cruzada tecnicista e fanática, apenas nos limitamos, como cidadãos, a expôr o que o que há muito se sabe, mas parece querer ignorar-se na actuação real, privada e institucional!

De facto, ao que é dito, os estudos de impacte ambiental não são exigíveis para cada propriedade ou produção até uma certa dimensão (que as da AI de Mim não atingem, cada uma), como se a justaposição de inúmeras destas unidades não criasse na realidade uma extensão que obrigaria a essa medida de prevenção… e alegremente, aproveitando uma legislação incapaz, assim se caminha para a catástrofe multinacional.

Custa ver que os próprios responsáveis pela exploração de estufas – a atestar pelas sua declarações públicas – não só não parecem ter consciência da acção altamente poluidora e gravosa que praticam e alimentam, como a procuram justificar pelos meios disponíveis, como se se tratasse de uma benfeitoria, geradora de progresso – para cúmulo, acusando os agentes da chamada agricultura tradicional da região, de atraso e entrave ao desenvolvimento – desenvolvimento de que eles, estufadores, seriam os lídimos representantes! Ora os agricultores tradicionais, a par dos outros agentes empresariais locais (como os ligados ao turismo, ao comércio e à acção cultural), são na realidade, como um todo e uma global comunidade local; são factores de equilíbrio (contra o desequilíbrio gerado pelas estufas), social, funcional, ecológico – e não actores negativos – pelo todos podem e devem, por direito de vida e de acção, aceder à essencial “cultura da água do canal”. Pressinto uma tentação totalitária, a da AI de Mim vir a abarcar os tais 40% do território odemirense – esperemos que não.

Conclusão

À partida nada me move contra os produtores de frutos vermelhos do Mira – mas não posso deixar de constatar a dimensão real e gravosa do que aqui procurei inventariar sumariamente: os resultados da AI de Mim, que surgem cada vez mais clara e catastroficamente negativos porque descontrolados, furto de ganância e/ou de falta de supervisão governamental, da legislação inexistente ou inadequada, da incúria, do não saber ou querer planear e controlar o território – e é tudo isso que há que corrigir e melhorar, com a máxima urgência, sob pena de extinção…

Não se trata pois de extingir explorações, mas de forçosamente as saber reorientar, condicionar e controlar por uma renovada legislação apropriada e actualizada, garantindo que as tecnologias mais sofisticadas e hoje disponíveis para a AI de Mim, já possibilitam, se activa e inteligentemente utilizadas, permitindo uma redução do essencial da sua carga poluidora – claro que obrigando a un investimento sério e acautelante, com uma visão de sustentabilidade ecológica. Isto é não só urgente, mas imperioso!