Vivo há quase meio século em Oeiras. Ao longo das 4 últimas décadas formei uma opinião sobre a actuação da Câmara Municipal de Oeiras, a qual é bastante positiva.

Entre várias qualidades destaco o facto de o município ter uma orientação estruturada e constante, quanto aos objectivos de qualificação e dignificação da comunidade que ali vive – e neste quadro destaco a política e a visão urbanística, quanto à planificação e construção do seu território, com resultados positivos na respectiva arquitectura e ambiente.

Existem no concelho espaços urbanos anteriores a esta gestão, dos anos 1960-70, que também exprimem a execução de bons planos de urbanização e de boa arquitectura: o Bairro de Nova Oeiras, o Bairro Augusto de Castro são 2 exemplos, o primeiro aliás classificado internacionalmente como património pelo DOCOMOMO Ibérico em 2017 – mas o fim dos maus “bairros de subúrbio”, a eliminação das barracas, a dotação sistémica de infraestruturas e equipamentos locais, os melhores bairros sociais, tudo isto só aconteceu nas décadas de 1980 a 2000, com forte actuação municipal.

É por isto que, no momento em que um plano para reurbanizar a chamada área da antiga Fundição propondo uma urbanização que se revela de péssima qualidade – que nos parece que, com ou sem propósito deliberado, irá fazer render o investimento a realizar à custa da qualidade de vida da comunidade envolvente já consolidada – tem de se contar com, e confiar, na acção crítica (assistida pelo escrutínio da população pelas vias legais) que se espera a CMO saiba levar a cabo, sobre o mau que se pretende construir.

Eis como nos surgem os problemas e as falhas do dito plano, numa síntese:

1 A excessiva, diria brutal, densidade de ocupação (para 600 fogos, além de um desmedido Centro Comercial e de um Hotel, prevendo-se a “injecção” de uns 3.200 utilizadores / habitantes, com pelo menos outros tantos carros), nuns módicos 8,29 Ha, ao contrário do bom exemplo de Nova Oeiras, contíguo, do melhor urbanismo internacional do pós 2ª. Guerra Mundial, com os seus quase 40 Ha contendo menos de 400 fogos, com equilibrada densidade. E não nos enganemos – tal plano iria prejudicar, talvez fatalmente, o desígnio daquele Bairro vir a tornar-se Património Mundial UNESCO.

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Desta ocupação brutal prevista, de resto, só possível pela volumetria excessiva apresentada, resulta que o estudo de impacte ambiental publicado refere claramente este tema como tendo impacte negativo: “Volume de edificado (cércea) / Disrupção em termos de imagem urbana, discordante das disposições genéricas do PDM.” Ou seja, iria contra o principal instrumento legal urbanístico municipal, o PDM.

2 Um desenho urbano sem coerência, sem fluidez e sem equilíbrio, que surge como um amontoado distorcido e concentrado de blocos, com enormes edifícios em torre, na evidente procura de uma rentabilização excessiva, com a fictícia ilusão de prever uma “nova centralidade” assente numa área aberta de uso colectivo de geometria e formas bizarras, seguindo as modas do design urbano corrente. É que o chamado “urbanismo regular”, marcante dos melhores momentos da história urbana europeia (malhas em retícula medievas, a reforma das cidades da era industrial com avenidas, quarteirões e praças geométricas, e o urbanismo moderno de Pós 2a. Guerra Mundial) foi aqui totalmente abandonado, obviamente por não permitir a acumulação suficiente de um “concentrado de construção”.

3 Cérceas máximas por completo abusivas, com torres até 17 pisos, as quais iriam rebentar o delicado equilíbrio volumétrico de toda a área novecentista a oeste da vila de Oeiras, onde se insere a nova pretensão urbanizadora. É que tudo à sua volta (excepto claro, o famigerado conjunto da “Torres das Palmeiras” dos iniciais anos 1980, cuja história especulativa e a desastrosa resultante real é famosa) respeita volumetrias e cérceas equilibradas, com o expoente máximo dos 9 pisos das torres de Nova Oeiras, do melhor erigido nesta tipologia em todo o país. Mas não será necessário recuar tanto; basta dar o exemplo da chamada urbanização do Forum Oeiras, dos anos 1990, para se apreciar o equilíbrio sereno obtido com o sistema dos quarteirões regulares, em sequências de edifícios residenciais de 6-7 pisos, formando um conjunto de grande clareza e simplicidade – munido de forte aparato comercial ao longo de todos os níveis térreos  – e é assim o bom urbanismo a seguir!

4 Aposta num modelo funcional consumista, ultrapassado, concentracionário, assente numa enorme edificação para área comercial, quando o comércio mais diluído, equilibradamente disseminado pelos térreos quarteirões de cércea controlada é desde as últimas décadas o exemplo a seguir (ou em ampla ”rua comercial”, pedonal entre blocos baixos, como se soube fazer no Centro Comercial de Carnaxide).

5 O consequente rebentamento, ou violentação, das estruturas urbanas da envolvente, dado que o impacte de tanta construção não é suportável apenas dentro dos limites da proposta reurbanizadora – provocando o “alastramento do mal” na desqualificação do espaço urbano já consolidado. A este respeito, a proposta refere prever “um conjunto de intervenções mais abrangentes necessárias para garantir a funcionalidade deste novo projecto e a sua integração na área envolvente” – um arrazoado que significa de facto tentar minimizar o impacte negativo pesado que teria na área à sua volta! Só para dar um exemplo, imagine-se o caos urbano que se provocaria em Nova Oeiras, se fosse implementada a ideia desfocada de uma “super-rotunda”, em que este plano pretende transformar o núcleo de arruamentos principais de NO (Av. Salvador Allende – rua da Quinta Grande – rua Desembargador Faria – rua Caminho da Quinta), com a sua mudança forçada para dois sentidos, ligando novas rotundas, (numa alteração vulgarizante do plano de Nova Oeiras, que o desfiguraria) com o desaparecimento de dezenas de estacionamentos e a transformação daquelas 4 pacatas vias residenciais com moradias, em vias supostamente “funcionais” e de trânsito fluido…o que seria anedótico, se não fosse trágico, no caso das ruas mais estreitas – imagine-se ali os autocarros, a entrar na estreita rua do Caminho da Quinta…! E para quê tudo isto? Para servir a falácia do “trânsito descongestionado”, quando se sabe que os 3 milhares de automóveis dos novos utentes da urbanização provocarão por si só um constante entupimento em toda a área (que o estudo referido nega, até atestando que o trânsito melhoraria numa daquelas ruas de Nova Oeiras, passando de 2.418 para…2.415!).

De resto, também aqui o estudo de impacte ambiental refere, contraditoriamente, o forte impacte negativo no trânsito: “Intervenções na rede viária envolvente / Perturbação de circulações viárias” – o qual, note-se, continua assinalado como muito negativo mesmo após a “mitigação” proposta!

6 Uma “pedrada urbanística” na área mais vasta onde se pretende inserir o novo plano – área que obviamente já não suporta, nem deve suportar, mais construção, mais população, até mais actividades comerciais. De facto este plano assenta numa visão desactualizada, quase provinciana, do que é o real e actual tecido urbano da vila de Oeiras – que não soube ler e reinterpretar. Com suporte em frase gastas e ocas, como a de que a nova urbanização “possa constituir uma nova centralidade” – espaços urbanos com centralidade é o que há mais nesta área, não se necessita de mais um…!

Em síntese, perante este desastre anunciado (infelizmente descrito sem exagerarmos), o que se exige da CMO, que considera (e bem) a Fundição um “projecto estratégico de desenvolvimento”, é uma intervenção esclarecida e informada (também pelos sentires expressos da comunidade), que ponha cobro ao que nos surge como um delírio, ou um “pesadelo de investidor”, incidindo fora do território adequado, sem entender que não é lícito lucrar a partir da desvalorização de toda a área de conjunto  envolvente – a qual como que seria parasitada, sugada nos seus valores e qualidades…É que desenvolver estrategicamente não pode nem deve ser encher o que é afinal uma pequena área a recuperar, até muito acima dos limites de aceitável, com tudo o que se consegue convocar (comércio, hotéis, casas , torres, etc)

A ser reurbanizada, toda a área da antiga Fundição deve necessariamente ter um plano com consideração por estes aspectos:

  • muito menor densidade, na linha dos adequados índices de ocupação da envolvente;
  • exprimir um urbanismo regular, com clareza e assente num desenho sereno, com provas dadas, munido das qualificadoras praças de geometria simples, servindo quarteirões de 6-7 pisos, evitando uma expressão de novo-riquismo e sentido fátuo (não, não é falta de imaginação, mas sentido dos valores da cultura contemporânea no território nacional – toda a teoria urbana que serviu a área da Parque Expo assentou nesta perspectiva e com pleno êxito);
  • evitar em absoluto as torres descomunais e despropositadas, que destruiriam um “equilíbrio territorial”, em escala e imagem, tão paulatinamente construído em décadas, “step by step”;
  • desistir da imposição de modelos de consumo concentracionário do tipo “Centro Comercial massivo”, coisa do século passado, de resultante edificada mastodôntica (em que toda a envolvente, sobretudo na fronteira do concelho de Cascais, é fértil) – optando por um sistema ecológico e sustentável, equilibrado, do “novo comércio disseminado”, que as tendências mais recentes da comunidade urbana apontam como o acertado;
  • evitar afectar negativamente a área urbana envolvente, que tem características consolidadas e equilibradas, e sobre a qual este plano seria um peso;
  • assumir a realidade territorial do conjunto, a qual aconselha vivamente no seu tecido urbano a consolidação e a regeneração, e não a densificação e a macro-escala.

Assim esperamos que o bom senso e a experiência da decisão municipal, analisando as respostas da comunidade na fase da consulta prévia do plano, – a qual se sente naturalmente afectada por tudo o que o plano pretende –  possam informar e esclarecer a CMO sobre o caminho a seguir e as decisões a tomar. Sem dúvida, na defesa da dita comunidade, e não para servir um qualquer propósito particular de investimento inadequado.

Não erremos neste momento fulcral – todo o bom legado municipal de décadas ficaria fatalmente maculado se este plano viesse a ser aprovado.