O AI Act, o regulamento europeu para a Inteligência Artificial, entrou formalmente em vigor no dia 1 de agosto. Por enquanto, poucas mudanças serão notadas, uma vez que a maioria das regras deste quadro normativo serão aplicáveis apenas a partir de 2 de agosto de 2026. Contudo, a médio e longo prazo, o cenário afigura-se mais desafiante e incerto.
Criado para minimizar os potenciais riscos associados à utilização da Inteligência Artificial (como o uso indevido de dados pessoais e os deep fakes), o AI Act tem como objetivo principal promover uma maior transparência e responsabilização no uso desta tecnologia, ao mesmo tempo que salvaguarda a segurança e a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos. Desta forma, o AI Act coloca a Europa na vanguarda com a legislação mais completa e abrangente do mundo sobre o tema da Inteligência Artificial.
Mas será que devemos estar orgulhosos deste pioneirismo? Não creio.
Apesar da bondade intrínseca ao espírito da lei, a sua aplicabilidade e resultados práticos podem comprometer o futuro das próximas gerações na Europa, acentuar os problemas de falta de produtividade, afetar os níveis de crescimento das economias europeias, agravar as desigualdades, minar a nossa capacidade de inovação e colocar em risco o papel da Europa como uma das principais potências mundiais.
De “velho continente”, a Europa arrisca-se a ser conhecida nos futuros livros de história como “o pobre e velho continente”.
O AI Act é a legislação mais ambiciosa neste campo, mas também a mais restritiva e exigente, criando mais obstáculos do que oportunidades. O caminho é especialmente desafiante para os pequenos empreendedores, para aqueles que fazem a inovação nas universidades e nas startups e não dispõem dos recursos financeiros e técnicos necessários para responder às novas exigências legais que resultam do AI Act.
Não tenhamos dúvidas: a Inteligência Artificial será um dos principais motores de transformação das economias mundiais nos próximos anos. E a Europa enfrenta desafios sérios e difíceis de resolver – como o envelhecimento da população, a sustentabilidade dos seus sistemas de proteção social, a dependência energética e o crescimento económico – para se dar ao luxo de não utilizar todo o potencial da Inteligência Artificial para inverter este estado de coisas.
A Europa não deve autoexcluir-se desta oportunidade e avançar isoladamente numa regulamentação tão abrangente e restritiva, quando os outros blocos mundiais assumem abordagens regulatórias distintas. Arriscamo-nos, assim, a ter um tabuleiro de jogo assimétrico, no qual os grandes investimentos tecnológicos, o talento e a inovação serão (ainda mais) transferidos para os EUA e a China, ficando a Europa irremediavelmente relegada para um plano secundário. Se não conseguirmos que os nossos talentos encontrem aqui, na Europa, o melhor ecossistema para desenvolverem as suas ideias, estamos a condenar-nos à pobreza.
Certamente que, como com todas as tecnologias, a Inteligência Artificial apresenta riscos, mas neste caso a chave para proteger os cidadãos e a sociedade desses perigos está na própria Inteligência Artificial. Tomemos o exemplo dos deep fakes – técnica que utiliza o deep learning para criar vídeos, imagens ou sons falsos mas extremamente realistas. A única forma de combater estes perigos é reforçando a aposta em sistemas baseados em Inteligência Artificial capazes de detetar os deep fakes e que escapam ao controlo humano.
Haverá certamente situações em que a legislação e a regulação serão necessárias (e até desejáveis) para melhorar a operacionalidade e a eficiência dos processos e também para fortalecer a confiança dos cidadãos nestas novas tecnologias. Mas creio que esse caminho normativo deveria ser feito: 1) de forma cirúrgica, à medida que surgem problemas específicos e concretos decorrentes do uso da Inteligência Artificial; 2) em diálogo e coordenação com os principais blocos económicos mundiais para assegurar uma sintonia do enquadramento regulatório e evitar assimetrias.
Ao longo da história, sempre que surge uma inovação mais disruptiva, o medo e a desconfiança apoderam-se do ser humano. Foi assim no passado com a invenção da eletricidade, do avião ou até mesmo da internet, e é assim que continuamos a agir no presente. O AI Act, ao legislar sobre os perigos potenciais e imaginários da Inteligência Artificial, reflete esta resistência perante aquilo que é disruptivo e transformador.
Mas é necessário olhar para o futuro com a determinação e a coragem dos jovens e não com os receios e medos dos mais velhos. Perceber que a Inteligência Artificial é uma tecnologia impulsionadora do progresso, da sustentabilidade e da qualidade de vida de todos os cidadãos. Só assim a Europa conseguirá restabelecer-se como potência relevante no contexto mundial e garantir a prosperidade dos seus cidadãos.