Para começar um texto e parecer superlativamente esperto face aos eventuais leitores, nada como usar a estratégia de buscar uma frase em latim após curta pesquisa no google. Esta quer dizer, por mero acaso: «Não sabias, meu filho, com quão pouca sensatez o mundo é governado?», Axel Gustafsson Oxenstjerna, 1583-1654.
Voltando ao meu registo básico e para dar o mote ao verdadeiro tema deste artigo, remataria que o importante na vida é ser-se feliz. Parece pouco profundo, mas sou um homem relativamente afastado das ciências sociais que estudam o tema, logo percebendo pouco do mesmo, mas não há nada como ignorar com curiosidade para se poder aprender alguma coisa.
E noto que ser-se feliz, nos dias de hoje, parece complicado para os nossos jovens, que são a promessa de um incerto futuro.
Presumo que na antiguidade, e de forma mais generalizada, as filosofias de vida religiosas providenciavam uma espécie de base moral universal globalmente aceitável e suficiente, sobre a qual as pessoas se apoiavam para o desiderato em causa. Os mais elitistas e eruditos até podiam afastar-se dos misticismos diversos, e abraçar valores como por exemplo (entre outros) os do velhinho estoicismo, e sublimar neles razões de contentamento.
Enfim, sempre se tratou de puncionar uma das várias filosofias para se estar nesta Terra (como disse a boa filósofa), para depois, através dela, encontrar o rumo pessoal e individual para… a procura de felicidade, objectivo último.
Em tempos como os actuais, em que vivemos nas ruínas da desconstrução sucessiva pela mão do terramoto suicidiário woke, com epicentro no Ocidente, e conveniente montadura de políticos desejosos de cavalgar as suas insanas narrativas globalistas e multiculturalistas, presumo que fica mais difícil. A escola estruturada da religião cristã está decadente e fora de moda, logo aquela que permitiu todo o fabuloso desenvolvimento rumo a este, afinal de contas, paradoxal delírio da actualidade. À medida que fomos coleccionando conhecimento, passamos paralelamente a aceitar a nossa perene ignorância, deixando de a justificar com tão imaginativos quanto apaziguadores relatos sobrenaturais. Mas não nos teremos pelo caminho esquecido de explicar, enquadrar e transmitir essa evolução de raciocínio? Teremos nós usufruído de uma matriz cristã incutida desde a infância, que depois desconstruímos, descurando substituí-la por algo para as gerações seguintes? O que por sua vez originou uma fatal carência? Outras filosofias místicas, daquelas com menos preocupações com a relação com a alteridade e caprichos diversos do indivíduo, mais valia terem conhecido a mesma sorte (e bem sei, isto podia estar no singular…), só que noutras latitudes a purga foi mais clemente, e aquelas contribuem agora para potenciar a punição global colectivista do Ocidente pela agonia da estrutura cultural individualista deserdada, essencialmente judaico-cristã e greco-romana.
E é com preguiça e torpor que constatamos esse estado de ausência de fundamentos sólidos que tornam possível almejarmos por uma vida que valha a pena ser vivida, neste irrelevante interregno de existência que é o nosso no grande esquema das coisas. Irrelevante no grande esquema, mas nada menos que TUDO numa perspectiva de indivíduo, sobretudo para quem não se fia em imortalidades de consciências ou almas.
O humano precisa, pois, de propósito, e de razão (de pensar, de ser, de existir). E isso é aquilo que entendo aqui ser explicado pela «Filosofia». Na evolução da racionalidade, desprezamos as justificações mágicas de outrora para a destrinça do bem e do mal, entre o que vale e não vale a pena, do que é e do que não é, o que, por princípio, nem está mal, não fora termo-nos esquecido de as justificar com outra alternativa transmissível em larga escala, o que resultou num vácuo que as novas gerações preenchem com consequências imprevisíveis e pouco auspiciosas, com resvalo aparente para pouco estruturadas nuances de niilismo hedonista, confundindo individualismo com egoísmo, e felicidade com prazer, com preferência temporal elevada, esse importante conceito de prazo, desta feita curto. Não me interpretem mal, elas existem por aí, as boas filosofias, estruturadas e excelentes, só que não são massivamente transmitidas como os abandonados místicos cristãos conseguiam fazer com a sua, graças às suas eficientes, organizadas e milenares estruturas globais de culto. Não são sequer consensuais, tendo a competição de más filosofias, falsas, falidas e nefastas, mas muitas vezes com uma capacidade de propagação pandémica, e uma tão persistente quanto inusitada popularidade.
E quem se lixou foram as noções que assim ficaram órfãs: o indivíduo, a família, a nação, a herança, o património, a cultura, a memória, a identidade. O tal propósito, de antão.
Para um Objectivista que segue uma filosofia dita «liberal» (e não me vou aqui alongar no camaleónico conceito), a maioria dos «mandamentos de Deus» são pouco chocantes declarações de Direito à vida e à propriedade privada, com umas cenas sobrenaturais pelo meio, provavelmente propiciadas pela época mais crédula e primitiva em que a coisa foi escrita. Foi só substituir os desvarios por justificações racionais, lógicas, e fez-se a evolução, aliás só autorizada historicamente nesse particular contexto religioso, o que torna por isso o referido misticismo numa herança digna de louvor e memória. E a honra de ser considerado, entre nós, como algo muito além de um mal menor. Só que essa evolução conceptual poucos vêem, e quase ninguém promove, e a competição populista dos colectivismos vai ocupando o vácuo deixado pelo individualismo esquecido.
Alguém dizia (Hegel?) que a História ensina que ninguém aprende nada com a História. Mas quando nem existe história para ensinar, ou alguém disposto a conhecê-la, estamos noutro nível de dificuldade.
Então, mas afinal, o que fazer? Dar um passo atrás e mandar os miúdos à catequese e à missa? Ler-lhes Ayn Rand à cabeceira? Aceitar o erro e padecer até que a História tropece num novo equilíbrio, e esperar que não se ande demasiado para trás no processo, naquelas que foram as nossas conquistas civilizacionais ao longo de séculos?
De diagnósticos de causas perdidas estamos todos nós fartos, a vida e a paciência são curtas, por isso, ao invés de lutar quixotescamente contra as ideologias de vento que resultam de todo esse fenómeno, em contendas de desfecho incerto e penosidade garantida, proponho neste exercício, simplesmente, adaptarmo-nos ao que nos garantem ser os bons valores (ou lá como lhes chamam) de hoje. Com resiliência. Quem diz? Os nossos assexuados, assépticos e geralmente indecentes políticos a reboque de medíocres e monótonos intelectuais sem mais que fazer, mais as suas acéfalas, dependentes e cobiçosas caixas de ressonância e respectivos «fazedores de opinião», outrora conhecidos por mass media, de todas essas disfuncionais instituições que são as nossas.
Mas deixemo-nos de negativismos e de pensamento crítico, vou passar a dar o exemplo.
Só por um dia!
Acordei e decidi contemplar o belo nascer do sol, lá a partir do horizonte de uma terra que, realmente parecendo ser plana, sabe-se não ser. Foi um negacionista científico da antiguidade que o descobriu, os negacionistas de outrora eram de outra cepa.
Fui beber um sumo de laranja com uma palhinha de papelão, que estava embrulhada num saquinho de plástico. Com isso evitei, porque tenho consciência ecológica, que pandas, baleias e tartarugas morram em consequência da minha irresponsabilidade, presumo que enfiando esses nefastos objectos em orifícios que só esses incautos mamíferos (e as tartarugas) saberão.
Contemplei os meus painéis solares, que produzem a energia limpa da minha casa, pagos à custa dos poluidores (e dos desgraçados) que contribuem com taxas e impostos ao Estado, e que por isso agora estamos a arruinar (por poluírem, por serem privilegiados, e por já não conseguirem contribuir que chegue). E é bem feito, em nome da equidade (que acho que tem a ver com a longevidade de cavalos).
Meti-me ao volante do meu carro eléctrico, carregadinho a 100%, o que promete redundar, se não fizer frio, ou calor, e se eu refrear as aceleradelas, num culminar do dia com regresso a casa sem necessidade de reboque, nem de retiro tibetano numa qualquer fila para um carregador público. Indigno-me durante o trajecto com a falta de pistas para ciclistas nas estradas e até de ciclistas, ao mesmo tempo que começa a chover, ajusto o ar condicionado e o apoio lombar.
Vejo um tractor num campo movido a gasóleo, as taxas verdes não são ainda suficientemente dissuasivas. Por falar em verdes, parece impossível o preço das verduras no supermercado, a grande distribuição tem mesmo de ser regulada.
Cheguei cedo, por isso escolho beber um café numa esplanada antes de começar o trabalho. Sinto uma desagradável fragrância a tabaco a poluir-me as narinas, e sonho com o dia em que se disciplinará essa cambada de selvagens, mandando-os fumar num buraco qualquer donde ninguém os veja ou cheire. Por causa da nossa saúde e do fedor passivo que a ameaça, claro. Porque sou tolerante, obviamente, menos com aquilo que realmente (e logo, justificadamente) me incomoda.
Reflito: nunca percebi essa gente que adopta comportamentos potencialmente nocivos para a sua própria saúde. Não era tempo para, enquanto sociedade, obrigar a não se correr o risco de morrer com certas doenças, para se poder morrer com outras quaisquer, talvez mais tarde? Para nem falar na despesa colectiva que isso implica, eventualmente superior. Uma vergonha, a exigir uma mudança de paradigma. Menos para os gordos (como dantes se designavam), que são fofinhos e perseguidos pelos fóbicos e têm todo o direito de ocupar dois lugares num avião pelo preço de um e de desfilar em passerelles de moda a fazer de conta que alguém os quer ver lá, pois a sua condição não é doença, mas antes despojo vítimário de batatas fritas com maionese e bolas de berlim com recheio em excesso.
Faz-me lembrar essa história de máscaras que os chalupas não queriam usar, só porque não se sabia se eram eficazes. Isso foi bem gerido, ainda que, afinal de contas, continue a não haver evidência científica de utilidade. Mas então e a solidariedade para com medidas sanitárias que alguns profetas científicos possam julgar potencialmente eficientes? A solidariedade é de facto mais bonita (e eficaz!) se for imposta. Custe o que custar!
Um pouco como as vacinas, que não eram obrigatórias. Nada como um pouco de coacção para temperar os excessos da falta de obrigatoriedade, isso também foi bem gerido. O que é giro é que parece que, afinal, a coisa só tem mesmo interesse para populações de risco, e não previne transmissão nenhuma. Mas lá que foi bonita a solidariedade transgeracional ao ritmo de bastonadas de almirante e de doutores histéricos, até me vêm as lágrimas aos olhos. E lembro-me de uma tal de Great Barrington Declaration, óbvia chalupice irresponsável em 2020, mas meritória política de Saúde Pública em 2024. A temporalidade importa (ao contrário do determinismo)!
Bom, deixemo-nos de divagações que é hora de picar o ponto, função pública oblige. Felizmente que não obriga a grande coisa entre as certificações digitais, mas adiante. Passo pelas Urgências cheias com macas e de gente à espera de ser atendida, e confronto-me com a ignóbil dicotomia «balcão mulheres» e «balcão homens». Resquícios indignos de paternalismo branco heterossexual e colonialista, presumo, já que até o Comité Olímpico Internacional reconhece que a distinção é impossível. A malta presente, pelo cheiro e pelas circunstâncias de penúria de assistentes, descura a sua higiene e torna o local infrequentável. Não é assim lá na clínica privada, que cada vez mais pessoas felizmente conseguem pagar. Pagam também isto aqui, presumo que por solidariedade com os pobres, mas depois pagam ainda um pouco mais a troco de qualidade e dignidade de atendimento. Ou só mesmo de atendimento. Parece coisa de privilégio, mas não vamos desconsiderar o SNS, que afinal foi salvo, não foi? E isso é bom, tem de ser!
Acaba-se o dia, e ao sair do hospital vejo afixados numa parede uns retratos de reféns que rasgo, porque não gosto de genocidas, e vou ao restaurante com a família, pois um dos miúdos faz anos. À combustão das velas do bolo não vou adicionar um incentivo às flatulências de gado, e por isso escolho tópicos da lista que ignoro: «quinoa», ou «tofu», que o importante é salvar o planeta, e que Pantagruel se lixe. Pelo menos, é o que me dizem, e para não acreditar em quem diga o contrário, os salafrários dos negacionistas. Bem sei que parece uma questão de fé, mas chama-se «consciência social», ou «climática». O miúdo conta durante o jantar que, na escola, atirou com sopa para cima dos desenhos de uma colega de turma, por causa dos combustíveis fósseis. Ficamos orgulhosos, e apagámos um vídeo que ele fez no telemóvel de uma situação de bullying, porque a diversidade entre agressores e agredido podia dar aso a más interpretações de xenófobos e racistas. É que as pessoas são muito estúpidas, e generalizam. As outras, claro. Imagino que ele podia ter ajudado o colega em vez de se limitar a filmar, se calhar aqueles dois anos de reclusão social e escolar durante a pandemia fizeram mossa. Mas pelo menos não se aleijou, desta vez. E, mais importante: salvou-se a avó. Da COVID, digo, já que morreu o ano passado por causa de um cancro não diagnosticado a tempo.
Por falar nisso, já ordenei a desinstalação do Twitter (ou «X») de todos os aparelhos lá em casa, pois corre o rumor que o proprietário é um fascista rico que deixa qualquer um escrever indiscriminadamente o que bem entende por lá, nos limites da lei. Decidi ficar-me, a partir de agora, por fontes de informação devidamente controladas e «fact-checkadas», ou seja, subsidiadas pelo Estado, que como se sabe é quem zela pelo bem de todos, justa e imparcialmente. É certo que a malta que lá anda depende daquilo para viver, mas o importante é que é feita uma cuidadosa selecção dos que acedem a tais postos, o crème de la crème dos humanos mais virtuosos entre os demais, os «animais mais iguais que os outros». Acaba o jantar, e apoio a diversidade (que é uma riqueza) deixando uma gorjeta.
Perco-me um pouco em pensamentos a caminho de casa: direitos das mulheres, de minorias sexuais, judeus, direito de alguns perderem direitos, liberdade de algumas expressões, mas uma enxaqueca parece querer emergir, devo estar a chocar algo.
Finalmente chegamos, e aparece o gato. Faço-lhe umas festas. Aliás, precisão: o gato que ejacula, já que como se sabe existem os que menstruam. Enfim, em bom rigor, que «ejacularia», já que foi castrado. Agora que penso nisso, será que foi violência animal? Espero que não, mas foi sem intenção, que é o que conta.
A problemática relembra-me que tenho de continuar a construir-me com esses conceitos da desconstrução, uma obra sempre inacabada, em que o importante é persistir no eterno caminho de redenção. Chiça, agora até soou a uma daquelas cenas dos antepassados místicos, devo ter formulado mal essa frase!
Deito-me na cama com o consentimento do humano binário que calhou parir os meus filhos, e penso: isto até é capaz de resultar! À medida que me habituo a consentir apesar da minha consciência, e que os meus sentimentos proliferam ao mesmo ritmo que o meu cérebro se vai demitindo de funcionar, sinto-me realmente a caminho de uma espécie de… felicidade?
Vai-se a ver, não precisamos mesmo de nada, apenas de abdicar de tudo.
Vai ficar tudo bem!
Agora, caro leitor incauto, sobretudo não se preocupe: se este exercício literário (passe a risível prepotência) lhe fez qualquer tipo de sentido, garanto que quer apenas dizer que não foi explicado suficientemente bem.
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não refletem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.