Na Beta-i, quando falamos de inovação, sabemos que temos uma responsabilidade acrescida. Além de ser um tema que nos é muito querido, também é um tema no qual temos colocado muitos recursos, e apostado de forma consistente. Um bom exemplo dessa estratégia são as ‘MasterClasses’ que temos vindo a organizar, e onde procuramos que renomados especialistas internacionais venham partilhar a sua experiência e know-how connosco.

Foi assim que recebemos Bill Burnett, o diretor do curso de Design da Universidade de Stanford, e um dos designers da Apple por detrás dos PowerBook, também envolvido na primeira colecção de action figures da saga Star Wars. Com o Bill aprendemos que, quando falamos de design thinking, conversamos sobre desenvolver produtos ou serviços inovadores que servem as necessidades dos utilizadores.

A estética do design é importante, mas não é a única coisa que importa. Há uma expressão entre os designers que diz “form follows function” [a forma segue a função] e que quer dizer basicamente que as coisas que desenhamos têm de funcionar muito bem nas mãos das pessoas que vão utilizá-las. E isto é um ótimo ensinamento para as startups, especialmente quando pensam produtos ou serviços.

Outro orador relevante foi Robert Fitzpatrick, autor do livro de vendas “The Mom Test” e empreendedor há cerca de 10 anos. Ex-aluno do Y Combinator (EUA), fundou várias empresas tecnológicas, desenvolveu produtos que foram utilizados por marcas como a Sony ou a MTV e deu aulas em universidades como a de Oxford ou a University College London. O seu workshop olhou para a forma como os empreendedores podem aprender com os clientes. Para o Robert, esse é o pior erro que os empreendedores cometem, porque é nesse momento que cedem ao ego.

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Pedir a opinião das pessoas sobre uma ideia e tratá-la como se fosse um facto é um enorme erro, que gera depois outros erros de apreciação. Mais importante do que validar uma ideia, quando se está a lançar e a desenvolver uma empresa, é estar em constante comunicação com aqueles que são os consumidores do produto. Assim, o erro que a maioria dos novos empreendedores comete é tentar entrar logo num modo “vendas”, quando, na verdade, não é possível alcançar boas vendas com pessoas que não conhecemos e com a quais não conversamos. É como ter de comprar um presente de aniversário para oferecer a alguém que não conhecemos. Como é que podemos saber de que é que essa pessoa gosta?

Lean Innovation

Estes insights ajudam-nos bastante a refinar o nosso próprio processo de inovação, e a forma como tiramos partido desse processo para montar programas que respondam aos que os nossos parceiros nos pedem. Os modelos tradicionais do processo de inovação baseiam-se principalmente na metodologia linear de planeamento intensivo e na busca da perfeição, para posterior lançamento no mercado. O modelo de LEAN innovation parte de um conceito diferente, o MVP, ou Produto Viável Mínimo, sujeito a uma rápida fase de teste, idealmente em condições reais de mercado. A ideia é ir refinando o conceito inicial de forma rápida e de custo controlado, ao mesmo tempo que se incorporam learnings reais de mercado.

De forma simplificada, o que diferencia uma startup de uma PME é o facto de a startup ainda estar à procura do seu modelo de negócio e de ter um nível de incerteza muito mais alto. Leia-se PME como sendo uma nova sapataria, cafetaria, food-truck, etc. Este tipo de negócios apresentam, é certo, a incerteza de implementar um negocio já conhecido noutro sítio. Mas uma startup numa fase inicial nem sabe que forma terá o seu produto final.

Tipicamente, na génese de uma startup está um problema no mercado que os seus fundadores consideram como estando mal resolvido. A equipa tenta resolver de forma criativa este problema, desenvolvendo uma solução que seja viável, sustentável e desejável. No processo, a startup vai afinando a sua proposta de valor, a comunicação com os seus clientes, o seu modelo de receitas, a sua principal base de custos, os recursos e parcerias chave que tem que garantir para pôr tudo em andamento.

O maior desafio de 99% das startups é conseguir fazer isto antes de esgotar os seus (parcos) recursos. É assim uma corrida contra o tempo, até à sustentabilidade ou eventual investimento. Na Beta-i desenvolvemos, no processo de apoiar centenas de startups, uma metodologia que reduz o risco da startup não chegar ao seu produto, acelerando a aprendizagem da organização, tão importante para criar uma solução que tenha ressonância no mercado. Chamamos a esta metodologia “LEAN innovation”.

Constatámos que todas as áreas que tocam no empreendedorismo desenvolveram as suas próprias abordagens para acelerar e melhorar o processo de inovação. Da engenharia vem a “LEAN startup” (nome a que a “LEAN innovation “vai buscar inspiração), processo popularizado por Eric Ries num livro com o mesmo nome. Do design temos o Design Thinking, que formaliza o método usado pelos designers para chegarem às suas criações mais interessantes. Por fim, da gestão vem o Business Model Innovation, autoria de Alex Osterwalder e Yves Pigneur.

Todas estas abordagens incluem elementos e perspetivas únicas, mas que em parte se sobrepõe. Na verdade, como originam de áreas diferentes, usam termos diferentes para conceitos semelhantes. O que traz de novo o “LEAN innovation” é precisamente a uniformização dos termos e a convergência conceptual entre estas três abordagens.

Pilares Conceptuais

Quando se fala de um método, importa estabelecer as suas bases e metodologias. Neste caso, os pilares conceptuais da “LEAN Innovation” são:

  • Foco no cliente: é imperativo ter bem claro para quem se está a desenvolver uma solução ou produto. Apesar de parecer óbvio, a maioria das startups recém-nascidas tem pouco claros tanto a definição do problema que pretende resolver como os clientes que irão comprar essa mesma solução. Interessa aqui caracterizar os segmentos, através das suas dores, sonhos e comportamentos, mais do que idade, género ou localização.
  • Validação contínua: a humildade em relação ao conhecimento do cliente ou do mercado são características importantes para um empreendedor. Julgar-se dono da verdade e não validar, com um zelo quase científico, dá rapidamente aso à construção de um produto que interessa a pouca gente e acrescenta pouco valor. Uma das tarefas que mais reduzem o risco da startup é o acumular e estruturar conhecimento sobre o seu produto, vendas, canais de distribuição, produção etc., de forma contínua.
  • Iterar até ao sucesso: é preciso ter claro que não se acerta à primeira, e que o produto se vai afinando e ajustando às condições de mercado. As vontades, modas e necessidades vão evoluindo, e o empreendedor deve acompanhar de perto esta evolução testando incrementalmente melhorias e pressupostos (ideias de melhorias que podem ser testadas) de forma contínua. O empreendedor tem de se capacitar de que não existe um produto acabado, mas, no máximo, um produto atualmente bem adaptado aos clientes e mercado.
  • Competir com o modelo de negócio: o produto é apenas o ponto de partida na relação com o cliente. Mais interessante (e protegido) do que isso é conseguir apresentar uma solução que transcenda o produto, e seja um sistema (por exemplo, que ligue vários produtos num, dando assim origem a uma solução mais completa). Pense-se na Hilti que em vez de vender ferramentas, oferece a empreitadas o serviço de disponibilizar, distribuir e manter ferramentas.

Pensar a inovação desta forma implica mudar a forma como as pessoas desenvolvem as suas iniciativas ligadas à inovação, criando um processo rápido de teste e aprendizagem. Para uma startup, quando uma marca ainda não é um património, e os produtos e processos não estão ainda estabelecidos, o erro é uma condição natural para empreender. Todas as novas empresas nascem sob o espectro do insucesso, e precisam de provar que estão munidas das ferramentas para competir no mercado. Desse ponto de vista, lançar um produto para validação (MVP) coloca pouca coisa em causa, já que não existem activos como marca, gama de produtos ou ‘goodwill’ em risco de serem comprometidos por um eventual fracasso.

De facto, a ideia de desenvolver de forma rápida um protótipo para colocar no mercado não tem como objetivo avaliar o seu sucesso ou fracasso, mas antes aprender o mais rápido possível, de forma a ajustar a versão final. O caminho para a inovação é conhecido, mas é preciso um determinado grau de coragem, persistência e paciência, que o torna sempre difícil. Viver com o incerto vai muitas vezes contra a nossa natureza, mas pode trazer frutos e recompensas bem mais interessantes.

Manuel Tânger é cofundador e Head of Innovation na Beta-i