Março de 2024, e se o Parlamento fosse uma escola secundária nos anos 90. Qualquer semelhança com a realidade é uma mera coincidência e um puro acaso.

O liceu está em polvorosa. O António deixou a associação de estudantes. Cansou-se. Informou o Presidente do Conselho Directivo que ia embora e o professor Marcelo aceitou e disse que ia marcar eleições, e marcou-as para março.

Com eleições à porta, os alunos passaram a ser um eleitorado a ser disputado. E este eleitorado é composto por dois grandes grupos, os Betos e os Cromos, com as suas derivações. Transversalmente a estes grupos encontramos depois os populares, os indiferentes e os renegados.

Grupo dos Betos: Neste Grupo os rapazes vestem polos ou T-shirts de marcas de surf, sempre com calças de ganga de marca Uniform ou Levi´s, calçam sapatos de vela. Elas vestem blusas da Benetton, calças da El-charro ou da Chevignon, usam brincos de argolas douradas e lenço como gargantilha, calçam botas Sendra e ténis All-Star, forram os seus dossiers com autocolantes que encontram na revista Bravo.

Dentro dos betos existem três derivações:

  • Os queques, sendo que estes não ultrapassam as duas dezenas, são meninos de bem, que tratam os amigos dos pais por tio ou tia, a cor favorita do pullover é o amarelo. Praticam ténis e vão às aulas de religião e moral.
  • Os verdadeiros betos, aqueles que só usam marcas verdadeiras. Destacam-se pelos Swatchs que usam e pelo corte de cabelo sempre penteado de forma despenteada. Dentro deste grupo existem alguns que praticam futebol e outros que se dedicam ao surf. Os surfistas são uma espécie de beto disfarçado.
  • Os pseudo-betos são os aspirantes a betos. As marcas que utilizam são as compradas nas feiras e a quem as vende na refunda. Sonham em ser betos de verdade. Usam no pulso um Casio com calculadora, pois acham que é moderno.

Grupo dos Cromos: Este grupo destaca-se pela forma como se desloca. Sempre em grupo e a olhar para o chão ou para os cadernos. Andam sempre de mala carregada de livros. Aos olhos do grupo de cima não combinam as cores das suas vestes. Os rapazes destacam-se pelo buço. As raparigas pelas permanentes nos cabelos.

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Estes dividem-se em quatro formações:

  • Os cromos da turma de eletrotecnia, nunca ninguém olha para eles. A turma é constituída por um bando de desengonçados que utilizam as partes de cima do fato de treino como casaco. Todos usam óculos. São envergonhados com as miúdas.
  • Os marrões, o grupo menos respeitado da escola. Nunca faltam às aulas e são queixinhas. São genericamente bons alunos, mas egoístas, sempre na primeira fila. Gostam de dar graxa aos professores e denunciar quem “sabiamente” utiliza cábulas como auxiliadores de memória.
  • Os cromos estranhos são um grupo constituído pelos góticos, metálicos e outros que não se revêm em nenhum dos outros. Vestem sempre de preto. Os cabelos são compridos e com uma oleosidade digna de uma oficina de pesados.
  • Os cromos assim-assim, são muito tímidos e reservados. Andam sempre assustados. São os pais ou as mães que os levam à escola. Não falam com os betos, porque não têm segurança. Não interagem com os outros cromos, porque com os de eletrotecnia não têm pontos em comum e dos estranhos têm medo.

Estes dois grandes grupos depois dividem-se em três modelos comportamentais:

Os populares: deles fazem parte muitos betos, umas miúdas giras, e outras que são amigas das giras, um miúdo pequenito, que é uma espécie de mascote. Sentam-se nos bancos principais da escola e monopolizam o espaço de forma involuntária. Existem nesses grupos 2 ou 3 irmãos, o mais velho uma espécie de senador, o mais novo um “protegido”. Todos querem fazer parte deste grupo. Hoje seriam uma espécie de influencers.

Os indiferentes: grande parte dos alunos. Entra com um ou mais colegas e sai com esses colegas da escola. Dão–se com quase todos. Elas são discretas e normalmente até namoram as escondidas com um dos populares. Eles idolatram as miúdas populares, mas não se sentem seguros para abordar o sexo oposto. Circulam por toda a escola. Fazem parte das equipas de futebol e do grupo de dança. São quem vai decidir estas eleições. Encontramos neste grupo alguns dos betos e alguns dos cromos.

Os renegados: Não ligam a nada. São desligados por natureza. Tanto lhes dá quem ganha ou quem perde o campeonato inter-turmas como quem é o professor de filosofia ou de matemática. Para eles a escola é só uma passagem. Querem que passe a correr. Não criam laços e os poucos que criam são com outros renegados. Encontramos neste grupo muitos pseudo-betos que sabem que nunca serão betos e alguns dos estranhos, que nunca o deixarão de ser.

Os dados estão lançados. Formaram-se seis listas.

A Lista do Luís, do Pedro, do André, da Mariana, do Rocha, do Paulo, do Rui e da Inês

Conheçamos os candidatos.

O Luís, que anda no 12º ano acha que chegou a sua hora, conversou com o seu amigo Hugo e decidiram avançar. É popular no meio dos betos. O Hugo já se colocou em campo e começou a fazer contactos. Como não há telemóveis – lembrem-se, estamos nos meados dos anos 90 – anda com um caderno azul, com argolas da Âmbar. Falou com a Margarida que está a abordar as miúdas giras para ajudar na campanha. O Luís ligou ao Nuno, um colega de outra turma do 12º ano, que esteve a estudar fora e que é conhecido como o queque dos queques, e que pode ser uma valia em termos de contactos com essa franja de alunos. São poucos, mas costumam ir votar. O Luís tem simpatizantes em todas as turmas, excepto na de eletrotecnia. Propõe-se UNIR a escola.

O Pedro, miúdo do 10º ano, era um afilhado do António. Acredita que ele é o seu sucessor natural nos destinos da AE. O avô era sapateiro, mas o pai deu-lhe uma Yamaha DT, com que ele impressiona os miúdos do 9º ano que querem ser como ele. Fez parte da lista do António. Zangou-se com o Zé Luis do 12ºB, mas a bem de uma AE coesa, já fez as pazes com ele. Telefonou da cabine do bar ao Fernando e à Marta com quem vai preparar a campanha. Tal como o Luís, tem apoios em quase todas as turmas, A única excepção são aqueles que frequentam a disciplina de Religião e Moral. O seu slogan apela a um liceu INTEIRO.

O André é o bad boy da escola. Era amigo dos amigos do Luís, mas desentendeu-se com parte desse grupo na eleição de delegado de turma. Parece um menino de coro, mas depois parte tudo à volta senão lhe fazem a vontade. Confia no Pedro como conselheiro e com quem vai à Missa. Juntou-se ainda a Rita, uma miúda, do 8º ano, que o admira e até fala bem. Alem disso também é gira e gosta do protagonismo que o André lhe dá. O André implica muito com a Mariana. Já se suspeitou que tiveram uma curte atrás do pavilhão C, mas ninguém quer acreditar. Tem como mote LIMPAR a escola.

A Mariana anda sempre acompanhada por duas ou três góticas e alguns estranhos. A Mariana acha-se dramaticamente diferente dos outros, sem ver que querer ser invariavelmente diferente dos outros é ser tragicamente igual a todos. O seu grupo é composto por desconhecidos, todos eles cultos e que passam a vida citar livros que ninguém leu, e em teorias que ninguém acredita. Passa a vida a implicar com o André. O seu lema é NÃO DÊS DESCANSO ao Conselho Directivo.

O Rocha é o mais alto de todos. Faz parte dos cromos, apesar de tentar ter sido beto no passado. Viu em tempos o filme Wall Street e passou a acreditar no liberalismo como um portista acredita no Pinto da Costa. Alguns dos marrões acham que esse é o caminho. Não acredita na disciplina imposta pelos professores. Para ele as aulas eram dadas por quem as quisesse dar e por quem as quisesse receber. Alguns dos marrões têm jeito para fazer cartazes. Isso pode ser decisivo para ter votos de alguns dos betos. A frase escolhida é ESCOLHE, és livre.

O Paulo é o único trabalhador estudante. Os cromos de eletrotecnia vêm nele o líder incontestável. Nunca vestiu nada de marca. Acredita que o futuro reside no trabalho que os cromos desenvolvem anonimamente. O seu tio Jerónimo foi uma lenda na escola, sobretudo pela forma como dançava. São cada vez menos no seu grupo e cada vez mais velhos. Quer uma escola MELHOR.

O Rui é o mais pequenino dos rapazes. É muito bom a história e a português. No passado tinha uma amiga, a Joacine, com quem se zangou. Normalmente anda pela escola muito sossegadinho sem se meter em trabalhos. Nunca falta às aulas, raramente fala alto. Tem medo do André, pois no passado teve de passar num corredor e foi alvo de uns caldos. Acredita que pode fazer a diferença, porque leu quando tinha 8 anos “O Capital” de Karl Marx. Terá como máxima apoiar a ESCOLA.

A Inês é a ambientalista do liceu. Pertence ao grupo dos cromos estranhos. Faz reciclagem em casa e no liceu. Não come carne e fala com os animais. Conta-se nos corredores da escola que ela só concorre para poder abrigar os gatos que andam sempre à porta do liceu. O seu sonho é montar uma colónia de férias para os leitões da Bairrada antes de eles lá chegarem. Anda sempre com uma flor na cabeça. O seu lema será sempre impresso em papel reciclado.

Os dados estão lançados. A estes candidatos o desafio será combater a abstenção. Será essencial a mensagem passar bem. O presidente do Conselho Directivo já avisou. Ou se alinham ou daqui a 6 meses haverá nova eleição.

Os alunos terão muito que ouvir. O Luís e o Pedro são favoritos. O André será o fiel da balança. A Mariana e o Rui estão ansiosos para saber se o Pedro os ouvirá depois. O Rocha é um outsider. O Paulo e a Inês sabem que para correr precisam de ter mais votos do que o número de pessoas que constam da lista que entregaram.

Ganhe quem ganhar, este liceu nunca mais será o mesmo.