A Cinderela nas escolas

Nas escolas, a história da Cinderela é vivida todos os dias. O bullying é uma realidade que muitos miúdos por vezes vivem, humilhados por colegas malformados, tal como a Cinderela era pelas suas irmãs. Muitas vezes negligenciados por uma escola que no seu todo consegue encarnar a figura da madrasta. Mas por vezes, surge algum bom colega, um melhor professor ou um atencioso auxiliar, que assume o papel de fada-madrinha e transforma a vítima num ser, que encontrará o seu Príncipe Encantado no futuro que tem pela frente. O sapatinho de cristal, esse pode ser representado pelos ténis de marca ou o telemóvel de última geração, que nunca serão mais do que acessórios para quem vive o ser miúdo na idade certa, mas que serão essenciais para os agressores que vivem na cultura do ter, o poder como forma de afirmação que nunca terão.

Nas Empresas precisa-se de fadas madrinhas

Nas empresas, a relação entre a Cinderela, as suas irmãs e madrasta é quase como a dinâmica entre os colaboradores e uma liderança. As irmãs, com a sua inveja e tratamento injusto, representam as forças competitivas e as rivalidades internas que muitas vezes surgem em ambientes de trabalho. A madrasta, a líder que se serve. Por contraste, no nosso conto, surge a Fada Madrinha, a liderança que está ao serviço. A Cinderela, por sua vez, simboliza os talentos muitas vezes subestimados, aqueles colaboradores que, apesar de não estarem sob os holofotes, são essenciais para o sucesso da empresa.

A humildade da Fada Madrinha é uma virtude indispensável no mundo dos negócios e das empresas. A humildade permite que um líder reconheça o valor de cada membro da equipa, promovendo um ambiente de trabalho mais colaborativo e produtivo. O Papa Francisco ensina-nos que o verdadeiro líder é aquele que serve os outros. São esses, os líderes que colocam como prioridade as necessidades dos seus colaboradores, ajudando-os no seu desenvolvimento e desempenho. O líder ao serviço inverte a pirâmide do poder tradicional, pois, em vez de se servir dos colaboradores (tal como a madrasta), é ele que existe para os servir (a fada madrinha).

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Na Política procuramos pelo Príncipe Encantado

A analogia com a política portuguesa é muito clara, pois tal como no conto, onde a madrasta e as irmãs representam a posse e o controle, na política, muitas vezes, os governantes agarram-se a um aparente poder e esquecem-se de servir com amor e dedicação.

A madrasta e as irmãs estão preocupadas apenas com o ter, tal como os políticos, que muitas vezes se deslumbram com o brilho do poder.

O Príncipe por sua vez, tal como a Cinderela, vive o ser, pelo que, tal como na história, a política precisa de encontrar os seus príncipes, ou seja, líderes que valorizem o ser sobre o ter, que vejam para além dos votos e do poder, e que se dediquem verdadeiramente a criar uma sociedade mais justa e igualitária.

Tal como a Cinderela encontrou o seu verdadeiro valor longe dos salões do palácio, a política deve encontrar a sua essência no coração das ruas, junto daqueles que mais precisam, pois, a verdadeira transformação social só ocorrerá quando os líderes políticos reconhecerem e derem resposta às necessidades dos mais vulneráveis, tal como o príncipe quando reconheceu a Cinderela.

Ter uma família ou ser uma família

A Cinderela tinha uma família. Mas não era uma família.

Nos dias de hoje, ter uma família, é reconhecer a existência de laços de sangue. É ter pessoas que dormem na mesma casa, é ter alguém a fazer as refeições e levantar a mesa, é ter quem leve os filhos à escola e sirva para tirar fotos para por nas redes sociais, criadas não para partilhar momentos e histórias, mas sim para mostrar quem temos. É ter com quem, mais que conversar sobre o que está a passar nas notícias, planear sobre as tarefas do dia seguinte. É o ter de ficar. Tal como a Cinderela ficava na família que (a) tinha.

Ser uma família não é uma questão de partilhar o mesmo sangue ou sobrenome, mas sim de partilhar uma conexão inabalável, mesmo que existam abalos muito fortes. É estar presente, não apenas fisicamente é o estar, num sítio não feito de paredes, mas de partilha de memórias juvenis e recordações de infância, nos sonhos e planos de futuro, nos sucessos e nos insucessos, nas celebrações e nos silêncios. É saber que seremos entendidos e aceites como sempre fomos. É o simplesmente estar. Tal como o Príncipe ficou com a Cinderela, sabendo-a sem sapatos de cristal, mas repleta de bondade.

A Cinderela deixou de ter uma Família e passou, com o seu Príncipe a ser Família.

É como ter um amor ou ser um amor

No conto da Cinderela, a protagonista é inicialmente vista como posse da madrasta e das irmãs, uma menina subjugada que devia servir e obedecer. No entanto, o amor que o príncipe descobriu nela transcende claramente a ideia de posse. Ele vê-a pelo que ela é, não pelo que ela tem ou aparenta ter.

Cinderela, com sua transformação mágica, ilustra a passagem do ter ao ser, mostrando que o verdadeiro valor está na essência e não nos acessórios.

Ter um amor, é como se apegar ao vislumbre do baile, uma ilusão de posse que se acaba com o bater da meia-noite. É um amor que se preocupa mais com a aparência, como se a pessoa amada fosse um troféu a ser exibido, não muito diferente da maneira como as irmãs de Cinderela valorizavam as riquezas materiais e a posição social. Ter um amor, é muitas vezes confundido com um acto de posse, onde o outro se torna quase um objeto de propriedade. É um estado onde o medo de perder se infiltra, transformando o relacionamento num território marcado por limites e inseguranças. Ter alguém é ver o outro como parte de um inventário pessoal. Tal como a madrasta e as irmãs viam a Cinderela.

Ser um amor é como a transformação da Cinderela, uma metamorfose que acontece de dentro para fora, realçando a beleza inerente que não depende de acessórios e adornos. Amar alguém é apreciar a sua essência, é valorizar a sua companhia e presença, é reconhecer a sua individualidade e força, tal como Cinderela era amada pela sua bondade, pelo seu carácter e não pelos seus sapatos de cristal.

Ser um amor é uma jornada de pequenas conexões e grande intimidade, onde o valor não reside na posse, mas na capacidade de se ser como se é, entregando-se sem reservas. É uma história de duas vidas que se cruzam, entre histórias que já têm, onde cada um é livre e tal como o Príncipe e a Cinderela, ficam um no outro.

Nas escolas teremos que ensinar o que Mia Couto uma vez escreveu, “que a maior desgraça de um país pobre é que, em vez de produzir riqueza, vai produzindo ricos” e acrescentava ainda que, “é urgente termos histórias onde o vencedor não seja o mais poderoso. Temos de ver como vencedores não o mais arrogante, mas sim o mais tolerante, aquele que consegue escutar todos os outros. Temos de ter histórias em que o herói não é o lambe-botas, nem o chico-esperto”.

Assim, a história de Cinderela lembra-nos que, nas empresas, a verdadeira liderança emerge da humildade e do serviço. É a capacidade de transformar rivalidades em colaboração, de reconhecer e valorizar o potencial em cada indivíduo, e de liderar não de cima, mas de dentro, caminhando lado a lado com aqueles que buscam alcançar um objetivo comum. As empresas têm de potenciar uma cultura de humildade, onde, os seus líderes, tal como a fada madrinha, estejam de facto ao serviço, pois só líderes que servem, criam empresas que prosperam e colaboradores que exponenciam a sua missão. Por isso liderar não é para todos, só para quem sabe escutar e servir.

Podemos dizer que a política precisa de encontrar o seu príncipe, ou seja, líderes que valorizem o ser sobre o ter, que vejam além dos votos e do poder, e que se dediquem verdadeiramente a combater a pobreza e a criar uma sociedade mais justa e igualitária. A política precisa de uma dose de realismo mágico, de uma transformação que a faça ver para além do ter, que a faça ser, ser uma força para o bem comum, ser uma resposta aos clamores dos que sofrem, ser um agente de mudança que coloca o amor ao próximo acima do amor ao poder.

Na Família e no Amor é muito mais simples, mas por vezes nada fácil. É ficarmos onde encontrarmos a paz, e fazer dessa paz a fada-madrinha que nos mostra a bondade da nossa Cinderela ou do nosso Príncipe. É termos só o que precisamos de ter, para podermos ser o que sentimos. E nesse sentido ser exemplo para os nossos filhos, mostrando que por muito que a vida nos seja madrasta, existem fadas-madrinhas, príncipes e cinderelas que fazem e farão a nossa história ser o que tem de ser.