A correria desenfreada. A vida citadina, na sua compressão do tempo, exige do cidadão uma atualização tecnológica da mente, de forma a lidar com os desafios que ocorrem no espaço urbano. A esta celeridade junta-se a composição de estímulos: ruídos, cores e cheiros que invadem as nossas identidades, às quais temos de reagir a cada minuto, sob pena de algum tipo de exclusão. A cidade é a marca do nosso desenvolvimento – mas também das nossas fragilidades, das permeabilidades de queda da performance e da ampliação da segregação social.
Com tantos marcas dos contextos em que milhões de pessoas vivem, a que elas prestam, pois, imensa atenção, outras capacidades tornam-se inutilizadas, perdidas na sua função mais valiosa. Hoje, apenas cheiramos, não deliciamos o nosso olfato; apenas vemos, não observamos com profundidade; apenas ouvimos, não escutamos a comunicação do mundo. O que entra a cem sai a mil, se alguma vez chega a entrar. Consequentemente, os problemas começam a surgir, alguns mais lentamente, outros em força.
Recorremos aos peritos com o intuito de aprendermos mais e seguirmos a ordem de quem sabe; todavia, amiúde, não valorizamos as suas indicações. A liberdade de escolha ingressa num conflito com a capacidade de admitir a ignorância, combate que se entrelaça com outra contradição: se, na atualidade, sabemos tanto, dada a abundância do conhecimento científico divulgado, porque nos submetemos cada vez mais aos sistemas periciais? Como, acrescentando a dimensão anterior, podemos afirmar: por que razão a procura destes sistemas é progressivamente mais intensa se, depois, desconsideramos o que tais autoridades nas suas áreas nos têm a dizer? Somos tão inteligentes para admitirmos o nosso desconhecimento – um potencial de falsa modéstia, talvez – porém, tão arrogantes para não nos deixarmos guiar por quem trabalhou para produzir conhecimento para nós?
Um estranho dualismo. Interessante, mas provavelmente prejudicial. A velocidade deste século é o produtor desta complexa teia de interesses em interdependência. Hoje, sim, as pessoas não ouvem – ou, melhor, ouvem o que lhes convém – porque o ato da audição implica uma paragem, seguida de momentos de contemplação e de reflexão. Isto é, como já entendemos, parar significa marginalização, isolamento, retrocesso, por mais que o saber alheio possa ser vantajoso para os nossos avanços indviduais e coletivos. Trata-se de uma hiperdinâmica que tem muito pouco de pedagógica, não incentivando a que os sujeitos se instruam acerca da realidade em que vivem.
Sem leitura, sem informação, sem cultura, o que resta do ser humano é muito pouco para além da sua inaptidão para uma socialização relevante. Se somos seres vivos com necessidade de permanente interação, é na exclusividade da escuta ativa que conseguimos os ganhos para a sustentabilidade da nossa espécie. Caso contrário, chega a ser uma esquizofrenia esta forma de viver. Para além disso, se não nos dispusermos a entender o que o outro lado tem para nos explicar caímos numa incompetência técnica: deixamos de nos desenvolver, tornamo-nos menos competitivos – ironia para um mundo altamente selvático como este – e, por fim, somos deixados para trás.
Onde quase todos pensamos que reside a exclusão – na malfadada arte de interromper a cadeia de pensamentos e comportamentos superficiais e, por conseguinte, de criar momentos de reflexividade profunda – encontra-se, na verdade, a nossa maior virtude. Sabermos ou não aproveitá-la cabe a cada um, numa lógica dinâmica entre o que o exterior oferece e o que o interior constrói.
E com esta deixa findamos um texto que quase adquiriu um cunho automotivacional. Longe dessas falsas promessas de self-made man, ocas de realidades e repletas de pressupostos embusteiros, vamos antes praticar o respeito e a consideração do outro como elemento inato de valor. Geralmente, quem mais soluções tem para terceiros menos ouve segundos e mais fala como primeiro – o insuflado ego, eterna consequência urbana do deslassamento humano.