Definir trabalho é – recorrendo propositadamente a um pleonasmo – um trabalho árduo. Contudo, trata-se de uma condição necessária para entender as dinâmicas da sua metamorfose ao longo do tempo. Muitos autores têm optado por uma visão generalista deste objeto: é o caso de João Freire (Cit. por Almeida, 2011, p. 24), que adota uma perspetiva de fundamento relativamente sistémico ao mencionar que “os sistemas de trabalho correspondem a formalizações teóricas que permitem descrever de forma estruturada e estável como se organizam e combinam os diversos elementos presentes nos processos produtivos, incluindo designadamente (…) o ambiente ou quadro ecológico envolvente das situações de trabalho; a natureza do trabalho; as relações de trabalho; a forma de aprendizagem; e o tipo de produção.”

No entanto, este modo de olhar para o trabalho oculta-nos muitos tópicos que decorrem do tipo de sociedade em que os indivíduos existem e exercem as suas atividades, desde logo ao nível das características das populações ativa e inativa, de onde podemos salientar, entre outros aspetos, os seus graus de ensino e de qualificação profissional ou as suas nacionalidades e etnias. Alertam-nos Gonçalves et al. (2019) que a interpretação do trabalho e das suas modificações não pode descartar as consequências do(s) fenómeno(s) da globalização, as mudanças na demografia (nacional e internacional) ou as questões financeiras das esferas social e económica. Neste sentido, focalizar a(s) proposta(s) teórica(s), por um lado, e, por outro, expandir o número de variáveis a ter em conta são duas considerações que assumem importância ao analisarmos as “continuidades e ruturas face ao património teórico já consolidado” do trabalho (Idem, ibidem, p. 142).

A par do significado do trabalho, e no âmbito de uma maior proficuidade na adoção de uma perspetiva mais atenta sobre esta temática, a distinção entre este conceito e o de emprego torna-se importante no traçar de algumas particularidades da abordagem da Sociologia do Trabalho. Enquanto as atividades baseadas no trabalho assumem uma dada transversalidade – indo do doméstico ao assalariado e do militante ao escravo –, as atividades de emprego surgem apenas na modernidade e requerem duas características: um contrato e uma remuneração (Woleck, s/d.). “A conotação moderna do termo emprego reflete a relação entre o indivíduo e a organização onde uma tarefa produtiva é realizada, pela qual aquele recebe rendimentos, e cujos bens ou serviços são passíveis de transações no mercado” (Souza Cit. por Idem, ibidem, p. 8). Assim, possuir um emprego tem sido um elemento organizador da vida social. Em contrapartida, as fronteiras que emergem entre emprego e desemprego são extremamente fluidas, na medida em que a procura de emprego excede a sua oferta e as questões de precariedade laboral estão na ordem do dia. À semelhança de outros países da Europa em geral, também em Portugal a vulnerabilidade no/do emprego é igualmente desafiante, requerendo uma reflexão acerca das (in)capacidades do “próprio Estado Social [(Europeu)] (…) de dar respostas sociais concretas” (Rebelo, 2011, s/p.). Estes são, certamente, e entre outros, dilemas que preocupam muitas pessoas, embora permitam simultaneamente um estudo pluricausal deste fenómeno (e, de uma maneira lata, do trabalho).

É crucial considerarmos o processo de globalização e as transformações nas áreas de emprego. Se a globalização representa um resultado constante de (des)conexões espácio-territoriais (Mirchandi, 2016), então, atualmente, já não é possível pensar o trabalho e o emprego em termos estritamente locais, porém em termos globais. A mobilidade da mão de obra e dos produtos, bem como a competitividade gerada em torno destes, são marcantes, obrigando-nos a atender a uma multiplicidade de fatores: fluxos da procura de mão de obra e de recursos naturais em alguns setores; importância do crescimento de redes de comunicação e do avanço tecnológico; questões económicas e políticas do desenvolvimento dos países, entre outros (Giddens, 2013). Repare-se que as novas tecnologias têm tido, em todos estes processos, uma importância acrescida, definindo modos de trabalhar e de recrutar possíveis trabalhadores. Nomeadamente em áreas como as Ciências da Vida, a Engenharia, a Informática e a Robotização, as inovações tecnológicas e o labor desenvolvido no mundo digital têm impacto “nas organizações de trabalho e estruturas de controlo” (Grint, 1998, p. 342), levando a que vários autores afirmem estarmos perante uma Quarta Revolução Industrial, onde se privilegia a Internet das Coisas. Nas palavras de Coelho (2016, p. 21),

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“temos atualmente disponível uma biblioteca infindável de informação (Big-Data) que consultamos a qualquer instante sempre que temos de tomar uma decisão ou temos dúvidas sobre algo ou alguém. Inúmeras “Coisas” a usam para tomar decisões “inteligentes” e inclusivamente antecipar o que precisamos.”

Assim, como nos explicita a Figura, a Quarta Revolução Industrial – tal-qualmente chamada de “Indústria 4.0” (Coelho, 2016, p. 24) – simboliza claramente uma mudança nos instrumentos (ou seja, nas “coisas”) utilizados(as) e nas competências em contexto laboral, atingindo o seu auge nos dias de hoje. Uma análise sociotecnológica deste fenómeno engloba, portanto, as potencialidades técnicas que se criam, mas igualmente, claro, as transformações que ocorrem em dimensões como a qualidade dos produtos elaborados, a flexibilidade na gestão das atividades ou o tipo de trabalho desenvolvido (com um dos focos direcionados para a execução via online).

 

ALMEIDA, Paulo Pereira de (2011) – Trabalho Moderno e Serviço: uma discussão de tipologias e definições. Sociologia, Problemas e Práticas. S/Vol., n.º 67 (2011), p. 23-42. [Consult. 30 mar. 2024]. Disponível em https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/3667/1/Sociologia67cap2.pdf>.
COELHO, Pedro Miguel Nogueira (2016) – Rumo à Indústria 4.0. Coimbra: Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Tese de mestrado em
engenharia e gestão industrial. [Consult. 30 mar. 2024]. Disponível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/36992/1/Tese%20Pedro%20Coelho%20Rumo%20%c3%a0%20Industria%204.0.pdf>
GIDDENS, Anthony (2013) – Sociologia. 9.ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. ISBN 9789723115031.
GONÇALVES, Carlos Manuel et al. (2019) – Valores do trabalho: regularidades e singularidades portuguesas In BARBOSA, Allan Claudius Queiroz; PARENTE, Cristina
(org.) – Sociologia, gestão e economia: diálogos transversais entre Brasil e Portugal. Curitiba: CRV, p. 141-174. ISBN: 978-85-444-3090-1.
GRINT, Keith (1998) – A Tecnologia do Trabalho In Sociologia do Trabalho. S/ed. Lisboa: Instituto Piaget, p. 339-376. ISBN 972-771-567-2.
MIRCHANDANI, Kiran (2016) – The Organization of Service Work In EDGELL,
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REBELO, Glória (2011) – Desigualdades sociais e emprego: respostas da economia social. Plataforma Barómetro Social. Vol. II, n.º 14 (2011), s/p. ISSN 2182-1879. [Em
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WOLECK, Aimoré (s/d.) – Trabalho, a Ocupação e o Emprego: Uma Perspetiva
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