“The trouble with Eichmann was precisely that so many were like him, and that the many were neither perverted nor sadistic, that they were, and still are, terribly and terrifyingly normal. From the view point of our legal institutions and of our moral standards of judgment, this normality was much more terrifying than all the atrocities put together.”
Hannah Arendt
Acordei com o frisson dos foguetes, foi feriado e passamos o dia a vaguear por Paris. Voltei cedo para casa e adormeci a pensar na sorte que era não trabalhar durante quatro dias. Ontem mais uma vez piadas sobre o Europeu (somos “campeões de chinelo” e então ?!). Fui para casa a sorrir. Adormeci a sonhar em várias línguas, a recordar Lisboa e a sonhar com os pés na areia.
Acordei e li as notícias: atentado em Nice. Um camião atropelou dezenas de pessoas, enquanto viam o fogo-de-artifício (ponto final). O ar ficou pesado. Que normalidade é esta? Perversa. Normal. Violência silenciosa.
Esgotam-se as palavras. Desde o 11 de setembro que aprendi a ler os factos, contar os mortos, os feridos quem, como e onde? Sempre atentados criativos, novos, inesperados. Braços ficam cruzados e lê-se o jornal à espera que nunca nada aconteça àquelas pessoas que no fundo são vitais na nossa vida. Liga-se o telefone e o pequeno universo de seres humanos que me são vitais estão bem.
Ainda bem. Cinismo escondido, egoísmo primário. Pesa, vou andar curvada o dia inteiro, vontade de ir para a rua gritar justiça. Chega.
E vão ser seis anos a viver em Paris, a troika esteve em Portugal, a Grécia foi humilhada, os ingleses não querem estar unidos nesta desunião europeia. Manifestações de ódio, carros incendiados, 180 pessoas morreram ao lado de minha casa. Época sombria num mundo que deseja ser global, mas não consegue ser solidário, apenas cúmplice. Guerra do silêncio, que divide o mundo em dois quando acreditava que ele era redondo, infinito.
Hoje vou sonhar em várias línguas, vou acordar com um sabor amargo. Vou tentar ser útil na inutilidade em que transformei a minha vida, acredito que não somos todos iguais porque nunca seria capaz de tanta violência. Quero que o mundo seja transparente, que sejamos todos capazes de alcançar a liberdade de não ver nisto a simples banalidade do mal.
Maria Luisa Barahona é arquitecta e vive em Paris desde 2010