Quase um mês depois da tomada de posse do Governo Regional da Madeira, o seu programa foi aprovado com 22 votos a favor (PSD, CDS e PAN), 21 votos contra (PS, JPP e a deputada Magna Costa do CH), e 4 abstenções (IL e 3 deputados do CH). Ao fim de uma longa curta-metragem de negociações, discussões e votação, a Madeira viu o Governo empossado a seguir caminho em plenitude de funções.

A aprovação da moção de confiança ao atual Governo tem peripécias e contra-peripécias que variam do inusitado ao ridículo. A este respeito importa chamar à colação quem de direito. Neste caso, o CH que viabilizou o Programa de Governo que outrora disse jamais aprovar. Façamos o exercício de repescar algumas declarações do líder regional do CH – Miguel Castro – e do líder nacional do CH – André Ventura – a propósito de eventuais acordos/entendimentos/coligações com o PSD, na Madeira.

Antes de irmos às declarações dos mais altos dirigentes do CH relativamente aos acordos nupciais com o PSD, interessa recordar os leitores de que o CH, aquando das buscas judiciais em Janeiro deste ano, interpôs uma moção de censura – à semelhança do PS – ao Governo liderado por Miguel Albuquerque. Repare-se que o líder do Governo é o mesmo; o líder do partido é o mesmo; o número de deputados do CH é o mesmo; e os membros do Governo são exatamente os mesmos (excluindo Rui Barreto). Passados 5 meses, O CH não só desiste da apresentação de uma moção de censura, como viabiliza uma moção de confiança.

Vejamos os factos:

A 16 de Abril, Miguel Castro dizia o seguinte: “Somos os únicos que já dissemos que não queremos nada com o PSD – nem antes, nem depois das eleições. Já o dissemos várias vezes.”

A 28 de Abril, Miguel Castro dizia o seguinte: “Somos um partido que combate a corrupção, por isso não estamos abertos a entendimentos, coligações ou quaisquer acordos com o PSD. Nós, que não nos damos com corruptos, nunca poderíamos entrar em qualquer acordo com o PSD.” (…) “O único partido que não quer nada com o PSD é o CHEGA. Por isso, se as pessoas querem correr com o PSD do poder, o seu voto só pode ser no CHEGA.

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A 12 de Maio, André Ventura dizia o seguinte: “O Chega seria absolutamente incoerente se, depois disto tudo, fizesse qualquer espécie de acordo com este PSD e com Miguel Albuquerque.”

A 13 de Maio, André Ventura dizia o seguinte: “Eu tenho a certeza de que esta equipa, liderada por Miguel Castro, não vai voltar atrás. E, portanto, vamos fazer a nossa firmeza de oposição, se for esse o resultado. Em caso algum eu daria luz ver, embora o Chega/Madeira não precise da minha luz verde, mas o partido tem funcionado sempre em enorme e profunda articulação, para que houvesse um acordo com o PSD de Miguel Albuquerque.”

A 21 de Maio, André Ventura dizia o seguinte: “Não haverá [acordo] por uma razão simples: porque nós entendemos que Miguel Albuquerque não devia ser candidato e, quando se tem princípios e valores, nós não cedemos isso por qualquer circunstancialismo político.”

A 22 de Maio, André Ventura dizia o seguinte: “O Chega quer tornar-se decisivo na governação da Madeira, deixando claro que não fará nenhum acordo com o PSD de Miguel Albuquerque.”

A 22 de Maio, Miguel Castro dizia o seguinte: “Não estabeleceremos acordos pós-eleitorais com o PSD de Miguel Albuquerque, nem com qualquer líder indicado quer por ele, quer por membros da sua lista candidata.”

A 23 de Maio, Miguel Castro dizia o seguinte: “Como já dissemos várias vezes, não passa por qualquer aliança com quem quer que seja. Nós vamos sozinhos a eleições e vamos sozinhos antes e depois das eleições.”

A 26 de Maio, Miguel Castro dizia o seguinte: “A nossa postura é exactamente a mesma. Há uma série de imposições que foram postas por nós, nomeadamente a situação de ser Miguel Albuquerque à frente do governo (…)”.

A 26 de Maio, André Ventura dizia o seguinte: “Miguel Albuquerque está agarrado ao poder como uma lapa. (…) Apelo a Miguel Albuquerque que compreenda que esse ciclo político tem de ser mudado.”

A 10 de Junho, Francisco Gomes (deputado do CH à AR): “O Chega não se vende a ninguém. Durante a campanha disse, durante toda a campanha já disse, o líder nacional já disse, e o líder regional já disse. Com Albuquerque não. (…) Penso que a posição já foi bem esclarecida.”

A 21 de Junho, Miguel Castro dizia o seguinte: “Já assumimos a nossa posição várias vezes e não vamos alterá-la, doa a quem doer. O impasse que existe na política regional foi criado pelo PSD e cabe ao PSD resolvê-lo. Para tal, tem de substituir Miguel Albuquerque, pois, como já dissemos centenas de vezes, não iremos apoiar qualquer governo por ele liderado.”

A 24 de Junho, Miguel Castro dizia o seguinte: “Mesmo que Miguel Albuquerque insista em ser o presidente do Governo Regional, não tem maioria parlamentar e isso faz com que nós consigamos aprovar as nossas propostas, ter uma fiscalização muito mais apertada sobre o PSD. Esse é o único sinal positivo que vemos nesta equação toda.” (…) “Vamos insistir até ao último segundo, contudo os nossos eleitores têm de perceber que o facto de o partido do governo não ter maioria parlamentar é um sinal de que as outras forças partidárias, nomeadamente o Chega, terão a força que fará com que muitas das nossas medidas sejam aprovadas e que o partido que sustenta o governo seja fiscalizado.”

A 2 de Julho, André Ventura dizia o seguinte: “Mantemos a condição de saída de Miguel Albuquerque. (…) Falei há minutos com Miguel Castro, a nossa posição mantém-se inalterável, o PSD sabe disso, o Governo Regional sabe disso. Agora, isto significa que pode haver alguma evolução de acontecimentos nas próximas horas e nos próximos dias, talvez, mas sem cedermos nestes princípios fundamentais.”

A 4 de Julho, Miguel Castro, Hugo Nunes e Celestino Sebastião – todos deputados do CH à ALRAM – abstiveram-se na moção de confiança do Governo Regional, o que permitiu que o Governo visse o seu programa aprovado e, consequentemente, entrasse em plenitude de funções. Já Magna Costa, a outra deputado do grupo parlamentar do CH, votou contra essa mesma moção de confiança, num ato já esperado dados os sinais rocambolescos que internamente advinham do partido.

Miguel Castro e os seus fiéis encantaram-se com as doses homeopáticas de falso poder, procurando a saída alucinante do proletariado, garantindo (lunática e em sonhos) circunscrever-se a uma espécie de manada de açambarcadores imberbes derreados pelo milenarismo secular que parecia, até aqui, impossível de alcançar, ainda que isso implique um niilismo total da sua (inexistente) figura política.

Se Ventura não se tivesse intrometido na vida política regional da forma incisiva como se colocou, talvez hoje não pagasse os custos de tamanha traição dos cordeirinhos tacanhos ao filósofo-rei platónico.

Um grupo parlamentar dividido, o qual, no meio de tanta ancestralidade, se pode saudar, mas logo a seguir repudiar. Saudar o facto dos 3 deputados que se abstiveram de não se cederem aos interesses nacionais e privilegiarem a autonomia regional do partido. Saudar o facto de serem, ironicamente, um fator que garantiu a normalidade das instituições democráticas. Mas, repudiar – veementemente – o facto de terem revertido fatalmente todas as resplandecentes posições morais e políticas que consideravam triunfantes até algumas horas atrás.

Saudar ainda Magna Costa por cumprir com os pressupostos pelos quais foi eleita, de que “com Miguel Albuquerque, não é não”. Por outro lado, repudiar – vivamente – o facto de se guiar pela linha nacional, assumir-se como porta-voz do partido a nível nacional, e rejeitar a autonomia regional do partido – caso para perguntar, se nem consegue defender a autonomia partidária, imagine-se no dia em que se esbarrar com a constante luta autonómica com que a Madeira se vê reiteradamente confrontada.

Fica no ar se haverá Orçamento (com o aval do seu pontífice).

Não há Ventura que salve tamanhas basbaquices protagonizadas por tão consideráveis estorvos.

04.07.2024

 

Referências:

https://www.dnoticias.pt/2024/4/16/401791-chega-diz-que-partido-e-o-unico-que-nao-quer-acordos-com-o-psd/
https://www.dnoticias.pt/2024/4/28/403390-chega-nao-quer-acordos-com-ninguem/
https://www.dnoticias.pt/2024/5/12/405114-chega-nao-fara-qualquer-acordo-com-o-psd-na-regiao/https://www.dnoticias.pt/2024/5/13/405250-em-caso-algum-eu-daria-luz-verde-para-que-houvesse-um-acordo-com-o-psd-de-miguel-albuquerque/
https://www.dnoticias.pt/2024/5/18/405913-chega-reafirma-que-nao-fara-qualquer-acordo-com-psd-ou-ps/
https://www.dnoticias.pt/2024/5/21/406283-ventura-reitera-que-com-albuquerque-nao-havera-nenhum-acordo/
https://www.dnoticias.pt/2024/5/22/406426-ventura-quer-tornar-chega-decisivo-na-governacao-da-regiao/
https://www.dnoticias.pt/2024/5/22/406448-chega-rejeita-acordos-pos-eleitorais-com-psd/
https://www.dnoticias.pt/2024/5/23/406483-os-madeirenses-cada-vez-mais-dao-forca-ao-chega-enaltece-miguel-castro/
https://www.dnoticias.pt/2024/5/27/407087-chega-nao-cede-nas-condicoes-afirma-castro/
https://www.dnoticias.pt/2024/5/26/406998-ventura-louva-extrema-esquerda-fora-do-parlamento-regional-mas-refuta-acordo-com-psd/
https://www.dnoticias.pt/2024/6/21/410261-a-postura-e-sempre-a-mesma-com-albuquerque-nao/
https://www.dnoticias.pt/2024/6/24/410577-chega-abre-a-porta-a-viabilizacao-do-programa-de-albuquerque/
https://www.dnoticias.pt/2024/7/2/411516-chega-mantem-saida-de-albuquerque-como-condicao-para-viabilizar-programa-na-madeira/