As arritmias são perturbações do ritmo cardíaco. Podem resultar de causas congénitas ou surgir ao longo da vida como consequência de doenças adquiridas, do envelhecimento ou de causas ainda desconhecidas. Muitas são benignas, podem ser assintomáticas ou perturbar em maior ou menor grau a qualidade de vida.

A caracterização da arritmia e do consequente risco de cada doente, baseia-se em electrocardiogramas efectuados durante um episódio arrítmico, em recolhas de registos aleatórios pontuais ou em registos electrocardiográficos contínuos de 24 horas ou mais. Como as arritmias podem ocorrer de forma intermitente, autolimitada e em muitos casos não provocar sintomas, a probabilidade de detecção correlaciona-se com a duração do período de registo, pelo que em muitos casos a informação recolhida pode ser insuficiente e a investigação inconclusiva.

O coração funciona por estimulação eléctrica originada em células específicas, que depois se propaga por fibras especializadas, activando o músculo cardíaco e desencadeando a contração de forma sequencial, de modo a que a sua função mecânica de bombear o sangue ocorra eficazmente.

Esta actividade eléctrica foi identificada ainda no século XIX por Waller e registada pela primeira vez sob a forma de electrocardiograma em 1903 por Eindhoven, que viria a receber o Prémio Nobel da Medicina em 1924. Certo é que o eletrocardiograma continua, mais de um século passado, a ser o exame determinante para o diagnóstico de situações tão variadas como o enfarte agudo do miocárdio ou os diferentes tipos de arritmias.

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A constatação de que a actividade eléctrica comanda o ritmo cardíaco, permitiu que dispositivos electrónicos viessem a ser utilizados como ferramenta para o tratamento de arritmias a partir da segunda metade do século XX. Primeiro, com a descoberta do desfibrilhador externo e, mais tarde, com a invenção da estimulação eléctrica artificial. Seguiu-se a implantação do primeiro pacemaker em 1958 e, já perto do final do século XX, a invenção dos desfibrilhadores implantáveis. Simultaneamente, ocorreram progressos importantes nos sistemas de diagnóstico, como os registadores electrocardiográficos de longa duração, externos ou implantáveis, e os algoritmos de detecção de arritmias que ficam registadas nos pacemakers e nos desfibrilhadores implantados.

Com a invenção dos microprocessadores, a miniaturização e incorporação em múltiplos dispositivos médicos ou não médicos – como relógios, telemóveis e equipamentos de treino – vieram alargar as possibilidades em termos de diagnóstico. Em doentes considerados de risco, a implantação de um pequeno chip subcutâneo, à semelhança do que também acontece em portadores de um pacemaker ou de um desfibrilhador, permite monitorizar o ritmo cardíaco de forma permanente durante vários anos, com transmissão de toda a informação para uma plataforma informática, sendo todos os alertas consultados pela equipa médica por via remota, sem necessidade de o doente se deslocar ao hospital. A utilização deste tipo de tecnologia já demonstrou reduzir significativamente a mortalidade e o número de hospitalizações, ao permitir introduzir correções terapêuticas mais precocemente.

Alguns equipamentos como smartwatches já estão cientificamente validados e têm algoritmos de detecção automática de arritmias, alertando o utilizador para a necessidade de efectuar um electrocardiograma, realizado pelo próprio relógio, ao mesmo tempo que geram ficheiros que o doente pode enviar de imediato ou mostrar posteriormente ao médico. Permitem assim uma monitorização do ritmo cardíaco contínua e praticamente ilimitada no tempo.

Num futuro próximo, este tipo de ferramentas poderá permitir o rastreio de arritmias em grandes grupos populacionais considerados de risco, como os idosos, orientando a administração de medicamentos sem recurso ao serviço de urgência ou ajudando a avaliar a necessidade de manter indefinidamente terapêutica anticoagulante em doentes que já efectuaram procedimentos potencialmente curativos, como após uma ablação, com vários estudos clínicos já em curso.

As possibilidades abertas pelo progresso tecnológico na área dos dispositivos cardíacos são imensas, já que no futuro poderão conceptualmente permitir alargar a monitorização contínua do ritmo cardíaco a grandes segmentos da população previamente considerada em risco e que actualmente não faz qualquer vigilância ou apenas a faz de forma ocasional, o que poderá vir a ter um impacto significativo no conhecimento científico e no modo de seguir e tratar mais adequadamente os doentes afectados.