Em praticamente todos os programas eleitorais (senão mesmo todos), identificou-se como meta para a presente legislatura o combate à corrupção.

Uma das medidas mais faladas foi a do agravamento das penas aplicáveis, como forma de dissuasão. Outra foi a reforma das regras de confisco (mecanismo de apreensão de vantagens e produtos do crime, para perda a favor do Estado). Ou a criminalização do enriquecimento ilícito, um tipo penal que o Tribunal Constitucional já chumbou mais que uma vez, por considerar que, tal como se encontrava estruturado, violava os princípios da necessidade de pena, da legalidade penal e da presunção da inocência.

No entanto, tenha-se em mente o seguinte: em 2010, passou a incluir-se no Código Penal uma norma que determinou o agravamento das várias penas aplicáveis aos crimes de corrupção, designadamente quando o valor em causa se mostrasse elevado ou consideravelmente elevado.

Olhando para os vários processos de corrupção que têm vindo a ser publicamente divulgados, sobretudo nos últimos dez anos, será que poderemos hoje dizer que há mais ou menos corrupção em Portugal?

Fazendo a questão de outra forma: será mesmo verdade que, por o crime ter passado a ser punido com 8 anos de prisão, em vez de 5, podemos dizer que há hoje menos corrupção no nosso país?

Existe atualmente na comunidade portuguesa uma elevada perceção sobre a corrupção, mas entendo que isso não é porque o setor público se tenha tornado mais permeável, em comparação, por exemplo, com o que sucedia nos anos 80 ou 90. Longe disso. O que há é, hoje em dia, uma maior facilidade de deteção dos comportamentos desviantes e, por isso, mais investigações.

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Não haja dúvidas que uma das formas mais eficazes de combate à corrupção é, por exemplo, o dever que existe, por parte dos bancos, de monitorização das contas tituladas pelas chamadas “pessoas politicamente expostas”, obrigando-os a reportar às autoridades operações que entendam ser suspeitas.

Ou a própria aprovação do Código dos Contratos Públicos que, em 2008, veio introduzir importantes limitações, nomeadamente a nível dos ajustes diretos.

Basta atentar nos inúmeros casos mediáticos que foram despoletados por consultas por parte de órgãos de comunicação social ao chamado “Portal Base” (uma plataforma eletrónica onde são divulgados os contratos públicos), para perceber a importância que esse tipo de iniciativas de modernização do Estado teve a nível do reforço do escrutínio, ainda mais que o simples agravamento, sem mais, das penas de prisão para o dobro ou para o triplo.

Mas há ainda muito que pode ser melhorado e, para isso, o importante é focarmo-nos em mitigar as fontes de risco e não tanto em incrementar consequências da punição (ainda que isso acabe por ser também relevante).

1A regulação do lobbying. É um dos temas de maior atualidade.

Como já tive oportunidade de frisar num artigo anterior, é importantíssimo que se passe a regular os processos de participação do setor privado na tomada de decisões públicas. Não queremos mesmo que o Estado passe a recusar todo e qualquer contacto com o setor privado e uma democracia descomplexidade e madura deve aceitar a relevância desse diálogo e interação. Mas também não podemos querer que se faça de conta que inexistem abusos. Ponto é que se defina, de antemão, as regras do jogo, tornando-se essa atividade mais transparente e idónea.

Isso deverá passar pela criação de um registo público para o exercício da atividade, o estabelecimento de regras de publicidade e divulgação pública, a definição de regras de conduta e a possibilidade sujeição a auditorias ou processos administrativos de inquérito, entre outras medidas. Quem representa interesses privados junto do Estado deve identificar, claramente, que o faz e em nome de quem, evitando-se potenciais conflitos de interesses.

Outra importante medida em relação a isto é a criação da chamada “pegada legislativa”, tanto a nível do Governo como da Assembleia da República. Na União Europeia, já está previsto que “qualquer reunião com o objetivo de influenciar o processo de decisão política ou de tomada de decisões das instituições europeias, independentemente do seu local” deve ser divulgada publicamente, para que se consiga identificar, em cada momento, todas as pessoas com que se foi interagindo durante um determinado processo legislativo, bem como os motivos para que tal sucedesse. Em Portugal, porém, ainda não foi implementado.

2A efetiva monitorização das acumulações injustificadas de riqueza, conflitos de interesses e incompatibilidades, relativamente a titulares de cargos políticos.

Quem seja nomeado para ministro, por exemplo, está obrigado a apresentar, no prazo de 60 dias após ter iniciado o exercício de funções, a chamada “declaração única”, na qual deve descrever a sua situação patrimonial, cargos passados, subsídios ou apoios obtidos e situações passíveis de gerar eventuais conflitos de interesse.

No entanto, como já foi várias vezes noticiado, a entidade à qual compete proceder à análise e fiscalização dessa declaração única designa-se Entidade para a Transparência e, quatro anos após a sua criação, ainda estão a ser desenvolvidos esforços para “garantir a entrada em funcionamento”.

Mesmo em relação ao MENAC (Mecanismo Nacional Anticorrupção), uma entidade criada em dezembro de 2022 e que tem como missão “a promoção da transparência e da integridade na ação pública e a garantia da efetividade de políticas de prevenção da corrupção e de infrações conexas”, foi recentemente noticiado que “recebeu 42 denúncias de corrupção no ano passado”, mas “ainda não dispõe da plataforma para as queixas de empresas e instituições, nem do canal de denúncias externas no seu site oficial. [E] também ainda não aplicou sanções”.

Para uma maior credibilidade deste tipo de iniciativas, que não basta que se fiquem pela frieza do papel, é imperativo reformular o seu modo de funcionamento e articulação, proporcionando-lhes estruturas e competências, bem como o reforço de meios humanos e materiais.

Aliás, uma possível medida poderia ser fundir estas instituições para criação de uma agência única, que eventualmente abrangesse também a própria Entidade das Contas e Financiamento Político, assim se permitindo gerar sinergias para uma análise agregada dos dados, em vez de se estar a manter várias instituições a funcionar em paralelo quanto a assuntos conexos.

3Reformular as regras relativas a “porta-giratórias” entre cargos políticos e empresas privadas, bem como no que diz respeito à gestão de conflitos de interesses.

A lei prevê a regra geral de que “os titulares de cargos políticos de natureza executiva” não podem exercer, pelo período de 3 anos após a saída de funções, cargo em empresas privadas que prossigam atividades no setor por eles diretamente tutelado e que, no período daquele mandato, tenham sido objeto de operações de privatização, tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual, ou relativamente às quais se tenha verificado uma intervenção direta do titular de cargo político.

No entanto, logo no n.º 2 desta norma vem uma exceção: se se tratar do regresso à empresa onde antes se trabalhava, deixa de haver proibição.

Do meu ponto de vista, não faz grande sentido que não se dê importância ao facto de um determinado ministro poder sair para uma empresa que tenha, durante o tempo em que esteve no Governo, obtido beneficícios financeiros no setor por ele tutelado, só porque antes já lá tinha trabalhado. Basta pensar em casos em que antes de ser ministro era um mero diretor na empresa e depois volta já como administrador (e a lei não o impede), para se chegar à conclusão que, no mínimo, se tratará de uma situação que levantará algumas dúvidas.

Por outro lado, ao fazer-se referência apenas os “titulares de cargos políticos de natureza executiva”, está a afastar-se a aplicação desta regra, por exemplo, a chefes de gabinete dos governos ou a membros de gabinetes ministeriais, sem motivo aparente.

O mesmo se diga no que tange a cargos dirigentes das câmaras municipais, ou aos titulares de cargos de direção superior da administração pública.

Tanto em relação aos membros dos gabinetes governamentais, como em relação aos titulares de cargos de direção superior da administração pública, a única limitação que existe é que não podem desempenhar, nos três anos após a sua saída, as funções de inspetor-geral ou subinspetor-geral no setor específico em que operavam. Já quanto à transição para o setor privado, nada se prevê.

Também poderia fazer sentido implementar mecanismos de verificação prévia de idoneidade de canditatos que se queira designar para titulares de cargos políticos. Não faltam casos (mesmo muito atuais) de personalidades que, já depois de serem investidas no cargo, se descobre através da comunicação social que, afinal, se encontram associadas a questões suscetíveis de afetar a sua idoneidade. Como já tive oportunidade de afirmar num outro artigo, todo este controlo prévio até pode, no limite, desincentivar potenciais candidatos, que não querem estar sujeitos a tanto escrutínio. Mas talvez seja mais adequado evitar embaraços futuros, que pode acabar por ser bem mais prejudiciais para a credibilidade das instituições.

4Reforçar a efetiva autonomia dos altos quadros dirigentes.

Segundo se prevê na Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, os membros do Conselho de Administração são designados por resolução do Conselho de Ministros, tendo em conta o parecer fundamento da comissão competente da Assembleia da República. No entanto, num primeiro momento, quem indica a personalidade a nomear e solicita a sua audição na comissão parlamentar é o membro do Governo responsável pela área de atividade económica que esteja em causa.

Falamos de entidades tão relevantes para a regulação de setores essenciais na nossa sociedade como o Instituto de Seguros de Portugal, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, a Autoridade da Concorrência, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, a Autoridade Nacional de Comunicações, o Instituto Nacional de Aviação Civil, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos e a Entidade Reguladora da Saúde.

Por seu turno, no caso do MENAC (a entidade referida acima que tem como missão a promoção da transparência e da integridade na ação pública e a garantia da efetividade de políticas de prevenção da corrupção e de infrações conexas), o seu Presidente é nomeado por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta conjunta do Presidente do Tribunal de Contas e do Procurador-Geral da República.

Poderia fazer sentido que, à semelhança do que sucede no processo de recrutamento para cargos de direção, estas nomeações fossem precedidas de concursos públicos. Uma coisa é um determinado ministro indicar para secretário de Estado alguém da sua confiança (até porque se trata de um cargo político), outra coisa é poder fazê-lo também para todas as entidades que se passam a sujeitar à sua tutela. Diria que se trata de uma medida que contribuiria para fomentar (ainda mais) a independência.

5 Estender o Regime Geral da Prevenção da Corrupção aos partidos políticos.

De acordo com o Eurobarómetro Especial sobre Corrupção, cerca de dois terços dos portugueses inquiridos responderam que veem os partidos políticos como as instituições em que é mais comum a prática de “subornar ou ser subornado e o abuso do poder em benefício pessoal”.

Se do que falamos é das pessoas que, no futuro, poderão vir a ser os nossos governantes, não vejo motivos para que continuem a ficar isentos de obrigações, em matéria de prevenção da corrupção e infrações conexas.

6 Maior transparência e publicidade.

No plano do direito comunitário, foi aprovada em 2020 a Convenção Europeia sobre o Acesso a Documentos Oficiais, pelo Conselho Europeu, tendo por objetivo informar o público para que possa melhor formar uma opinião sobre o estado da sociedade e as autoridades públicas, fomentando a integridade, eficiência e escrutínio das mesmas, de modo a reafirmar a sua legitimidade democrática.

Vários países, como Espanha, Finlândia, Noruega ou Suécia, entre outros, já ratificaram esta Convenção. Portugal ainda não.

É certo que, na legislação portuguesa, dispomos da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos. No entanto, não deixou o GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção) de alertar, no seu mais recente relatório publicado em janeiro de 2024, que esta lei foi sucessivamente criando cada vez mais restrições ao acesso à informação por parte de jornalistas e do público em geral, e que “uma cultura de segredo, que tem raízes históricas, ainda está presente e conduz a atrasos por parte do Governo e da administração pública na divulgação de informação”.

Um dos aspetos, por exemplo, que menos sentido faz é que, quando seja negado um pedido de acesso, é possível apresentar uma reclamação junto da chamada CADA (Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos). No entanto, ainda que esta última venha a reconhecer, diante dessa reclamação, que o acesso não podia ter sido recusado, não tem poderes para forçar que o mesmo seja concedido, sendo ainda assim necessário, depois, recorrer a tribunais administrativos para que tal acabe por suceder (o que frustra, como é evidente, toda a lógica de disponibilização célere da informação que, precisamente, se queria garantir desde o início).

Ainda sobre o tema da transparência, outra ideia é reformular os mecanismos de publicidade dos ajustes diretos.

Atualmente, sempre que é celebrado um ajuste direto, há uma publicação que é feita no portal BASE, mencionando-se os motivos pelos quais se seguiu por essa forma contratual, bem como valores, serviços e outros detalhes.

No entanto, para que haja maior escrutínio, em vez de se estar só a divulgar os ajustes diretos quando estivessem já assinados, poderia fazer sentido que se divulgasse, de antemão, os próprios convites que são dirigidos às entidades privadas para que apresentem uma proposta para o ajuste direto, logo que os mesmos tivessem lugar. Todos os potenciais concorrentes passariam, dessa forma, a estar informados que, em vez de abrir um concurso público, o organismo público optou por iniciar um processo de ajuste direto, convidando um particular em concreto a apresentar uma proposta.

Admito que essa medida pudesse ser dispensada quando se estivesse diante de valores pouco significativos, de modo a evitar-se uma litigância excessiva que, eventualmente, levaria à paralisação da tomada de decisões em temas de gestão corrente ou do dia-a-dia. Mas situações que envolvam adjudicações de montantes avultados, não podem deixar de estar sujeitas a um maior controlo, segundo critérios de proporcionalidade.

7 Menos burocracia e progressiva digitalização.

É imprescindível que se proceda, cada vez mais, ao recurso às tecnologias digitais na tramitação dos processos de decisão pública. Que se implemente um verdadeiro “e-Governo”.

Como se alertou em relatório divulgado em fevereiro do ano passado pela “Business at OCED” – um grupo que representa o setor privado junto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) –, «o primeiro passo para a adoção de soluções de administração pública eletrónica é transformar os sistemas analógicos e baseados em papel em sistemas digitais, abertos e simples. (…) Isto permite que os governos aumentem a transparência e a responsabilidade, reduzam a burocracia e diminuam as interações diretas entre empresas e governo (B2G) entre indivíduos e funcionários públicos, o que, por sua vez, reduz as oportunidades de suborno tanto do lado da “procura” como da “oferta”».

Ainda que o ser humano continue a ter um papel determinante (e insubstituível) na tomada final de decisões, não pode ser minimizado o potencial que lhe pode trazer um algoritmo que, num curtíssimo espaço de tempo, e analisando enormes quantidades de dados e um histórico dos últimos vinte anos (para não dizer mais), lhe transmita recomendações, previsões e relatórios, para a formulação de juízos mais rigorosos e objetivos.

E tal solução poderia revelar-se fundamental não só para avaliar propostas em concursos públicos, mas também para auxílio das próprias atividades de fiscalização e inspeção, permitindo que se identificasse comportamentos desviantes e, com isso, mitigar progressivamente os riscos a ocorrer.

Estas várias medidas que proponho neste meu artigo são só algumas das que se afigurariam necessárias, à luz de todas as preocupações sentidas na comunidade. Há muitas outras, importantes também. Relevante, contudo, é que se encete a discussão do tema, em vez de se prosseguir na defesa do status quo, ou a apontar o dedo sempre que algo não corre bem. Ou a fazer remendos na lei em resposta a casos pontuais.

James Madison, quarto presidente dos Estados Unidos, afirmava que “se os homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário”. Isso é verdade, os políticos são humanos e não seres seráficos, absolutamente perfeitos e insensíveis. É impossível erradicar a falha humana. No entanto, continuava de seguida o mesmo estadista que, “se os anjos governassem os homens, nem controles externos nem internos sobre o governo seriam necessários”. Lá está o reverso da medalha.