No início do século XXI, a Coreia do Sul integrou nos seus objetivos estratégicos, a articulação entre cultura e educação, como elemento estruturante para o desenvolvimento do perfil dos cidadãos e de uma economia criativa. Atualmente, a Coreia do Sul é um dos países mais ricos do mundo, e tem na sua capacidade criativa – não é um país rico em matérias primas – um ativo essencial. Os Estados Unidos, o Canadá, a França, o Reino Unido, são exemplos de articulação entre políticas culturais e educativas. Em Portugal, apesar de, desde os anos 70 do século passado, se desenvolver estudos e projetos para realizar esta articulação, a nível ministerial, e em termos estratégicos, ela só acontece, pela primeira vez, com a concretização da Estratégia Nacional Educação e Cultura, promovida pelo XIX Governo Constitucional (2011-2015), no qual fui responsável pelas políticas públicas de Cultura e Nuno Crato pelas políticas educativas. Esta Estratégia visou dar um sentido sistémico, coerente, a diversos programas sectoriais no terreno e avançar com um conjunto de novas medidas, com o objetivo de promover a qualificação das crianças e jovens em contexto escolar e na articulação com os agentes culturais e a comunidade.

Foi o caso, nomeadamente, do Plano Nacional de Leitura, iniciado em 2006, por inspiração e coordenação de Isabel Alçada, no primeiro Governo Sócrates. Do Programa de Educação Estética e Artística, iniciado em 2009, por inspiração e coordenação de Elisa Marques, no segundo Governo Sócrates. Do Plano Nacional de Cinema, iniciado em 2013, por inspiração de Francisco José Viegas e por mim concretizado, no primeiro Governo Passos Coelho.

Em 2014, por minha decisão e de Nuno Crato, criámos o grupo de trabalho para a Estratégia Nacional Educação Cultura, constituído por dois representantes da Direção-Geral da Educação, um representante da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, um representante da Direção-Geral do Património Cultural, um representante da Direção-Geral das Artes, um representante do Instituto do Cinema e do Audiovisual e um representante da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas. Convidei Elisa Marques para coordenar este grupo de trabalho. Juntos, preparámos a Estratégia, que foi apresentada, publicamente, em Julho de 2015.

O que se pretendia?

“•  Contribuir para a generalização da presença da cultura e das atividades artísticas no quadro do sistema educativo, da educação pré-escolar ao ensino secundário, promovendo o conceito de “experiência cultural” e de “literacia cultural” em toda a comunidade educativa;

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  • Integrar a cultura nas rotinas do quotidiano educativo, através de itinerários de aprendizagem a médio e a longo prazo, para o desenvolvimento de capacidades, conhecimentos, aptidões e atitudes, de modo a contribuir para uma sociedade mais aberta, exigente e plural;
  • Reafirmar uma conceção ampliada de cultura, entendida como fenómeno social e humano, que abarca múltiplas dimensões: antropológicas, sociais, simbólicas, estéticas e económicas;
  • Promover a diversidade das expressões culturais em todo o território nacional, favorecendo a emergência de elementos de análise que permitirão a tomada de decisão de políticas públicas que contribuam para a maior acessibilidade dos cidadãos em geral, e dos estudantes em particular, às atividades culturais;
  • Valorizar a diversidade cultural do território nacional, como meio de reconhecer a riqueza dos bens culturais, incentivando a sua preservação;
  • Possibilitar as interações culturais, criando ambientes, dispositivos e condições para iniciativas partilhadas, através do recurso a meios tecnológicos, nomeadamente a plataformas eletrónicas;
  • Expandir programas de formação de profissionais da educação e da cultura nas áreas da Educação Artística.”

E como concretizar?

“1. Articulação Interministerial

  1. Caraterização das atividades culturais – artísticas do país
  2. Criação de uma Plataforma digital de Informação e Interação Culturais: portal das experiências culturais
  3. Educação Artística e Cultural – Modos de Integração
  4. Gestão Operacional do Programa.”

Em Setembro de 2015,  a Estratégia foi operacionalizada, com um protocolo de colaboração assinado por todas as entidades públicas envolvidas. A plataforma digital prevista estava criada, a articulação com os agentes culturais começada, a interação entre as estruturas públicas do Estado das áreas da Educação e Cultura acordada.

Em Outubro, houve eleições legislativas. Em Novembro, António Costa (apesar de ter perdido as eleições), com os partidos à esquerda do Partido Socialista inventou aquilo que Vasco Pulido Valente chamou “a geringonça”. E o Partido Socialista formou governo. De Novembro de 2015 a Fevereiro de 2019, congelou as medidas de trabalho que deixámos estruturadas e com a operacionalização montada. Depois, foi decidido fazer uma manobra de marketing: mudar o nome, fazer de conta que nada se tinha feito antes e criar o Plano Nacional das Artes (PNA). E o que aconteceu?

Bem, o Plano Nacional de Leitura e o Plano Nacional de Cinema continuaram a acontecer, agora com o logo do PNA acrescentado. O Programa de Educação Estética e Artística e a equipa que o desenvolvia no Ministério da Educação foram desmantelados, apesar de tal nunca ter sido assumido.

Na maior parte dos agrupamentos escolares, nunca houve intervenção do PNA nas escolas, a não ser palestras online e um punhado de palestras presenciais (apesar de se falar do que já se fazia, seja nos programas nacionais seja em escolas em concreto, com uma chancela do PNA).

Os recursos pedagógicos produzidos foram confrangedores (basta consultar o site ainda ativo do Plano Nacional das Artes e ver a sua pobreza, reveladora da distância entre o dizer e o fazer).

A Estratégia / Manifesto do PNA, é, essencialmente,  uma re-escrita da Estratégia que deixámos feita (com ideias nucleares como “programa cultural de escola” – alterado para “projeto cultural de escola” ou a ideia de “biografia cultural”, com nova designação), assim como de outros documentos anteriores.

Muitas iniciativas locais e de agentes culturais já existentes, passaram a ter um “selo PNA”.

Mas, realmente, concretizaram uma estratégia, o plano passou a ação? Não. Desperdiçaram o trabalho feito, recauchutaram o existente e não foram capazes de acrescentar e de fazer melhor (apesar de chavões glamorosos e fofos como “vamos indisciplinar a escola”)..

Agora, temos um novo Governo.

Espera-se que Cultura e Educação possam ter, finalmente, um encontro feliz, de que Portugal precisa, para o seu caminho face a um futuro melhor.