A inteligência artificial generativa veio introduzir, particularmente no campo do direito de autor, desafios exigentes, capazes até de abalar conceções tradicionais quanto à noção de autoria de uma obra intelectual.

Tais tecnologias, levantam, desde logo, questões relativas ao respeito pelos conteúdos pré-existentes com que são alimentadas e, igualmente, quanto à potencial titularidade de tais direitos sobre as criações por si geradas. Se no que respeita ao primeiro ponto aludido as respostas são claras e inequívocas, já quanto ao segundo tudo poderá vir a ser mais dúbio.

Afim de gerar os resultados solicitados pelos utilizadores e trabalhando tais ferramentas, por regra, com base em obras pré-existentes, a utilização destas por parte daquelas, quando protegidas por direito de autor, carecem de prévias e escritas autorizações dos titulares de direitos sob pena de potencial violação dos direitos autorais de terceiros. Conhecidas são, aliás, notícias sobre processos judiciais movidos contra a OpenAI e Microsoft, devido ao ChatGPT, em virtude de alegadas atuações ilícitas como por exemplo o processo movido pelo New York Times quanto à alegada utilização, não autorizada, por parte da plataforma de IA generativa de publicações periódicas.

Mais complexo e (cada vez mais) discutível, em face do avanço tecnológico, será a reflexão sobre a criação de conteúdos próprios gerados por parte destas ferramentas de IA generativa quer quanto à efetiva criação de uma obra protegida por direito de autor, quer quanto à respetiva atribuição de autoria.

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Ao abrigo da lei autoral portuguesa (Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos), uma obra será protegida por direito de autor se se tratar de uma criação intelectual do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizada. Deste modo, tal proteção para que ocorra pressupõe, sempre, um grau (ainda que) mínimo de originalidade decorrente de uma intervenção humana, ou seja, a obra será sempre o reflexo do espírito intelectual humano do seu criador. Assim sendo, caberá, salvo disposição expressa em contrário, ao criador intelectual da obra o respetivo direito de autor sobre a mesma.

Naturalmente que tais sistemas e ferramentas de IA potenciam (e potenciarão ainda mais num futuro, certamente, não tão distante) o aprofundamento de discussões, que já hoje extravasam a esfera académica, sobre a necessidade, face ao status quo, de uma eventual reinterpretação do conceito de autoria e proteção autoral de obra.

Até à data, a tendência tem sido rejeitar proteção autoral à produção de obras (nomeadamente artísticas) por ferramentas onde não existe qualquer contributo humano para o processo criativo, pelo que, a resposta à questão formulada será, necessariamente do ponto de vista legal, negativa. Contudo, a verdade é que tais discussões são já uma realidade nos Estados Unidos da América junto do US Copyright Office, nomeadamente, sobre a elegibilidade, para estes efeitos, de obras artísticas criadas com a ajuda de IA. Assim, e sem prejuízo da distância ainda existente entre os sistemas autorais continentais e anglo-saxónicos, “ventos de mudança” perspetivam-se.