A Lisboa que hoje pisamos é uma cidade erguida sobre as cinzas de outra que desapareceu em minutos. No dia 1 de novembro de 1755, um terramoto colossal, seguido de um tsunami e incêndios devastadores, reduziu a capital a escombros. Não foi apenas uma tragédia nacional; abalou a Europa inteira e influenciou profundamente o pensamento iluminista à época. Filósofos como Voltaire, Rousseau, Kant, Goethe e David Hume debruçaram-se sobre o sucedido, questionando dogmas religiosos, debatendo conceitos como “o mal moral” e o “mal natural”, a natureza humana e os limites da razão. Este cataclismo desafiou as certezas da época, impulsionando debates que moldaram o pensamento e a sociedade moderna.

E nós? Preferimos recordar esta calamidade apenas quando o calendário nos brinda com um número redondo. Será que a nossa memória coletiva só funciona com aniversários terminados em zero? A título de exemplo, é curioso como somos zelosos em celebrar, ano após ano, o 10 de Junho, o 25 de Abril ou o 5 de Outubro. Datas que, sem desmerecer a sua importância, nos concedem prazerosos feriados, muitas vezes mais apreciados pelo descanso do que pelo simbolismo que representam. Mas, quando se trata do Terramoto de 1755, sofremos de uma amnésia conveniente. Será fobia patológica que não nos permite encarar a nossa fragilidade? Ou simplesmente é mais fácil fingir que as grandes tragédias pertencem a um passado remoto?

Vivemos numa confortável ilusão de segurança, sentados sobre um contexto tectónico preguiçoso mas de grande risco. Ignoramos que Portugal está sobre uma zona sísmica ativa. No continente, a terra treme poucas vezes, mas não é por isso que os grandes sismos deixam de acontecer. O sismo de agosto passado foi um suave aviso — se é que um tremor de terra pode ser suave — da nossa vulnerabilidade. Mas rapidamente voltámos à rotina, como se nada fosse. Enfrentar a realidade exige esforço e coragem, qualidades que nem sempre estamos dispostos a mobilizar. Mas não nos enganemos: outro terramoto de grande magnitude não é uma possibilidade remota; é uma inevitabilidade. Não se trata de “se” vai acontecer, mas de “quando” vai acontecer.

Ao esquecermos o Terramoto de 1755, perdemos a oportunidade de educar as novas gerações sobre a importância da preparação e da resiliência. A reconstrução de Lisboa foi um feito notável, um exemplo de visão estratégica e determinação. As autoridades da época não se limitaram a erguer a cidade das ruínas; transformaram-na numa metrópole moderna, pioneira em técnicas de engenharia antisísmica. Ignorar este legado é desperdiçar uma lição vital sobre superação e inovação.

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Enquanto isso, abraçamos com entusiasmo festas importadas como o Halloween, que dominam esta altura do ano. Nada tenho contra abóboras esculpidas e disfarces extravagantes, mas é sintomático que uma tragédia fundadora da nossa história seja eclipsada por celebrações alheias à nossa identidade. A mudança começa em cada um de nós; individualmente, nas nossas famílias e comunidades. Basta tirarmos a cabeça da areia, olharmos o problema de frente e adotarmos uma cultura de autoproteção. Mas a responsabilidade não é apenas dos cidadãos; os nossos líderes políticos têm uma enorme responsabilidade. Enredados em ciclos eleitorais e promessas fáceis, esquecem-se de investir na memória coletiva e na preparação para o futuro.

Ignorar o 1 de novembro de 1755 é esquecer quem somos e de onde viemos. Esta data deveria ser evocada como uma das mais significativas na vida dos portugueses. Não se trata de alimentar um culto da desgraça, mas de aprender com o passado para melhor enfrentar o futuro. Resignarmo-nos a este estado de demência histórica é arriscar repetir os mesmos erros, possivelmente com consequências ainda mais devastadoras.

A decisão está nas nossas mãos. Podemos continuar a fingir que nada aconteceu, mergulhados na nossa apatia confortável, ou podemos assumir a responsabilidade de honrar a memória deste acontecimento crucial. Lembrar o Terramoto de 1755 anualmente não é um capricho nostálgico; é um ato de inteligência coletiva e maturidade cívica. Não se trata apenas de revisitar o passado, mas de nos prepararmos para o futuro que inevitavelmente nos aguarda.

Talvez, ao devolver ao 1 de novembro o destaque que merece, possamos finalmente fortalecer os alicerces — não só das nossas infraestruturas, mas também da nossa memória coletiva – da nossa história. O tempo das desculpas e da desmemória seletiva acabou. Temos o dever moral de assumir o compromisso de manter viva a lembrança deste dia. Ignorar as lições da história é o primeiro passo para reviver os seus capítulos mais sombrios. Deixo-lhe um desafio para o seu primeiro passo no combate à demência histórica: não deixe que 1755 seja esquecido, partilhe este artigo com os seus familiares e amigos.

Está na hora de acordarmos, antes que a terra nos acorde novamente.