A Loucura foi interpretada de diferentes formas ao longo da história, sendo a feminina usualmente associada à sexualidade. Por vários momentos na nossa evolução a origem de sintomas corporais estranhos levam a que a mulher seja considerada diferente, associada a fenómenos místicos, sobretudo quando presente a religiosidade. Um exemplo é a Histeria. Esta toma a forma da mulher e é um conceito por vezes indissociável.
Tal facto remonta à medicina da Grécia Antiga onde Hipócrates a definiu como exclusivo ao sexo feminino. Aliás, a própria etimologia da palavra vem do grego “hystera” que significa útero. E, desde a cultura egípcia que o interior do corpo da mulher é associado uma condição de “malignidade pela presença do útero que, ao deslocar-se produziria sintomas corporais compatíveis com histeria”1,2 Apenas no século XVII, com Willis, se ponderou ser uma doença do cérebro. Porém, já estava difundido pela Europa a relação entre o útero e a regulação da saúde mental da mulher.
No século XIX os trabalhos de Charcot em Salpêtriére são fundamentais para identificar a existência do sintoma físico definido como “paralisias e distúrbios das sensações dependentes da ideia”3. Porém, as demonstrações dramáticas nas suas aulas, o viés da amostra e da resolução sintomática atribuída à sexualidade contribui para o manutenção do estigma. Facto que a Escola de Viena não conseguiu, e Freud e Breur enfatizaram o trauma sexual precoce como causa. Todavia, houve avanços com a definição de “conversão” – tradução do sintoma emocional em físico – e “desagregação” de Janet, esta um mecanismo de defesa relacionado com o inconsciente. Esta conceptualização da Histeria refletiu-se na organização do DSM-III, só sendo abandonada no DSM-IV alegando o seu efeito pejorativo. Efetivamente, o termo histeria ainda é conotado depreciativamente no contexto social e ligado ao feminino, mesmo após os resultados dos estudos de Kretschmer, no século XX com militares saídos das linhas da I Grande Guerra.
Janet defendeu que “a palavra histeria deve ser conservada apesar de ter sido muito alterado o seu significado primitivo”3. Para tal, na sociedade atual, cabe aumentar a literacia e perceber que a biologia do feminino, embora se revista de um carácter único, o mesmo não se pode refletir numa forma redutora de ser mulher, da sua sexualidade. Mas perceber que as doenças se manifestam de forma diferente entre os sexos, permitindo uma abordagem individualizada de acordo com os ciclos biológicos e, ao mesmo tempo, integrada com a componente social, como a Saúde Mental da Mulher.
1 Steiner M. “Saúde mental da mulher: o que não sabemos?” Rev. Bras. Psiq. 2005; 27 (supl.II): S41-2.
2 Pegoraro RF, Caldana RHL. “Mulheres, loucura e cuidado: a condição da mulher na provisão e demanda por cuidados em saúde mental”. Saúde e Sociedade. 2008; 17:2, 82-94.
3 Quartilho, MJ. O processo de somatização: conceitos, avaliação e tratamento. Coimbra, Ed. 1, 2016, capítulo I, página 28; Imprensa da Universidade de Coimbra, ISBN 978-989-26-1148-8
4 Vilela WV. Mulher e saúde mental: da importância do conceito de gênero na abordagem da loucura feminina. 1992. Tese – Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.
5 Pessotti I. A doutrina demonista in_ A loucura e as épocas. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994, 83-120.
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