Nas primeiras semanas do novo Governo, muito se falou do excedente orçamental deixado pelo anterior executivo. A opinião pública dividia-se entre aqueles que vangloriavam o feito alcançado, os que denunciavam a miragem financeira e os que discutiam a melhor forma de distribuir este excedente.

Reconhecendo o excessivo endividamento que o país ainda tem e as implicações negativas que tal acarreta, a resposta natural seria: acelerar a descida da dívida pública para reconquistar a nossa liberdade financeira. No entanto, a resposta (certa) não é assim tão evidente. Recuemos no tempo.

Portugal entrou em democracia com a dívida pública a representar 12,1% da riqueza criada no país. Em 1986, ano que marca a entrada de Portugal na CEE, e em resultado do significativo aumento da despesa pública para financiar o investimento público e a criação de um Estado Social moderno, a dívida pública já pesava 56,5% da riqueza (4,7x mais).

As primeiras décadas da adesão aceleraram o desenvolvimento do país e a criação de riqueza, e conseguiram manter o rácio da dívida no PIB em torno dos 60% – um dos critérios de Maastricht. Durante este século, assistimos a um galopar do rácio da dívida na riqueza nacional, que conheceu o seu pico de 132,9% em 2014 (se não tivermos em conta os 134,9% de 2020, provocados pelos efeitos do Covid).

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O pico de 2014 corresponde ao período de auxílio internacional, caracterizado pela contenção da despesa pública, mas sobretudo por um “enorme aumento” dos impostos (da receita pública), como forma de conseguir conter o déficit persistente perante uma teimosa despesa pública.

Chegamos a 2024 com um pequeno superavit e um rácio de dívida na riqueza, pela primeira vez desde 2010, abaixo dos 100%. Um valor inédito na nossa história mais recente, mas ainda claramente acima dos 60% estabelecidos nas regras de Maastricht.

Perante este superavit, logo surgiu a discussão sobre qual a melhor forma de o “gastar” – aumentos salariais na administração pública, satisfazendo as reivindicações – umas mais recentes e outras mais antigas? Investir em projetos públicos adicionais aos contemplados no PRR? Ou até acelerar o pagamento de dívida para mais depressa chegar aos 60% de Maastricht?

Concordando com a urgência da redução mais acelerada do rácio de dívida, creio que andamos distraídos com uma discussão que, na verdade, se afasta do essencial – como podemos acelerar a criação de riqueza? Como podemos colocar o PIB a crescer de forma consistente e sustentada no tempo para regressarmos ao top 15 europeu de riqueza? Algo que só com um crescimento anual de 3,9% até 2043, como o BRP tem defendido, será possível.

A verdade é que cortar nas despesas ou receitas do Estado como único caminho para reduzir a dívida é uma abordagem demasiado simplista e redutora. O recente sucesso da descida (do peso) da dívida, atribuído “às contas certas”, tem mais que se lhe diga.

Comparando 2023 com 2022, verificamos que houve uma queda na relação dívida/PIB de 13,4%. Mas esta queda aconteceu enquanto a dívida teve uma diminuição nominal de apenas 9,3 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 3,4% do PIB.

Ora, se a redução da dívida apenas contribuiu com 3,4 pontos percentuais, como é possível que o peso da dívida no PIB tenha caído muito mais – 13,4 pontos percentuais, para ser mais exato? A resposta está na criação de riqueza, traduzida pelo crescimento do PIB. Neste mesmo período o PIB (nominal) aumentou em 23,4 mil milhões de euros, ou seja, +9,7% do PIB.

É também o que observamos quando comparamos 2023 com 2019 (não comparamos com 2020 ou 2021 para evitar os difíceis efeitos do Covid). Neste período, a relação dívida/PIB diminuiu em 17,6 pontos percentuais, mas isto aconteceu mesmo com a dívida nominal a aumentar. Neste período, contraímos mais 13,1 mil milhões de euros (5,2% do PIB) de dívida, ou seja, mais cerca de 1.300 euros por cada português.

Demonstram claramente como a queda drástica de 17,6 pontos percentuais da dívida pública (no PIB) se deveu exclusivamente ao crescimento do PIB, que aumentou em 51,5 mil milhões de euros (24% do PIB), ou seja, mais cerca de 5.100 euros por português.

Estes números deixam clara a importância que a criação de riqueza (crescimento económico) tem na redução da dívida (no PIB). Tornam também evidente que temos estado – opinião pública, políticos e comunicação social – a debater o tema do excedente orçamental de forma errada, e a desviar-nos daquelas que deveriam ser as prioridades da sociedade e do país.

Mais do que discutir como distribuir o excedente, temos de estar concentrados em perceber como conseguimos promover e celebrar o crescimento das pessoas e empresas, a eficiência, a inovação e o empreendedorismo, mesmo que tal passe por “sacrificar” a voracidade fiscal e regulatória que tanto tem crescido nos últimos anos. Precisamos também de, coletivamente, ter uma maior ambição de crescimento e, sobretudo, uma renovada confiança de que sim, é possível.

Esta é a discussão que verdadeiramente devemos ter para construirmos um Portugal mais justo, próspero e sustentável.