Já muito se escreveu e disse acerca das rescisões unilaterais dos contratos dos jogadores do Sporting, do enquadramento legal aplicável às mesmas e dos fundamentos da alegada justa causa invocada.

Na verdade, durante vários dias, muitos foram os “especialistas” em direito desportivo que se passearam pelos meios de comunicação social a opinar sobre a “inequívoca” e “clara” justa causa existente, com frases como “[os futebolistas do Sporting] têm mais do que razão para rescindir com justa causa”, “[os jogadores] podem avançar para a rescisão por justa causa, uma vez que é obrigação da entidade empregadora, qualquer que ela seja, de garantir os meios e a segurança para a prestação do trabalho”, “há a violação de um dever por parte do Sporting de proporcionar segurança e estabilidade à atividade ao praticante desportivo” ou ainda “tem fundamento suficiente para rescindir”.

Em abono da verdade, devo referir que no dia 11 de junho, aquando das rescisões de mais três jogadores, e em declarações à Sic Notícias, destaquei as minhas dúvidas relativamente à referida justa causa, contrariando a opinião da maioria dos “especialistas” em Direito do Desporto já ouvidos anteriormente.

Nessas declarações, alertei para a fragilidade das rescisões unilaterais de contrato por justa causa, com base nos seguintes fundamentos: (i) não tendo o Sporting conhecimento antecipado do ataque à Academia, este tratou-se de um ato isolado e totalmente alheio à responsabilidade do clube; (ii) os jogadores sempre tiveram, ao longo da(s) época(s), as condições necessárias para prestarem o seu trabalho nas instalações do clube; (iii) o clube reforçou, com efeitos imediatos após o ataque à Academia, a segurança das suas instalações; (iv) os jogadores participaram no jogo da final da Taça de Portugal; e (v) alguns jogadores participaram, segundo o que veio a público, direta ou indiretamente na negociação das suas possíveis transferências.

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O conjunto dos fundamentos apresentados anteriormente faziam-me acreditar, tal como ainda fazem hoje, que existe um claro obstáculo à demonstração da justa causa, visto que os mesmos podem levar o julgador a crer que houve uma manutenção do vinculo laboral.

Nesse sentido, referi ainda, e cito, que “provar a justa causa neste contexto torna-se mais difícil do que se, por hipótese, o jogador, a seguir ao ataque a Alcochete, tivesse ido a um médico, ao Instituto de Medicina Legal, apresentado baixa médica e não tivesse comparecido no jogo da taça”.

Na verdade, se antes da aprovação da Lei n.º54/2017, que procedeu à alteração do regime jurídico do contrato de trabalho desportivo, caso jogador rescindisse o seu contrato de trabalhado desportivo, alegando a justa causa, poderia o clube interpor uma ação de oposição ao reconhecimento da justa causa, cabendo a decisão da mesma à Comissão Arbitral Paritária, hoje em dia, com a alteração legislativa de 2017, o vínculo desportivo passou a ser considerado acessório ao vinculo laboral.

Quer isto dizer que o jogador, a partir do momento em que rescinde unilateralmente alegando justa causa, pode assinar por outro clube, discutindo-se, posteriormente, eventuais indemnizações em sede da respetiva ação principal laboral, a julgar pelos órgãos jurisdicionais competentes.

Contudo, deve o clube terceiro que contrata atentar à “teoria do terceiro cúmplice”, que consiste numa presunção de que o clube que contrata foi cúmplice na rescisão do jogador para a sua posterior contratação, podendo vir a responder solidariamente com o jogador caso se verifique que não houve fundamento para a justa causa.

Ademais, em alguns países, à responsabilidade solidária podem ainda acrescer eventuais sanções desportivas, tais como a impossibilidade de inscrição de novos jogadores nas competições a disputar pelo clube terceiro.

Chegados aqui, cumpre referir que se em junho todos os “especialistas” eram peremptórios na afirmação da justa causa e na verificação dos seus pressupostos, com o mês de julho, as mudanças nos órgãos de gestão do clube e a acalmia necessária à análise cuidada destas matérias, parece que finalmente começam a surgir algumas dúvidas nesses defensores acríticos da justa causa.

Caso assim não fosse, já todos os jogadores que rescindiram tinham novo clube, não estariam alguns jogadores a equacionar o seu regresso ao Sporting e não estaríamos a falar de um eventual acordo entre o Sporting e  o único clube que contratou um dos jogadores que recindiu.

O processo será longo e só no final é que poderão ser retiradas conclusões sobre quais as consequências a nível financeiro numa eventual indemnização a pagar por uma das partes.

Todavia, parece-me claro que a evidente fragilidade da justa causa alegada levará a que os jogadores queiram evitar a sua discussão nos tribunais, preferindo a celebração de acordos entre os próprios jogadores, os clubes que os contratam e o Sporting ou uma nova vinculação laboral a este último clube.

Legal Advisor da Laureate International Universities