Com as escolas inegavelmente mais pacificadas, e com uma complexa revisão do ECD – Estatuto da Carreira Docente em cima da mesa, em 2025 o que se segue?
Se é verdade que a classe docente começou a sentir uma recuperação da sua dignidade, não é menos verdade que a Educação, e a Escola Pública em particular, continuam mergulhados numa série de problemas que se foram cristalizando com o tempo e que os sucessivos Governos nunca conseguiram, ou quiseram de facto, resolver. Os constrangimentos tornaram-se estruturais e de cada vez mais difícil resolução. A carência de professores é um dos exemplos visíveis que, só recentemente, todos reconheceram.
Aqui chegados, habemus revisão do ECD. Rever a “bíblia” que determina praticamente toda uma vida profissional de largos milhares de professores é, no mínimo, uma tremenda ousadia. Reconheçamos isso. Todavia, remexer nos inúmeros dogmas que foram sendo incrustados pelo tempo, mas também pela inércia e até receios dos decisores, é uma caixa de pandora que só o futuro nos dirá se valeu a pena reabrir.
Até hoje, alguns representantes dos professores que, na verdade, sempre estiveram contra quase tudo, advogam o impossível. Rever toda uma carreira (e tudo o que isso implica) num ápice, pois os calendários internos dos partidos que os alimentam (e vice-versa) assim o determina. E a tão defendida Escola Pública? Calma, isso é para abrir os noticiários. Por agora há que manter a máquina.
Mas olhemos para o essencial: o que poderá, ou não, mudar na Educação.
Uns dirão que tudo ficará na mesma. Outros optaram por arrancar mais cedo e estão já a rufar os tambores da luta e a apontar baterias ao Governo, mesmo desconhecendo o que, em bom rigor, será proposto para se legislar.
No entretanto, vai-se alimentando a onda contestatária nos inúmeros grupos de professores de WhatsApp e nas redes sociais. Na crista da onda, surge um assumido candidato à Presidência da República que não deixará de aproveitar este palco muito mediático, no qual outrora já foi protagonista e alegadamente apartidário.
E, no turbilhão negocial e político-sindical que certamente se adensará ao longo de 2025, alguns, porventura banhados pelas correntes da sensatez, aproveitarão a onda da negociação para tentar alterar efetivamente algo para melhor. Bom…dir-me-ão que o que será melhor para uns, poderá não ser melhor para outros. É verdade. Mas será que não estará mais do que na hora de deixar definitivamente as ideologias e agendas paralelas para trás e olhar de frente para os muitos elefantes que se foram instalando no seio das escolas em Portugal?
Perdoem-me os leitores mais sensíveis: mas que raio, estamos à espera do quê?
O histórico está mais do que registado, dito e sabido. Os resultados internacionais catastróficos, que deveriam envergonhar quem nos governou, já não poderão mais ser escondidos ou omitidos. São maus demais para nada se fazer!
Andamos a brincar às escolinhas e ao faz de conta. O importante sempre foram as estatísticas, enquanto se foram transitando de ano muitos alunos sem os devidos conhecimentos e competências que seriam exigíveis num país decente.
Fora da equação, vão ficando tantos outros intervenientes no processo educativo. E não podem ficar esquecidos de todo. A escola precisa de todos os profissionais da educação, até porque a urgência de dar respostas aos milhares de alunos migrantes, sobretudo os que não dominam a nossa língua, carecem de respostas educativas repensadas, adaptadas e verdadeiramente integradas. Inclusão não é abandonar um aluno que nada compreende da nossa língua à sua sorte e sem apoios e, no final do ano, escrever na pauta que transitou de ano.
É preciso uma espécie de reset educativo. A Educação e o futuro do país assim o exigem.
O tempo dos experimentalismos, facilitismos e contemplações no sistema educativo já lá vai. Não poderá continuar! Estamos a hipotecar sucessivas gerações.
Será que é nesta oportunidade que teremos capacidade para alterar o mal-amado modelo de avaliação docente? E o modelo de gestão das nossas escolas, incluindo o modelo de eleição dos nossos diretores? Haverá coragem para debatermos sem tabus e podermos apontar novas soluções?
Reconhecemos que existe uma lista quase infindável de constrangimentos que afetam o quotidiano das nossas escolas. Todos sabemos que a lecionação, a formação, a educação das nossas crianças e jovens passou, não raras vezes, para último plano, dada a emergência constante de procedimentos burocráticos que, em bom rigor, pouco ou nada contribuíram para a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem. Mas vamos andando, à boa moda portuguesa.
Nesta parafernália de grelhas, documentos e e-mails com nos mergulham noite dentro, até muito para além da nossa jornada de trabalho, importará nunca deixarmos de ter presente o que verdadeiramente somos: antes de tudo o resto, somos professores, somos pessoas e também temos filhos. Mas teimamos em alimentar o monstro burocrático. As lideranças temem simplificar o sistema instalado com receio que falte sempre algum documento (dita evidência) para essa espécie de lobo mau, ou desculpa fácil, que é a inspeção. Por isso, a ordem terá de emanar necessariamente da tutela ou o pesadelo perpetua-se.
Ora, numa altura em que já se escutam vozes que apontam para uma carreira autónoma dos diretores escolares, talvez também seja a altura de pensarmos se será realmente isso que a Escola necessita. E, já agora, num outro plano, questionarmo-nos se não será então o momento de debatermos serenamente outro modelo de eleição dos nossos diretores, sem esquecermos a própria composição e competências dos Conselhos Gerais.
A meu ver, e mesmo sabendo que há quem naturalmente defenda o contrário, não será despropositado voltamos a equacionar o modelo colegial que já existiu no passado ou na criação de um modelo alternativo híbrido. Em todo o caso, importará ter sempre em linha de conta que o cerne de todo o sistema deverá contemplar sempre os docentes, ou seja, atribuindo-lhes um maior peso em todo o processo decisório.
Os professores não poderão voltar a ser arredados do processo de escolha direta de quem os vai gerir. Pelo contrário, os docentes deverão voltar a adquirir o sentimento de pertença da sua escola enquanto organização, revendo-se nas decisões (preferencialmente colegiais), nos procedimentos, nas estratégias, enfim, para que se revejam no seu Projeto
Educativo e que este não seja somente mais um documento arquivado algures na página web da escola.
Importará ter a coragem de retirar o peso político que se sente em muitas das nossas escolas (através, por exemplo, do Conselho Geral), atribuindo uma maior capacidade de decisão aos pares, ou seja, aos professores.
Ora, se é verdade que existem escolas onde nada disto é problema e devemos reconhecer a muita competência, profissionalismo e até humanidade dos seus diretores, não poderemos igualmente ignorar que (sobretudo) nas comunidades mais pequenas constata-se uma clara intromissão do Poder Autárquico (e não importa aqui a cor política) sobre a gestão quotidiana das nossas escolas. Pior ainda, e há que dizê-lo com frontalidade, não é raro observamos ingerências externas que acabam por se refletir nas dinâmicas de cariz pedagógico, ultrapassando a autonomia pedagógica de cada docente.
Esta autonomia docente é a alma de um professor; é aquilo que o define; é o que marca a personalidade dos nossos alunos e é aquilo que nunca poderemos deixar que nos roubem. É quase sagrado. Se o permitirmos, corremos o sério risco de deixarmos de ser definitivamente professores, para nos assumirmos como meros executantes tecnocratas.
É preciso regulamentar os horários de trabalho, de modo a evitar abusos sob o argumento da autonomia, garantindo uma uniformização das reduções de horário (verdadeiras e sem outras tarefas e alunos atribuídos). É urgente um verdadeiro simplex-burocrático e é fundamental que se acabe com a cultura do facilitismo que tomou conta dos nossos alunos, com escolas vizinhas a competirem entre si pelas melhores médias (empoladas e sem aprendizagens de facto).
De facilitismos, com papéis e grelhas para “inglês ver” estamos todos fartos e, pior que isso, só avolumaram várias gerações de cidadãos profundamente desiguais. Uns atingem a excelência porque têm essas capacidades inatas e tiram mais partido da panóplia de ferramentas e de conhecimentos que hoje estão acessíveis; outros (eu diria a maioria) chegam ao ensino superior sem dominar verdadeiramente a nossa língua, com imensas dificuldades de interpretação, de leitura e de escrita e, há que dizê-lo, viciados nas respostas coladas de um trabalho copiado algures da net. Sim, o plágio está instalado por toda a parte e começa nos mais jovens. Os pais, involuntariamente e na expectativa de ajudar os filhos num determinado trabalho, acabam eles próprios por fomentar este flagelo que poucos ousam denunciar.
É mesmo imprescindível um reset educativo, embora sem deixarmos de reconhecer que a “pandemia” da falta de professores vai deixar lastro e não se resolverá num futuro próximo. Vai levar tempo. Talvez largos anos. E, também por isso, deveria envolver mais forças partidárias e até a sociedade civil, na medida em que a formação inicial de professores por um lado, aliada à valorização profissional dos que já estão ao serviço da Educação, por outro, deveriam ser um desígnio nacional de médio-longo prazo.
Enquanto nação, somos capazes disso e já o demonstramos ao longo da História. Cada um que assuma as suas responsabilidades e deixe de olhar, apenas, para o seu quintal.
O país real, o mercado de trabalho, as organizações empresariais e os mercados internacionais, todos eles progressivamente mais competitivos assim o determinam.