“O sistema educacional está destroçado. Estamos a ensinar capacidades e conhecimento enquanto deveríamos ensinar a aprender”. Esta foi das frases de uma palestra recente de Joi Ito, o novo director de uma das mais prestigiadas instituições de investigação e inovação do mundo, o MIT Media Lab. Mais interessante ainda é o facto deste cargo, desta responsabilidade, ter sido dada a alguém que não tem curso superior, apesar de ter lançado múltiplas empresas e de lhe terem sido atribuídos múltiplos prémios (ainda assim, Joi Ito foi excluído do processo de selecção por não cumprir os iniciais requisitos e repescado mais tarde).
Recentemente, Joi lançou o “prémio da desobediência”. Fê-lo por reconhecer que as sociedades, empresas, governos e instituições em geral têm tendência a procurar a ordem e afastar-se do caos, diminuindo a entropia do sistema, o que limita a criatividade e a mudança positiva. Este prémio tem como objectivo distinguir com $250.000 (cerca de €230.000) um caso de desobediência que tenha impacto significativo para a sociedade. Talvez devêssemos premiar a “desobediência por uma boa causa” no nosso modelo de ensino, sendo este um exemplo de sistema em que temos procurado incutir regras e procurar a estabilidade de vários intervenientes, porém criando um modelo que não faz sentido na sociedade actual.
Ao mesmo tempo que em Portugal se discutem reformas para reduzir as turmas de um modelo educativo obsoleto, milhares de alunos fazem cursos técnicos online e preparam transições de carreira para profissões como “Engenheiro de Robótica”, “Digital Marketer” ou “Engenheiro de Inteligência Artificial”. Estes são cursos ensinados pelas maiores referências destas áreas, desde fundadores de empresas a investigadores de renome, e patrocinados por empresas como a Google, Facebook, Uber, Amazon, Mercedes ou Bosch. Estão acessíveis a toda a gente (há uma propina mas também bolsas) e, para além dos conteúdos técnicos, há treino e acompanhamento individual para quem quer preparar uma mudança de carreira para estas áreas.
Em Portugal, este tipo de iniciativas de requalificação (massiva) de competências não faz parte da prioridade das empresas que lutam para se manter competitivas enquanto se queixam da falta de recursos qualificados para fazer face às suas necessidades de hoje em dia. E continuamos a jogar este jogo das lamentações: as empresas não conseguem o talento que procuram, os recém-formados não conseguem a colocação expectável no mercado de trabalho.
Temos um sistema desequilibrado. A forma das empresas se manterem competitivas é inovar e conseguir encontrar novos produtos e serviços (em 2012, 80% das receitas da Apple estavam associadas a produtos com menos de 5 anos) e isto consegue-se com criatividade, capacidade de se perceber como é que o mundo e a sociedade vão evoluir nos próximos anos e fazer experiências para descobrir e implementar novos produtos e serviços. Pessoalmente, uma das minhas métricas para avaliar se um candidato é ou não um bom candidato é perguntar a mim própria no final de uma entrevista “será que esta pessoa me ensinou algo?”. Acredito que na geração dos meus pais se procurassem recursos humanos para seguir regras e executar tarefas repetitivas. Hoje em dia, essas tarefas são realizadas por máquinas, pelo que precisamos que as pessoas tenham as melhores ideias, apresentem soluções para problemas e consigam comunicar tudo isto de forma clara.
De acordo com o Fórum Económico Mundial, as cinco competências mais importantes em 2020 serão pensamento crítico, resolução de problemas complexos, criatividade, coordenação com pessoas e gestão de equipas. E estas deveriam ser as bases ensinadas nas nossas escolas e universidades. Infelizmente, não é o caso. Ora, onde está o problema então? São vários, são complexos, e intensificam-se à medida que o tempo médio de uma profissão se tem vindo a reduzir drasticamente, sendo neste momento de menos de 10 anos.
Questiono-me se reconhecemos que aprendizagem contínua deveria significar aprendizagem para a vida e não avaliação contínua no ano escolar em que se estudam e aplicam receitas em testes. Questiono-me se reconhecemos que criatividade e pensamento crítico são importantes, mas esperamos que os alunos questionem pouco e se comportem todos da mesma forma. Questiono-me se respeitamos e premiamos a diferença e a desobediência por uma boa causa. Para além de uma mudança do sistema de ensino, precisamos de uma mudança cultural para fazer face às alterações criadas em grande parte pelo desenvolvimento tecnológico. Questiono-me se já percebemos que os ídolos de carreira que tentamos seguir quando decidimos o nosso futuro profissional o foram no passado e não serão os ídolos do futuro.
Empreendedora Tecnológica
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.